A familiaridade da Fiesta del Pilar

Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro
Published in
5 min readOct 25, 2019
A bandeira da província de Aragón no dia da Fiesta del Pilar.

Duas semanas é pouco tempo, menos de dez dias, coisas óbvias que variam muito com a relatividade do tempo. Sendo a primeira vez que escrevo fora do país que eu nasci, me questiono muito sobre a força da familiaridade das terras que por agora moro. Por hoje quero contar a história do segundo final de semana que passei na Espanha.

Não me custa também oferecer um pouco de contexto, porém como não quero desviar muito da história, basta dizer que vim para este país para morar na capital Madrid, mas por coincidências e por surpresas acabei passando os dois primeiros finais de semana na capital aragonesa Zaragoza, e na pequena cidade de Cariñena, na região.

As surpresas foram tamanhas já na recepção que tive, por ter sido recebido com braços mais do que abertos por familiares de sangue que tinha visto apenas uma vez na vida, há mais de dez anos. Se existe um teste para laços familiares, foi possivelmente o maior sucesso já visto.

Tudo foi novo e familiar ao mesmo tempo, praticamente me forçando a ressignificar mais uma vez minha definição de mim mesmo, de Nativo Estrangeiro para o contrário talvez. Não soou necessário para mim ou para ninguém discutir de onde eu vinha, mas onde eu estava.

Diretamente do aeroporto de Madrid em um carro fomos para as terras onde meus avós nasceram, com as familiaridades apenas crescendo quando o carro cruzou a placa que dizia que entrávamos em Aragón. Foi nesta hora que meu primo me avisou, que se alguém perguntasse, era para eu dizer que era desta terra que agora estávamos. Mal ele sabia que em muitos contextos já dizia isso, quando me perguntavam de onde vinha o meu jeito de ser.

Claro que quando eu dizia isso no Brasil, falava sobre uma construção que tinha em minha mente, que provinha da família que me criou com esse jeito um pouco estrangeiro ao Brasil. Mas os testes que me apareciam nesta viagem me mostravam que iria viver ainda mais familiaridades do que imaginava enquanto estava no avião a cruzar o Atlântico.

Depois do primeiro final de semana naquelas terras, voltei à capital espanhola para arrumar o que precisava na cidade onde estaria neste próximo ano. Chegando o próximo final de semana, já tinha um local para ficar em Madrid, por isso ia voltar a Aragón, para buscar as malas que tinha deixado com a família.

Eu sei que tinha prometido uma introdução curta, então peço perdão, mas é aqui que começa a história que eu queria contar. Neste segundo final de semana uma coincidência tremenda me acompanhou na nova viagem a Zaragoza, eu não me lembrava, mas era o final de semana da Fiesta del Pilar.

Assim como no Brasil se comemora o dia de Nossa Senhora de Aparecida no 12 de outubro, a Espanha comemora o dia da Virgen del Pilar, a padroeira de Aragón. Só que as festividades vão muito além do ritual religioso, a cidade de Zaragoza se torna palco de uma comemoração da cultura espanhola.

Sem esperar eu acabei mergulhado neste final de semana tão especial para aquela cidade. Logo na manhã do dia 12 saímos para a Plaza del Pilar, onde aconteceria a oferenda de flores para a Virgen. A oferenda acontece com as pessoas vestidas em trajes tradicionais da região, e das outras regiões da Espanha e do mundo, todas juntas para prestar as homenagens.

Já no Tranvía (uma espécie de trem/bonde da cidade) pude ver muita gente vestida a caráter, os Baturros, como se chamavam os camponeses aragoneses. A fila de pessoas que esperavam para levar as suas flores para o Pilar era enorme, em especial chocante para mim, por Zaragoza ser uma cidade que não chega a ter um milhão de habitantes, o que é considerado muito pouco para alguém que nasceu em São Paulo.

A oferenda de flores para a Virgen.

De tanto que eu já via visto e ouvido histórias da região, ver a Basílica del Pilar me pareceu algo muito familiar, embora grandioso pelo tamanho da igreja e da festa que acontecia. Com um estilo bem espanhol, que mistura unicamente o europeu com o árabe, a Basílica se iluminava com o sol de um dia quente enquanto as pessoas deixavam suas homenagens.

Depois que minha família deixou suas flores, fomos comer os tradicionais churros por ali, a cada passo que dávamos eu era apresentado a mais pessoas. No final do dia já parecia que eu conhecia Zaragoza como alguém que realmente podia ser nativo daquela região.

A oferenda dos asturianos.

No dia seguinte ainda fomos para as oferendas de frutas, onde muitos alimentos eram abençoados pela Virgen e doados para caridade, sempre com a cultura aparecendo entre as músicas e danças que as pessoas traziam para Zaragoza, de todas as partes deste pequeno e tão diverso país.

Rosario de Cristal.

A noite fechamos as festividades assistindo ao belíssimo Rosario de Cristal, onde fiéis carregam faróis com imagens católicas pelas ruas do centro da cidade. Como encerramento o Rio Ebro recebe um show de fogos de artifício, quase como a capital aragonesa agradecendo a presença de todos que vieram a visitar.

O final de semana do Pilar foi rápido, mas durou como se representasse todo o tempo perdido em que eu não conhecia tão bem ainda esta família que tenho na Espanha. Voltei para Madrid com a Medida de Nuestra Señora del Pilar e a certeza que Zaragoza seria um destino comum e familiar para mim nos anos que virão.

Eu esperava me adaptar bem na Espanha, mas me surpreendi com a velocidade com toda certeza. Eu ainda não sei se sou nativo ou estrangeiro, em nenhum lugar na realidade, mas não me falta agora um endereço de uma família maravilhosa em Zaragoza e em Cariñena.

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Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan