escrituras abandonas numa estante abandonada

“E quem vai ler?”

negao.substack.com
Negão Internauta

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Uma coisa que a minha geração adora fazer sem perceber o quão datada é essa simples ação é dizer a quanto tempo está na internet. Isso só funciona para minha geração, já que os mais velhos aderiram às redes recentemente (e acabaram se radicalizando politicamente por isso) e para os mais jovens esse número é equivalente à própria idade, já que já nasceram plugados na Matrix.

Mesmo sabendo disso, preciso dizer que estou há muito, muito tempo nessa brincadeira de escrever e publicar conteúdo na internet e de se relacionar virtualmente com pessoas que nem sei o nome verdadeiro, timbre da voz, cor dos olhos. Não a participar dos estranhos grupos de mIRC, que nada mais era do um Discord pré-histórico, mas do MSN e Orkut para frente sempre estive envolvido. Dentre as diversas histórias que presenciei, uma me veio à memória quando decidi voltar a escrever textos maiores do que 280 caracteres.

Você provavelmente conhece o influenciador Felipe Neto, mas a imagem que você tem dele pode variar muito dependendo de quando o conheceu, em que contexto e qual foi seu período de exposição. Atualmente, muitos o conhecem basicamente como a voz ativa do PT, basicamente a cara da campanha do Lula nas redes sociais. Tanto que o vi recentemente como centro jocoso de uma fake news sobre o Ministério da Cultura receber muito mais dinheiro do que o Ministério da Agricultura no novo governo num story compartilhado por algum amigo que ainda é uma viúva estúpida de Bolsonaro (se você for uma dessas viúvas estúpidas não se sinta ofendido, apenas use o seu cérebro e pare de compartilhar mentiras imbecis apenas porque elas te agradam muito).

Mas para quem o conheceu 4 anos antes, Felipe era apenas um centrista comum, anti-Bolsonaro sim, mas antipetista também. Frustrado por não apoiarem uma terceira opção. Também estava no auge dos irmãos Neto, com o vídeo onde seu irmão Lucas Neto entrando numa banheira de Nutella viralizando. Voltando pouco tempo encontramos um Felipe ativamente contra o governo Dilma.

É preciso voltar ainda mais para chegar no momento onde se passa o causo que quero contar. Não tanto quanto da primeira vez que ouvi falar dele, como um colega de Blogosfera (nome que se dava para o ambiente coletivo de blogs brasileiros), dono do site Controle Remoto, que muitos dizem se tratar de um site de pirataria nos primórdios, mas eu conheci apenas a parte de crítica de TV. Nem logo depois, quando Felipe Neto lançou o que foi o primeiro vlog a fazer sucesso no Brasil, o Não Faz Sentido, onde se focava em atacar gostos jovens (como a saga Crepúsculo, músicas emo, etc). Foi pouco depois, quando ele rumava para seus primeiros trabalhos na TV.

Era uma noite comum no Twitter de 2011, com piadas de humor negro e memes de baixa qualidade rolando a timeline. Havia um determinado grupo no Twitter que pesava um pouco mais a mão na popular zoeira e adorava pegar no pé de todos que tivessem alguma fama, em especial o próprio Felipe, por atitudes que ele teve durante o tempo de blogosfera e que não vale a pena entrar nos detalhes aqui. Felipe era alvo constante das piadas dessa turma, que hoje é bem dividida e se odeia mortalmente, mas essa também é outra história.

Nessa noite fatídica, Felipe entrou num rompante inesperado e passou a atacar essa turma com fervor no Twitter. O alcance dele na rede já era muito maior do que qualquer pessoa poderia ter e para a maioria de seus seguidores sequer fazia sentido o que dizia. Entre os ataques à “Turma da Zoeira”, como ele mesmo definiu, evitava falar nomes ou citar perfis. Até que, na madrugada, com a audiência bem menor, trocou a foto de perfil para a foto de um dos membros mais proeminentes da “Turma da Zoeira” e passou a imitar seu modo de escrever.

Do outro lado, um dos poucos membros da turma acordado naquele horário tentava contra atacar e, sem conseguir ler o que Felipe escrevia por estar bloqueado por ele, me perguntava por mensagem direta os detalhes. Em certa altura, essa pessoa disse em seu perfil “um dia desses vou escrever tudo o que sei sobre o Felipe Neto”. E Felipe Neto, apesar de o ter bloqueado, respondeu:

“E QUEM VAI LER???”

Como já dito, essa história tem muito mais nuances que não valem a pena serem abordados no momento. A turma contra quem Felipe lutava se fragmentou por completo, tanto física quanto ideologicamente. Os que permanecessem “na zoeira” agora o fazem profissionalmente, seja como humoristas ou roteiristas, seja como membros do governo (pois é…). Há anos não leio o que Felipe escreve pois o bloqueei por me cansar do modo como ele se apegava incessantemente à toda e qualquer polêmica para ficar em evidência.

Mesmo assim, o fato dele ter revelado tanto sobre si e sobre como enxerga o mundo numa frase tão simples e sem importância acabou me marcando mais do que todas as vezes que alguém o jogou na minha timeline. Não apenas por ele tripudiar o alcance e o impacto do conteúdo de alguém que claramente o incomodava, mas por colocar no alcance desse conteúdo a sua maior importância. Ou seja, para Felipe (pelo menos naquele instante, afinal, como já falei, o menino é um camaleão) algo só vale a pena ser publicado se já tiver público definido.

Minha discordância com esse conceito é mais do que uma opinião, é meu modo de enxergar a vida como um todo. Eu te explico porque:

  1. Você não deve medir seu valor ou o valor das coisas que você faz pelo efeito imediato: A razão para fazer algo é querer fazer e achar que deve ser feito. Aí então faça bem feito, de modo que te satisfaça.
  2. Você não tem controle sobre o impacto das coisas você fizer: Das que você não fizer, aí sim, o impacto vai ser sempre zero.
  3. Ser bom em algo é o resultado de um hábito: Então o caminho para fazer algo bom pode passar por fazer algo não tão bom assim.
  4. Para construir algo grande é preciso começar: não precisa ser pelo começo, pode começar pelo fim.
  5. Para construir um público é preciso primeiro se construir: se construa e eles virão.

Quem vai ler? Não sei. Mas quem vai escrever sou eu.

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