Entre atrasos aparecem as partes boas do passado
Sabe aquele quebra-gelo de inverno paulistano, que tanta gente fala com todos os motoristas de Uber? Eu mesmo uso muito: a história de que agosto é um mês sem fim, que dura vários anos. Neste ano, sinto que o mês foi bastante longo também, mas o mês que marca uma interminável fase está sendo setembro.
Foi no começo de setembro que começa esta pequena história que eu vou contar, quando as redes sociais decidiram finalmente me trazer uma boa notícia, que me animara. Não sei como anda as redes da maioria, mas pelo menos pelo que leio por aí, não está bom para ninguém a experiência.
A notícia foi de um retorno, uma chance de rever uma banda muito querida, que marcou profundamente uma época tão simples da minha vida. Aquela época um pouco antes de me tornar adulto de verdade e da vida se tornar essa vigília que me divide entre os malefícios que as pessoas fazem por aí, e os malefícios que sinto que fiz, que me atormentam na nova moda de estar eternamente carregando culpas.
Eu me lembro que imediatamente contei para a minha esposa que haveria um show de comemoração de dez anos do lançamento do álbum Punkanova, dos Brothers of Brazil. Para os que não conhecem, é a banda dos irmãos Supla e João Suplicy. Estes dois formam a definição de um grupo que a maioria não espera muito, mas que quando se conhece as músicas que fazem juntos, se percebe o fantástico da música.
Me tornei um fã bastante assíduo quando estavam na ativa, que pelo menos para mim foi em torno de 2011 até 2014, talvez início de 2015. Poderia até tentar buscar datas mais específicas para ilustrar a história, mas não creio que seja o ponto interessante a se contar.
Os ingressos para este show histórico, que eu já antecipava que me traria tantas lembranças gostosas, iriam passar a ser vendidos uma semana depois que eu recebi a notícia. Estava mais do que preparado para comprar os ingressos, afinal era a notícia que estava fazendo valer o meu mês inteiro.
Só que alguns dias depois me chegou outra notícia, maior e surpreendente, que me tirou o chão e me mostrou que minha vida tomaria um caminho completamente diferente, em um tempo tão curto. Possivelmente em outro momento contarei sobre a segunda notícia aqui, mas por enquanto voltemos aos Brothers.
Em meio a tanta felicidade e correria para resolver as mudanças que se construíam, notei algo, eu não estaria em São Paulo no final de semana das apresentações. Seria obrigado a perder os shows que dias antes se tornaram o motivo de sorrisos tão largos quanto o tempo em que não apareciam no meu rosto.
Bastante decepcionado, aceitei, não haveria como resolver, era uma grande pena…
Chegou então o dia em que a venda de ingressos iria começar, e como não poderia ir, não comprei os ingressos. Três dias depois, a dupla resolveu lançar um single de uma música inédita, cinco anos depois do último lançamento que haviam feito. Fiquei feliz de novo, pelo menos teria o presente de uma nova música para ouvir.
Imagined Crimes. Este é o título da triste balada, com tons de bossa nova e rock clássico, que não é só a assinatura, como um blend inventado pelos Brothers, algo que não se encontra em nenhum lugar, além de em suas canções. Afinal assim são eles, músicos que criaram algo que não se parece, nem remotamente, com nada que já exista. Era por isso inclusive que eu havia me apaixonado por aquele estilo.
Muito feliz com a chance de ouvir novamente este pedaço de um tempo mais simples da minha vida, percebi que a letra da nova música também poderia se encaixar tão bem com o momento complicado que eu estava vivendo, que parece que eu sempre volto a viver.
You must forgive yours imagined crimes
that persecute you, torment you mindVocê deve perdoar os seus crimes imaginários
que te perseguem, atormentam sua mente
(tradução livre)
Os próximos quinze dias se mostraram longos como anos, estava tudo pronto e as mudanças chegariam, eu não estaria aqui mesmo para os shows.
Só que veio um pouco de atraso, causando ansiedade.
E mais um pouco…
A ansiedade só crescia. Então veio a confirmação, não se preocupe com os atrasos, você pode chegar um pouco mais tarde, nada muda que você virá. Percebi então que os atrasos me trouxeram na sexta-feira antes do show dos Brothers.
Com toda sorte que pude contar, liguei para a minha esposa e pedi que ela olhasse se ainda havia ingressos físicos no guichê, porque na internet tudo estava esgotado. Era como se o analógico tivesse que reinar para fazer com que a minha presença naquele teatro fosse possível.
Conseguimos os ingressos.
Eu fui ao show como uma criança. Tinha achado a camiseta deles que eu mais gostava e resolvi levar só a felicidade de estar vivendo aquele momento. Não me aguentava de felicidade também pela minha esposa ter a chance de ver um show deles, que ela ainda não tinha tido a oportunidade.
Com o nome de Bons Momentos, os Brothers fizeram um digníssimo concerto que me trouxe toda a alegria de lembrar todas as letras e batidas. Era um pedaço de mim que não existia já há tantos anos. Um pedaço de mim que acreditava que podia fazer as coisas com mais simplicidade, e ter menos medo de sorrisos, de falar e de viver.
Foram noventa minutos que pareceram alguns dias. No final ainda tive a chance de cumprimentar os dois e tirar uma foto incrível com esta dupla junta. Voltei para casa junto da minha esposa, com mais um verso da música nova deles ecoando em minha cabeça.
Raise up your smile now
and let it shine
Mostre o seu sorriso agora
e o deixe brilhar
(tradução livre)
Eu vejo que alguns atrasos do destino me disseram que eu não poderia não assistir este show, e ainda bem que eu vi. Assim posso agradecer aos Brothers, por me darem esta calma que eu precisava para olhar para o novo caminho que vou trilhar, guardando com carinho o que fica.
