A morte ou outra chance?

Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro
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3 min readMar 20, 2019

É interessante observar como um conceito muito básico de velhos games se perdeu para a nova geração de jovens. Falo do velho continue, no qual o jogador era obrigado a passar, uma vez que perdia todas as suas vidas no jogo. A metáfora sempre foi muito simples, as vidas eram as chances que você tinha ainda de vencer naquele cenário, se esgotassem as suas chances, precisava começar o cenário de novo para tentar mais uma vez.

É simples e profundamente de acordo com a realidade dos primeiros jogadores, que faziam parte da geração que era jovem nos anos oitenta e noventa, normalmente herdeiros da geração de ouro dos boomers dos anos sessenta. Eles foram os primeiros herdeiros de pais que haviam atingido alguma prosperidade já, mas ainda assombrados pelos fantasmas da possibilidade de perder tudo.

Por isso, fazia parte de cultura de criar essas crianças ensiná-las que, possivelmente você terá que começar de novo, mas tudo bem, isso não é um motivo para desistir. Hoje observando os games mais consumidos do momento, noto que algumas coisas mudaram, além do fato de que a narrativa em forma de histórias foi abandonada completamente.

Os jogos passaram a operar na premissa de uma sucessão acumulativa de prêmios, ou seja, o objetivo não era mais chegar a algum destino ou realizar alguma ação, mas acumular cada vez mais os prêmios e vencer os competidores nesta briga. Os conflitos diretos foram cada vez mais suprimidos, substituídos por esta forma paralela de competir, onde depois de algum tempo vemos quem quebrou mais docinhos, o mais rápido possível.

Algumas explicações para este fenômeno me ocorrem, uma delas é que as pessoas passaram a dispor de menos tempo para pensar durante suas atividades recreativas, e por isso os games tiveram que ser simplificados. Isso é triste, mas bem possível. A segunda explicação, no entanto, me perturba um pouco mais ao pensar.

Simplesmente esta nova geração não sabe mais lidar com a adversidade, não aguentaria lidar com o fato de começar de novo, iria preferir desligar o jogo. Isso porque a nova geração, especialmente entre as pessoas socialmente privilegiadas, acredita-se destinada a apenas ser feliz, e não entende que a frustração faz parte da vida.

Por isso estas pessoas não conseguem entender os discursos identitários de grupos minorizados, porque não entendem que a adversidade existe e muita gente não tem escolha a não ser lidar e sofrer as consequências dela. Por isso também que estas pessoas não conseguem aceitar pessoas tristes como pessoas normais, que absurdo você não estar feliz a todo tempo.

Essas pessoas evoluem para perder totalmente o controle a cada frustração, porque não foram preparadas para elas. Falar isso não é justificar seus atos, afinal culpar bullying como um catalisador que leva uma criança a fazer um massacre numa escola, seria ignorar o fato de que os grupos que mais sofrem na nossa sociedade, nunca são os responsáveis por estes ataques.

As responsabilidades sobre estas crianças, que hoje já se tornaram adultos, já são delas, e não há mais nada a se fazer sobre isso. Mas a reflexão que falta ser feita é: que papel tem os pais destas crianças? Que não souberam explicar para elas que o mundo não é tão perfeito assim.

A maior urgência a ser resolvida que temos em educação de crianças, especialmente as privilegios, é que ninguém é especial e elas devem aprender a perder também.

Afinal que absurdo está tornando o nosso mundo onde recomeçar se tornou impossível, desculpas se tornaram sinal de fraqueza e os objetivos nunca foram tão capitalistas, acumulativos e irresponsáveis.

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Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan