O retorno do funeral e dos quadros em branco

Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro
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3 min readMay 10, 2019

Metáforas são as formas pelas quais a razão tenta explicar aquilo que não sabemos definir, mas sentimos na nossa pele. Não haveria arte se não precisássemos destes recursos para lidar com o mundo, afinal, a arte é a expressão das nossas metáforas pessoais. Pode ser presunçoso de minha parte, mas eu acredito que a necessidade de ser artista vem do fato de que a cabeça de algumas pessoas não sabe deixar de lado as obsessões.

Mais especificamente, obsessões por explicar o inexplicável. E não falo aqui dos inexplicáveis que nascem da falta de conhecimento, mas dos inexplicáveis que nascem das faltas de parâmetros. A filosofia é a cura da doença que ela mesmo causa, é a razão e a consequência do existencialismo daqueles que a criaram. Para mim é a metáfora que define a vida humana, tão sofisticada que acabou por inventar a ciência.

Pois esta necessidade de entender a existência é uma necessidade de entender a realidade, de entender o que nosso corpo traduz do mundo. As traduções afinal, são sempre adaptações do original, talvez por isso o mundo seja um pouquinho diferente na cabeça de cada um.

E a beleza de produzir tantos quadros, cartas, partituras e resquícios dos metabolismos que definem a nossa vida neste planeta, é a mesma que faz com que eventualmente as metáforas se percam no vazio da falta de resposta. Para mim esta falta é a manifestação da minha mais pura melancolia. Não sou depressivo pelo mundo ser como é, mas pelas vezes em que ele deixa de ser e se torna o vazio da não existência.

Aceitar esta realidade é entender que ao menos eventualmente as teorias se esgotam, e os quadros cheios de equações se reduzem a um impasse final. Neste momento, é natural que o nosso cérebro passe o apagador por tudo, e enquanto as novas contas não começam a se formar, o vazio é tudo que temos para lidar.

E nestes dias, haveremos de lidar com a falta de respostas, dentro da estrutura que criamos justamente para nos dar soluções. Assim eu sei que por mais tempo que eu passe cuidando daquele lindo projeto, um dia ele vai acabar, seja pelo impasse da sua existência, ou da minha.

Estes dias senti novamente este funeral no meu cérebro, assim como tão lindamente construiu Emily Dickinson:

Tradução livre de Myriam Campello
Through the Window — Chris Cornell: uma descrição do sofrimento em uma música sublime.
Flower Lady — Phil Ochs: um retrato da indiferença e apatia de uma sociedade doente.

O poema de Dickinson se mistura aos versos de Chris Cornell e aos lamentos de Phil Ochs. Afinal como não me identificar com tantos enormes poetas que deixaram as suas interpretações destes vazios? Singelamente deixo a minha sempre que posso, e este não é nem de perto o meu primeiro relato sobre esta condição que tanto me assusta, mas me fascina.

A compreensão dos dias tristes me ensina cada vez mais a saber lidar com os felizes. A felicidade pode ser tão assustadora quanto a tristeza, pois já diz Andrew Solomon, o oposto da depressão não é felicidade, mas vitalidade. A força do respiro é tudo que é preciso para a abertura à próxima felicidade, e à próxima tristeza.

Estamos neste mundo para preencher quadros em branco.

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Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan