Salvo e morto por stats e periodicidade

Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro
Published in
5 min readJun 21, 2019

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O momento em que deixei de abrir estes e-mails.

Foi no dia 27 de abril do ano passado que escrevi o meu primeiro texto aqui para o Medium. Na época eu estava gostando cada vez mais de escrever e havia tempos queria a chance de ter um local onde poderia escrever sobre coisas que acreditava poder trazer uma pequena contribuição. Eu era o que muitos são por tantos anos, eu era aquela pessoa que queria muito ter um blog, mas nunca havia conseguido fazer um que realmente funcionasse.

Em uma conversa despretensiosa sobre o que eu fazia de projetos pessoais, um amigo então me disse algo como: para você ser escritor, você precisa escrever, acho que o que você precisa é de uma periodicidade. Este momento foi um daqueles que as pessoas chamam de click. Eu precisava criar uma obrigação para escrever, assim conseguiria construir essa estrutura que eu queria.

Obsessivo como eu sou, criei um modelo em que postaria sempre em um dia específico da semana, em um horário específico. Com isso eu acabei por me forçar a escrever sempre um pouco antes deste dia, na maioria das vezes na noite anterior, para que eu não traísse a promessa que fiz a mim mesmo.

Incrivelmente, funcionou perfeitamente! Mesmo com o meu grande medo de produzir as coisas desta maneira que deixa pouco tempo de aperfeiçoar os conteúdos. Foi aí que eu descobri um segredo que me serviu bem para o que hoje eu acredito que faço com certa qualidade, o excesso de entraves de revisões paralisa qualquer pessoa que quer produzir algo.

Voltarei a este ponto um pouco mais para frente na história, acho mais interessante que eu possa terminar o trajeto antes de comentar sobre a importância da frase acima. Com o passar do tempo fui me aventurando a produzir modelos diferentes de conteúdo, que deixaram de ser somente blogs e crônicas pessoais, para algumas peças de ficção e alguns pequenos relatos jornalísticos, já que sim sou um jornalista formado e tenho muito apreço pela profissão, mesmo que me falte uma chance de trabalhar na área.

Na virada do ano para 2019, decidi que já era capaz de expandir um pouco o que eu fazia aqui nesta plataforma, então passei a me colocar a obrigação de publicar duas vezes por semana. Neste momento também aprendi a lidar com o sistema de publications do Medium. Então nasceram os três nomes que hoje acompanham tudo que eu escrevo nesta árvore que continuo a regar. Nativo Estrangeiro (blogs e crônicas), Mel de Vespas (ficção) e Soixantaine (jornalismo).

Em algum ponto deste ano descobri também a ferramenta de letters que o Medium oferece, me permitindo o envio de newsletters para aqueles que quiseram me seguir. Não vou mentir que essa descoberta nasceu de quando eu finalmente observei um número de leituras que começava a crescer e com isso me animava a oferecer ainda mais para aqueles que estavam vindo e respondendo a este conteúdo.

Com toda esta volta chegamos aos pontos que me parecessem mais interessantes de se discutir em tudo isso, além da minha história pessoal. Neste ponto eu tinha atingido um mínimo de sucesso em duas métricas que, falemos a verdade, ditam tudo que é feito pela internet. Views e periodicidade.

A caráter de honestidade, tenho que também contar que meus números baixaram bastante desde então, tendo talvez os menores números de leitores desde que comecei esta pequena empreitada. Então tudo isso foi um grande fracasso? Veremos, pois era justamente aqui que eu queria chegar para poder discutir um pouco a fundo o conceito de sucesso nas plataformas digitais.

Páginas de stats: uma fábrica de burnout

Temos aí um subtítulo chamativo para garantir que o robô diga para as pessoas que este conteúdo vale a pena ainda de ser lido. Não falo isso como uma bandeira anti-algoritmo que muito flamula em alguns cantos da internet, embora não vá ser eu que vou defender este sistema também.

O fato a se discutir é, qual é o modelo de negócios de consumo que pauta hoje o que funciona ou não na internet? E como ele afeta a cabeça daqueles que tentam produzir um conteúdo que tem algo raro, chamado significado? A internet como plataforma para abrigar todo o qualquer conteúdo que as pessoas possam querer produzir não morreu, mas ela se monetizou bastante, e isto trouxe algumas mudanças para a forma como as pessoas se comportam pelas redes.

Porque o que importa deixou de ser o que se produz, mas como atingir aqueles números que alimentam o ego do narciso. Há quem pense que só pessoas egocêntricas se afetam por esta condição, mas não, é uma condição humana se afetar por algo que supostamente mede o seu sucesso. É justamente por isso que estas páginas de acompanhamento de métricas se transformam na ansiedade constante para os que buscam oferecer algo para suas audiências.

O robô não pensa como um curador, mas como um vendedor. Ele regula a vida das pessoas com o mesmo tipo de ficção que acredita que o mercado auto regulável é uma panaceia política. Falar isso não é um clamor pelo fim dos sistemas de direcionamento de conteúdo destas redes, mas um alerta para modificações necessárias que precisam ser tomadas para que o modelo não imploda.

Afinal, mesmo que saibamos que temos muitos robôs em várias funções no mundo digital, inclusive produzindo conteúdo atualmente, o que faz com que a audiência retorne é a qualidade e a identificação com o que está passando pelas redes, e temo que este modelo caminha para que a audiência venha a dizer: isto ficou uma porcaria, vou fazer outra coisa.

Não existe circo sem palhaços e trapezistas, não existe MMA sem lutadores, estes exemplos mostram que se o modelo não protege aqueles que realmente oferecem o cerne do conteúdo, o dia em que o público chegará para ver o palco vazio, e assim devolver os seus ingressos, chegará.

O burnout é um claro sinal de que seres humanos não são compatíveis com os modelos atuais. E por mais que não acreditem, os que cuidam destes modelos devem saber que dependem de humanos não somente para alimentá-los, como para consumir aquilo que eles produzem.

A periodicidade me ajudou a começar, mas a libertação que tive em relação a ela algumas semanas atrás, me ajudou a continuar. Hoje escrevo e continuarei escrevendo com a máxima produtividade que consigo, porém porque eu quero, não porque sou obrigado. A qualidade do conteúdo e a vontade de fazer são maiores do que a necessidade de atrair as pessoas, por isso também bani as minhas visitas às páginas de stats e abdiquei completamente os esforços de utilizar das redes sociais como uma forma de ser o louco que grita na feira: pelo amor de Deus olhem aqui o que eu tenho para oferecer!

O conteúdo que hoje posso fazer e levar a pessoas específicas, com conversas que mantenho com amigos várias vezes por semana simplesmente por levar aquele pequeno trabalhinho para eles, com o convite genuíno que eles possam apreciar, acabou por reviver a minha capacidade de produzir. Não sei se é uma solução plausível para todos, mas ainda espero por ver um único produtor de conteúdo que faz um uso saudável do modelo atual.

As mudanças virão, como sempre vêm, resta àqueles que produzem estarem fortes acreditando no que fazem, além dos modelos vigentes. Porque esta constante masturbação do ego em algum momento se esvai, e se a vida real não existir mais, como um motivo para produzir, o conteúdo morrerá, junto com toda a vontade de continuar produzindo.

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Daniel Muñoz
Nativo Estrangeiro

Um dia jornalista, hoje historiador. Escrevo só sobre o que quero e quando acho que tenho algo a dizer. Para mim é importante a diferença entre Ochs e Dylan