Nathalia Pinto
Nathalia Pinto
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7 min readMay 11, 2019

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A Sociologia da Arte e o Jornalismo Cultural: ensaio sobre a complementação dos dois campos

RESUMO
O ensaio discute as possibilidades da sociologia da arte contribuir para o Jornalismo Cultural. Juntas, as duas áreas ponderam sobre questões relevantes acerca dos modos de produção artístico e jornalístico. Com a sociedade da informação e o mundo contemporâneo, faz-se necessário uma análise das problemáticas e da possível ajuda de uma disciplina recente, como a Sociologia da Arte, ajudar o Jornalismo Cultural a refletir, questionar e entender o contexto dos objetos culturais.

INTRODUÇÃO
A disciplina Sociologia da Arte traz questões pertinentes aos atores sociais nela inseridos. Apesar de ter nascido entre os especialistas de estética e história da arte, está pouco interessada no estudo do belo, das diferentes formas artísticas e dos fundamentos da arte. Tais conhecimentos são relativos ao dom inato do artista, à suposta genialidade e vocação, temáticas distanciadas sociologicamente, já que não contemplam suas produções, contextos e interlocuções.

Vista sob este prisma, a sociologia da arte introduz novos saberes acerca de métodos e questionamentos comuns relacionados ao fazer artístico. Ao mesmo tempo, encontra certa dificuldade em demarcar os limites da sociologia, pela estreita proximidade não só com as disciplinas encarregadas de seu objeto, mas também com as ciências sociais ligadas à sociologia, antropologia, psicologia, economia e direito (HEINICH, 2008). Há, portanto, uma disparidade no que concerne aos diferentes objetivos propostos entre elas.

Este pressuposto levou estudiosos como Nathalie Heinich (2008), Vera Zolberg (2006) e Pierre Bourdieu (2005) a destinarem atenção especial às ligações entre arte e sociedade; os modos de produção e de percepção artísticos; as perspectivas psicológicas sobre a imagem do artista; os fatores econômicos, sociais e políticos que levam ao surgimento de movimentos artísticos; bem como os interesses por eles.

Em caráter específico, a Sociologia da Arte, ao circunscrever normas
conteudísticas, mostrando as divergências entre as análises dos sociólogos da arte e a dos estetas, além de tentar compreender melhor a natureza dos fenômenos artísticos, aproxima-se do debate sobre os modos de criação do Jornalismo Cultural. Flagrado em momento de transição — assim como a área jornalística em geral — a especialização em cultura sofre a redução da sua cobertura.

Termo complexo por natureza, Jornalismo Cultural refere-se a toda produção
noticiosa e analítica sobre acontecimentos e objetos definidos como culturais e literários. Música, literatura, artes plásticas, cinema, teatro e dança são os tradicionais. Na nova configuração da informação no século XXI, os quadrinhos, a gastronomia e a moda também ganham espaço na cobertura cultural. No entanto, dificuldades apresentam-se ao acanhamento desta editoria.

Sem rebuscar filigranas conceituais, a problemática se concentra em dois
patamares mais visíveis. Uma reside no fato da racionalidade editorial dos veículos enxergarem pouca densidade jornalística no meio cultural. Desta forma, a atividade acaba por tornar-se irrelevante. A outra entra neste cerne: as chamadas agendas culturais, muita das vezes, atrelada às determinações da própria indústria cultural. Os jornalistas saem pouco das redações e recebem releases em demasia das assessorias de imprensa.

Neste contexto, a finalidade deste ensaio situa-se em um esforço de reflexão
sobre a possível contribuição da Sociologia da Arte para a prática do Jornalismo Cultural, bem como os meios para que a simbiose ocorra. Ao seguir esta linha, será abordada preliminarmente a problematização da arte, com o objetivo de alargar o espectro da discussão sobre a importância dos questionamentos apresentados acima.

A SOCIOLOGIA DA ARTE COMO FERRAMENTA DE QUESTIONAMENTO
A fim de introduzir conceitos para um melhor entendimento do discurso
sociológico sobre o modo de produção artístico, a Sociologia da Arte, segundo Heinich (2008, p.26) tem o interesse pela arte e sociedade como momento fundador, pois “os progressos realizados pela disciplina durante meio século, apresenta-se nos hoje como pertencer a uma tendência relativamente datada, que seria preferível chamar de estética sociológica.”

Heinich divide a história da disciplina em três gerações: estética sociológica,
história social da arte e sociologia de pesquisa. A primeira estuda a arte e a sociedade, surgiu na primeira metade do século XX e tenta entender o contexto histórico da arte e sua evolução. A segunda é originária da década de 50 e permitiu dublar ou substituir a tradicional questão dos autores e das obras pela dos contextos que evoluem (HEINICH, 2008).

Por fim, a sociologia de pesquisa emerge nos anos 60. O ponto de partida são as pesquisas da arte como sociedade, as obras não mais distanciadas, mas suas interações com os seres humanos a partir das sensações experimentadas. Heinich (2008) afirma que esta geração partilha com a precedente a habilidade da pesquisa empírica, aplicada não ao passado e com recurso aos arquivos, mas à época presente, com a estatística, a economia, as entrevistas, as observações.

