A felicidade dos loucos que derrubam as portas

Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro
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3 min readDec 21, 2018

Levantar as taças. Um sinal de referência, respeito e honra. Um sinal de lembrança.

Lembrança daqueles que quando passaram por aqui deixaram uma marca que ficou mesmo depois que partiram. Lembrança daqueles que por pensarem diferente deixaram a abertura pra um novo caminho. Um caminho que eles não vão trilhar, sua função foi apenas abrir a porta.

Por isso são heróis, pela honra que lhes é oferecida pelos que ficaram. Só que eles não abriram as portas somente para quem precisava, já parou pra pensar que eles também queriam entrar?

O altruísmo tem o limite da sanidade. O choro pelo próximo se interrompe quando se chora pela própria existência. Isso é bem mais complicado em almas que não se acreditam especiais, pois elas são incapazes de buscar janelas que podem sozinhas pular, deixando os iguais ardendo do lado de fora.

Não nos esqueçamos da vergonha, da falta de confiança no valor. E se a maioria dos heróis tivesse na verdade muito medo? E se o motivo deles terem aberto as portas fosse porque com elas fechadas, eles sentiam que eram um erro neste mundo?

Mas hoje têm as taças levantadas, do vinho que nunca vão tomar…

Isso compensa tudo, para os que ficaram, não para quem partiu.

Quem partiu não viu as bandeiras em meio mastro, não ouviu os trompetes fúnebres, não sentiu a compaixão dos que velam o corpo abandonado. As homenagens para os que partem na verdade servem para acalmar os corações dos que ficam.

E o usufruto da porta aberta também.

Por mais que eles amavam o próximo, eles também queriam ser felizes, seguir um caminho, enxergar um mundo onde o tempo da normalidade podia voltar. No pico da insanidade são os loucos que pregam para que tomemos cuidado com a nossa lógica.

Loucos são seres complicados, eles não vivem bem dentro das gaiolas da felicidade pasteurizada. Almas malditas que não sabem enxergar felicidade nas coisas pequenas, porque tem cabeças que não conseguem não ver aquilo que incomoda os seus estômagos.

Por isso quebram as portas com o custo da própria vida, mais vezes do que qualquer definição de civilidade poderia aceitar.

Não há mais o que fazer depois que eles vão. Mas levantemos as taças, por nós mesmo, por sabermos que precisamos destes loucos que dão chão para a nossa ilusão de grandeza.

As honrarias se cabem em todo e qualquer ritual, beber o vinho pelos que partiram é um último ato de empatia àqueles que queriam ter a chance de participar, mas por coragem ou cansaço demais, não puderam.

Mas toda honraria se apaga se fecharmos as portas que eles morreram para abrir.

Os filhos e netos de uma vítima da insanidade do mundo devem no mínimo impedir que se apague as histórias daqueles que foram loucos demais para ficarem calados. Esperemos que na nossa geração não exista a necessidade de tanta loucura.

A felicidade deve nascer por lembrarmos daqueles que só puderam sofrer…

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Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan