Missões 4.0 — Atualizando a Missiologia para o século 21

Harold Schultz Neto
Neemias.org
Published in
8 min readFeb 15, 2023

Recentemente eu fui convidado para participar de um painel sobre Fé & Trabalho no evento Multiplique da CBB.

Durante o painel eu fiz uma provocação para o público de líderes sêniores das igrejas batistas de todo o Brasil com a imagem abaixo:

Qual imagem melhor representa um campo missionário?

Prédio do Google na Faria Lima (SP) x Sertão Nordestino

A maioria esmagadora apontou para a casinha no sertão do nordeste. Confirmou exatamente o que eu imaginava, que precisamos atualizar nossa forma de entender missões.

Minha resposta foi a mesma que trago para você:

- não é porque de um lado faltam recursos sociais e do outro sobram, que em ambos não faltem recursos espirituais.

E é aí que o cenário sobre missões precisa ser repensado.

Então, segue alguns princípios que eu acredito que podem nos ajudar a atualizar nossa forma de pensar, uma verdadeira Metanoia Missiológica.

1. Os Confins da Terra…já foram delimitados

Nullabor Cliffs, Finalzin da Australia (Seria este o confim da Terra?)

Precisamos contextualizar este conceito e trazer para nossa realidade obviamente. Apesar de que já tínhamos populações na maior parte do globo terrestre na época que Jesus profetizou isso, o Mundo podemos considerar que era pouco conhecido.

Roma era o primeiro grande império de proporções globais, e ainda assim não chegou nem perto da America, só colonizou o norte da Africa e realizou negociações com a Ásia. Mais de 1000 anos após a Igreja Primitiva apareceria Marco Polo e suas viagens para a China.

O máximo que o Imperio Romano alcançou

Pois é, o Mundo mudou muito! Temos uma economia globalizada, mapas globais ao alcance de 1 clique e cada centímetro da terra já foi escaneado por satélites sobrevoando nossas cabeças lá do espaço. Por si só este item já deveria ser o suficiente para atualizarmos nossa perspectiva, a mudança comportamental é enorme.

O empresário da tecnologia e Investidor-anjo do Facebook Peter Thiel comenta este efeito no seu livro “De Zero a Um”, trazendo uma perspectiva de que as gerações atuais têm diminuído suas ambições e espíritos aventureiros devido ao fato que já exploramos o mundo todo. Ele ainda propõe que esta é uma das razões pelo crescimento das empresas Digitais, um novo mundo a ser explorado.

De forma alguma isso diminui a necessidade que ainda temos de alcançar todos os povos, porém muda o caráter deste alcance.

Percebo que ainda temos aquela visão da Colonização Exploratória das grandes embarcações, como se precisássemos enviar Jesuítas com espelhos para atrair populações menos avançadas tecnologicamente. Sério, a YouVersion tem tradução em mais de 1000 línguas e dialetos, o que muda a vida das pessoas impactadas pelo evangelho é o amor de Jesus, não nossas diferenças culturais.

2. As Novas Tribos…não estão mais limitadas por geografia

Mapa da distribuição da Tribo Han na China

No passado tínhamos uma compreensão que povos ou tribos eram limitados por geografia. Ora, criava-se uma pequena sociedade que viria a se tornar um império delimitado por uma barreira geográfica visível ou não e portanto aquilo ali nomeava-se povo.

Pois bem, o próprio povo de Israel já quebrou este paradigma na época do Antigo Testamento. Com a quantidade de cativeiros que sofreram, ainda assim separados, foram capazes de manter uma série de valores e aspectos culturais que os identificavam.

Perceba que o Império Romano foi destruído por dentro, apesar do alcance, muitos dos povos dominados não se consideravam romanos, e sim da sua “tribo” original, e foi aí que o império enfraqueceu.

Isto é extremamente importante para atualizarmos nosso entendimento do que são as tribos do nosso tempo. Como o mundo já foi delimitado, agora buscamos tribos que estão espalhadas em qualquer lugar, porém compartilham dos mesmos princípios e valores.

A internet potencializa a formação destas tribos e também nosso alcance enquanto missionários não-geográficos. São dançarinos, skatistas, empresários, LGTBQIA+, políticos, veganos, carnívoros, muçulmanos, budistas…

Não precisamos mais nos prender a um determinado país, mas sim expandir nossa fronteira para uma determinada série de valores comuns.

3. O Poder da Tecnologia…nos leva mais longe

Vários países africanos estão entre os que mais usam Internet Banking

Uma coisa está clara na Bíblia, há um chamado para o ser humano de mudança de local geográfico! O caso mais emblemático e que logo vem à mente é o de Abraão “saia de tua terra”, porém se olharmos com atenção TODOS os grandes líderes bíblicos realizaram seus propósitos em outro lugar. Noé parou em outra região, José foi para o Egito, Moisés foi do Egito para o Deserto, Josué do deserto para a Terra Prometida, a turma de Daniel, Esdras e Neemias cumpriu seu chamado em diferentes cativeiros, Jonas em Nínive, Paulo pelo Ocidente, e o próprio Jesus comentou que um profeta não é bem recebido em sua cidade natal.