O pano de fundo desta última geração revela que a arte tornou-se não só o ponto central da pesquisa, mas o incorporamento dos discursos acompanhantes. Ao analisar o contexto, os atores e os objetos, não estiola a compreensão do senso comum, nem mesmo ao atribuir razões sociológicas ao valor de uma obra, como por exemplo, o urinol do artista francês Marcel Duchamp.

Assim, a sociologia pragmática suscita questionamentos pertinentes na área do jornalismo cultural. É comum a queixa de que estamos entupidos de informação. Antes, o jornalista dispunha de um tempo na pesquisa, na apuração e feitura das matérias. No entanto, desde o final do século XX, as reportagens culturais têm o seu papel questionado, pois funcionam, na maioria das vezes, apenas como um guia de serviço dos produtos culturais.

Com o espaço apertado das poucas páginas dos cadernos de cultura e a
sobrevivência por aparelhos de publicações especializadas, o caminho permanece igual. Considerado um mediador, devido à suposta carga cultural, o jornalista atua filtrando conteúdos. Ou seja, cabe a ele decidir o valor-notícia de uma pauta e como ela deverá ser divulgada.

Sendo assim, mesmo diante das constantes mudanças no mundo pós-industrial — afinal, hoje, qualquer um com uma câmera e internet consegue divulgar um fato — ter o poder de mediar criticamente análises sobre objetos culturais é de extrema relevância na sociedade na qual estamos inseridos.

No âmbito da Sociologia da Arte, a mediação é caracterizada como “tudo o que se interpõe entre a obra e seu espectador, pondo em xeque a ideia pré-sociológica de um confronto entre uma e outro” (HEINICH, 2008, p.100). Neste sentido, ao falarmos de mediação nos dois cenários, é fundamental não perder de vista dois elementos interpostos: arte como expressão da sociedade e o jornalismo cultural entrelaçado a esta dinâmica, encontrado na interferência do acesso e divulgação das expressões artísticas.

Como aponta Heinich (2008), a intervenção entre uma obra e sua recepção tende a substituir “distribuição” ou “instituições”, distinguindo-se em três categorias de “mediadores”: pessoas, instituições, palavras e coisas. Não por acaso, aponta que em relação às pessoas, “uma obra de arte não encontra espaço como tal a não ser graças à cooperação de uma rede complexa de atores” (HEINICH, 2008, p.88).

Entretanto, esses atores exerceriam suas atividades em instituições, que por
conseguinte, abarcam “as palavras, os números, as imagens e os objetos interpostos entre uma obra e os olhares postos nela” (HEINICH, 2008, p.94). Destarte, ao expor os dois campos, percebemos a importância da Sociologia da Arte para o Jornalismo Cultural.

Em tempos de precárias elaborações de matérias, resenhas e críticas, além da perda na qualidade dos debates, o jornalismo cultural não deve ter como espelho as premissas do jornalismo tradicional, atualmente alimentado pela superficialidade e imediatismo. Neste sentido, faz-se necessário uma maior aproximação com os leitores, com a intenção de ampliar o pequeno lugar destinado a ele, buscando questionar a sua pertinência na atualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A indústria cultural revela uma tensão constante entre as culturas tradicionais e a lógica global. Ambas se nutrem, gerando uma identificação do público com valores regionais, com as diferenças, com o pertencimento. Em paralelo ao sentimento de interação com essa lógica, exercem impactos no fazer jornalístico.

Porém, ao editar, analisar, hierarquizar, resenhar ou criticar, a imprensa cultural necessita ter um senso crítico ao avaliar os produtos culturais. Não só valorizando os interesses comerciais, mas também as induções simbólicas.
O jornalismo cultural deve preservar a qualidade crítica, plural e lúdica da sua
essência.

Diante da descentralização da produção jornalística e das transformações do mundo contemporâneo, urge, sobretudo, saber pensar. Saber pensar para além da lógica retilínea e evidente. O jornalista cultural precisa buscar uma atividade mais livre do engessamento consolidado, onde as novas mídias ganham mais adeptos.

Sendo assim, a Sociologia da Arte pode acrescentar e enriquecer o Jornalismo
Cultural, a partir do pensamento questionador proposto por ela. Sobretudo em relação à geração da pesquisa, na qual os estudos focam na arte como sociedade. Ao refletir questões fora da estética, bem como sua subjetividade, ajuda o jornalista a entender melhor não só a arte em si, mas seus processos, construções e contexto.

Em tempos frágeis do saber, a Sociologia da Arte leva o jornalista cultural a pensar sobre o que, de fato, é considerado arte. O capital cultural e o domínio do código são importantes nesta construção? Os artistas nascem prontos ou é uma convenção? Estas e outras perguntas devem ser feitas por quem trabalha diretamente nesta área complexa e abrangente. Desta maneira, o jornalista conseguirá compreender melhor como as construções culturais estão inseridas na sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre. Modos de Produção e de Percepção Artísticas. In:_____ A
economia das trocas simbólicas. Paris: Editora Perspectiva, 2005. p.269–294.

HEINICH, Nathalie. A sociologia da arte, São Paulo: EDUSC, 2008.

ZOLBERG, Vera L. Os artistas nascem prontos? In:_____ Para uma sociologia das artes. Brasil: Editora SENAC-SP, 2006. p. 167–204.

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