Os sonhos da costa oeste
Uma das partes mais difíceis de ter acesso a um novo computador, é escolher um novo papel de parede para a sua Área de Trabalho. No meu computador pessoal eu sempre deixei uma sucessão de fotos de shows que eu mesmo tirei, como um lento slideshow de rock concerts. Já em âmbitos profissionais, sempre acreditei que uma única foto era algo mais adequado.
No iMac que deixei para trás, deixei uma velha Kombi branca e vermelha, carregando uma prancha de surfe em uma estrada costeira que parecia muito a Pacific Coast Highway, a velha rota californiana que une a cidade de San Francisco com a cidade dos anjos. Acredito inclusive que quando escolhi essa foto tinha apreciado cada um de seus fatores: o surfe, a Kombi, o branco e vermelho, a praia e a estrada que me lembrou muito de quando estive nas espanholas, mexicanas e americanas terras californianas.
Agora eu precisava de uma nova foto e a única coisa que vinha na minha cabeça eram as luzes de uma roda gigante. Mas é claro que não era qualquer roda gigante, eu estava lembrando da roda gigante colorida na linda noite em que vi aquelas luzes brilhando pela primeira vez, no píer de Santa Monica.
Porque tudo isso estava na minha cabeça? Por saudades do tempo que passei naquela cidade? Pode ser, mas acredito ser mais uma saudade da vida que se leva em uma cidade como Los Angeles. Estou idealizando? Com certeza! Quem nunca fez isso, por favor pega a senha para aprender, às vezes é interessante.
Mesmo? Idealizar não te obriga a aceitar fracassos? Talvez, mas te obriga mais ainda a aceitar que você não aguenta ficar abrindo mão de todos os sucessos que deseja. Isso quer dizer fama e dinheiro? Depende, se esta for a sua visão de sucesso, no entanto terei um tanto de pena de você.
Agora vai falar que Los Angeles não é uma cidade de fama, dinheiro e sucesso? Vou sim, porque embora saiba que ela é, não é para mim. E a única coisa que importa às vezes é como algo soa no nosso próprio coração. Para mim as luzes daquele píer refletiam uma felicidade de pertencimento, para mim Los Angeles é uma cidade de arte, música, diversidade, liberdade e mistura.
Talvez porque no pouco tempo que estive por lá, sentia que era um lugar aonde existia espaço para alguém ser um escritor, se quisesse, ou um instrumentista, ou um poeta, ou só mais um maluco de camisa de flanelas, moicano no cabelo, ou até uma simples sock bem localizada.
A cidade foi uma catalisadora de uma visão para mim, a visão idealizadora que nos traz aquilo que queremos ser. Será que sempre acertamos no que queremos? Provavelmente não, mas muitas vezes. Sempre conseguimos? Também não, mas nem sempre desistir é uma opção. Mas vamos sofrer muito quando for ficando difícil? Com certeza, aliás, a vida é uma merda de uma sucessão de sofrimentos.
Justamente por isso que idealizar as cidades nas quais queremos ser o que nascemos pra ser faz um leve bem aos nossos corações e cérebros, nesta ordem. Porque tem muita gente que até consegue não precisar de tantos malabarismos para ser feliz, são sortudas demais essas pessoas! Seria lindo se a única coisa que eu precisasse para ser feliz fosse uma comida especial, uma xícara de café, ou uma vida financeiramente confortável.
Mas não, maldito eu, esse desgraçado que precisa escrever, precisa de música, precisa ler óperas, falar sobre loucuras, ter uma audiência de gente maluca que gosta de ouvir seus discursos. Se esse é o meu ser idealizado, algo dele eu preciso trazer a vida, senão no espelho não verei mais nada, nem mesmo os anjos do píer.
É por isso eu escrevo, escrevo para quem quer me ler e para a minha cabeça gostar um pouco mais de mim. E sabe qual é a parte mais legal de tudo isso, é descobrir que não estamos tão sozinhos assim, talvez seja por isso que eu leio tanto.