Além de termos mais acesso à viagens hoje em dia, também temos acesso ao mundo digital, que nos permite chegar em lugares que antes eram proibitivos ou hostis.

O pastor Sammy Tippit em seu maravilhoso “Fazendo Discípulos na Era Digital” conta inúmeras histórias sobre o alcance do evangelho através do digital.

Lembre-se, foi a tecnologia de meio de transporte das vias romanas que permitiu a expansão do evangelho e potencializou o trabalho de Paulo. Foi a prensa de Guttemberg que ajudou Lutero a espalhar suas Teses rapidamente pela Europa provocando a Reforma Protestante.

Pode ter certeza que o Digital ainda está arranhando a superfície do que será possível fazer pelo Evangelho.

4. Economia do Reino

Shanghai

No livro de Números está detalhado como deveria ser a ordem de movimento das tribos de Israel durante a peregrinação no deserto. Ali podemos perceber um movimento de missões que creio que ainda seguimos, por mais que de maneira inconsciente, e potencialmente o replicamos na macro-história. Precisamos também entender que cada tribo recebeu sua bênção de Jacó (e posteriormente de Moisés) que determinava suas características.

Primeiro movimenta-se a Tribo de Judá, são os guerreiros, pessoas que lutariam e morreriam pelo povo (hoje evangelho). Depois a tribo de Issacar, os trabalhadores, para que seja preparado a chegada da economia do Reino. Então chega Zebulom, os comerciantes, os empreendedores do nosso tempo, que vão trazer a lógica da Economia do Reino. Após Zebulom chega a Tenda com os Levitas, que representava os adoradores trazendo a presença de Deus.

Acho este texto lindo e marcante, especialmente quando percebemos que na vinda para América, seguimos passos muito parecidos, exploradores, trabalhadores, comerciantes e os adoradores montando suas igrejas.

A mesma coisa estamos vendo na China. Por anos enviamos missionários prontos para dar seu sangue pelo evangelho, com o tempo o país se abriu economicamente e trabalhadores ocidentais chegaram no país, ao ponto de se tornar permitido o culto cristão para estrangeiros.

Acredito que atualmente vivemos a oportunidade de encaminhar os Empreendedores do Reino para lá, trazendo uma nova forma de fazer negócios.

Aqui estão duas curiosidades:

1 — sabia que a China já é o segundo país mais evangélico do Mundo?

2 — sabia que Israel é o maior parceiro tecnológico da China?

Tenho certeza que estas informações não são à toa. Tudo indica que a China será a próxima grande potência, e são vários os relatos de líderes cristãos falando do movimento de Deus nos negócios.

Também é assustadoramente triste o fato de que nenhuma das empresas líderes digitais sejam lideradas por cristãos.

Ore por estas empresas e suas lideranças

Temos uma oportunidade de ouro para transformar o mundo do trabalho com a Tribo de Zebulom do nosso tempo. Entenda, com um Mundo capitalista e guiado por interesses econômicos, precisamos formar uma nova onda de missionários do mundo de negócios.

Agora porque este texto e esta atualização?

alguns anos atrás conheci uma moça em um momento crítico da vida, havia entendido seu chamado como missionária mas não havia aguentado a pressão da escola missionária que fazia no Nordeste. Naturalmente é importante para estas escolas simular situações de campo e muitas pessoas não aguentam. Estava completamente perdida.

Sentindo sua dor propus uma sessão de mentoria para que eu tentasse ajudá-la. Conheci ali uma profissional incrível, anos de carreira na área jornalística em grandes jornais e canais de TV de nível nacional.

E aí que as coisas pararam de fazer sentido. Descobri na conversa que ela fazia escola de missões na mesma escola com a qual eu estava conversando para ajudá-los a ampliar seus esforços de marketing. Como toda estratégia de marketing você precisa de Jornalistas ou Redatores, pessoas que escrevem histórias impactantes, ou fazem entrevistas para gerar rapport.

Percebem a incoerência? De um lado a necessidade, do outro a profissional achando que precisa deixar de ser quem é para ir a campo. Por que romantizar a ida ao campo hostil, se podíamos ter uma expert, gerando impacto missional a partir da sua própria experiência profissional, ainda trabalhando em campo missionário?

Espero que este texto torne-se um Manifesto para atualizarmos nosso entendimento de que somos Missionários em Tempo Integral.

Não importa onde estamos (escola, trabalho, aldeia remota), ou como estamos (fisicamente ou digitalmente), importa o que fazemos (replicamos Jesus) e porque fazemos (por amor e para salvação de todos em Cristo).

PS 1: Infelizmente, no mundo cristão temos uma tendência a simplesmente dar às costas ao que não está de acordo com nossos vieses, que muitas vezes são pessoais e não Cristãos. Neste texto, proponho uma perspectiva de co-criação, espero gerar um debate saudável com você leitor, para que possamos avançar o evangelho no século 21.

PS 2: Números 10 fala da ordem e Genesis 49 das Bênçãos de Jacó

PS 3: dados da China são cada vez mais abertos e cito alguns do CFR

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