O sopro no castelo de cartas

Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro
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3 min readMar 22, 2019

Qual deve ser o comportamento daqueles que são diferentes? Esta pergunta existe para tentar entender alguns padrões de reação comuns a inteiras populações, quando encontram os que são chamados de estranhos. A rejeição que naturalmente floresce, em especial em pessoas com medo, nasce justamente de um costume humano, quase que natural da espécie.

A origem de todos os ódios, é o ódio ao questionamento. Este questionamento é aquele que não chega para aceitar tudo, mas acaba movendo as peças do jogo de um jeito minimamente diferente, trazendo um novo ar de imprevisibilidade para a situação. Essa chacoalhada na monotonia é o maior temor para muitas pessoas deste mundo.

Isso acontece porque elas temem que os pilares de sua vida não sejam assim tão firmes. Afinal, todo confronto com a visão de uma vida diferente sendo levada por um estranho, sem nenhuma consequência para ele por ter optado por não seguir o modelo, no fundo destrói a esperança que guardamos na nossa cabeça de que não vale o esforço, as coisas são como são.

O que mais incomoda é essa lembrança forçada de que o mundo é muito maior do que a fé provinciana. Estas coisas falam mais do que qualquer diferença de visual que incomode, o problema é a fragilidade de culturas, que temem que ao se misturarem num sincretismo, perderiam sua suposta pureza. Afinal para muitos, alguns velhos costumes são tudo que resta para que a pessoa ainda acredite que tem sim alguma função no mundo.

Emily Mortimer interpretando a protagonista Florence Green, recebendo as caixas de livros que sonhava vender em uma pequena cidade inglesa, no filme The Bookshop. Foto de divulgação do Press Kit.

O filme The Bookshop, dirigido por Isabel Coixet, demonstra como o real problema por trás de um imigrante ou visitante, não é sua presença, mas suas supostas intenções. Afinal, com novas ideias, um velho lugar não terá como se manter o mesmo. Qualquer presença de uma cabeça pensante em um ritmo diferente, obriga todas as outras mentes a mudarem a sua frequência, para lidar com essa nova linha que nasce.

Trailer do filme The Bookshop, que retrata a chegada de uma estranha em um mundo provinciano demais

Essa mudança repentina faz com que os atos mais simples sejam vistos como ofensas, afinal aquele que por tanto tempo viveu preso a regulamentos tão rígidos, odeia os que tem coragem de falar coisas fora dos costumes. O grande remédio para este tipo de ódio de grupo costumava ser o chamado pensamento moderno, falo aqui de moderno no senso de surgido da Era Moderna.

Afinal foi neste momento da história que a humanidade havia decidido pelos valores universais da liberdade e respeito a todas as visões. Certo que tais valores nunca foram colocados em voga completamente, porém os impeditivos foram políticos, não um demérito dos ideais.

Mas hoje vivemos um sentimento antimoderno, acompanhado de uma rejeição singular a tudo que possa ser crítico ou intelectual. As pessoas resolveram agarrar-se a alguns valores tradicionais, que na verdade não passam de mitos de um passado brilhante que nunca existiu, ao menos não com a glória que as pessoas falam dele.

Esta onda que toma conta da cabeça das pessoas é o resultado final do excesso de saídas ao estilo: para que mudar algo que está funcionando. A conformidade é a grande mestra dessa defesa do velho mundo como saída para todos os problemas atuais, como se um retorno às cavernas fosse mais confortável que enfrentar as situações urgentes de um futuro que bate à porta.

E esta lógica sempre será popular, afinal pensar é sempre algo muito doloroso, ainda mais quando somos obrigados a lidar com dissonâncias, que sempre nos obrigam a mudar de opinião. A nova onda de egocentrismo das pessoas assume que atualmente aquele que muda de opinião é o fraco, quando na verdade é o mais nobre de todos.

O ato de coragem está em estar aberto às diferenças e ao futuro, essa lição serve principalmente para os novos narcisos que crescem neste mundo, cada vez mais ansiosos para deixar as suas marcas. Teremos que entender, o mais cedo possível, que enquanto não estivermos dispostos à vulnerabilidade de receber as dissidências, não mudaremos também a cabeça de ninguém que estamos tentando convencer.

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Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan