Capítulo 4 — A boa memória dos sacerdotes

Fabio Penna
3 min readOct 13, 2016

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“…a boa memória dos sacerdotes foi capaz de salvar os textos fundamentais, e desde o século IX eles são complementados por uma obra enciclopédica, o Bundahish.” — Jorge Luis Borges, O Livro dos Seres Imaginários

Ferrus, Watt e Camperine estavam na fila junto com seus novos amigos. O silêncio poderia ser perturbador de alguma forma naquela ocasião, mas os animais que circulavam pelas redondezas, o vento e o longínquo barulho da água do mar davam um ar mais agradável ao ambiente.

Um cachorro com pés de galinha insistia em ficar perto deles. Camperine fazia carinho no bicho enquanto Watt olhava curioso.

- Por que será que fizeram isso com ele? — perguntou

- Acho que já nasceu assim. — respondeu Camperine

Para espanto do holandês apareceram mais uns cinco animais iguais àquele. Ao mesmo tempo Ferrus estava confuso.

- Por que estamos aqui? E por que algumas pessoas estão segurando caixas azuis? — questionou

- E por que você acha que nós temos a resposta? — riu Camperine — Não temos opção, eles nos trouxeram pra cá.

- Ué, gente, isso aqui não é a fila do bandejão? — perguntou Watt sob olhares contestadores dos colegas

Cada pequena caixa azul tinha um símbolo branco que representava os objetos que estavam dentro dela: ao mesmo tempo uma chave e uma arma parecida com uma pistola. Nem todas as pessoas seguravam a caixa, mas a verdade é que todos a possuíam. Usá-la era uma escolha e os aventureiros notaram isso quando conseguiram entrar naquela espécie de templo.

No centro do lugar tinha uma máquina que atendia um por um. Se a pessoa escolhesse usar a chave era sinal de que ela queria dizer algo positivo. Falando, ela se confessava ao sistema que gravava o registro de cada pessoa. Se a pessoa não estivesse com a caixa ela simplesmente entrava na máquina para ver algumas das histórias registradas escolhidas pelo próprio sistema.

Naquele primeiro dia dos aventureiros ninguém quis usar a arma e eles demoraram a entender que ela representava a saída da pessoa, uma espécie de suicídio. Os três viajantes não entenderam quantas pessoas usaram e por quê, mas certamente não parecia ser algo comum.

Tudo isso foi deduzido pelos três que, apesar de nada entenderem da língua local falada na máquina, conseguiram se comunicar com gestos de maneira bastante eficaz. Naquela primeira vez eles ganharam uma caixa cada um, pois parecia ser uma obrigação de quem estava na ilha.

Os dóceis habitantes do local mostraram aos novatos como conseguiam e dividiam comida e habitação. Era uma espécie de comunidade livre e utópica, daquelas que em teoria parecem perfeitas, mas impossíveis na prática. No entanto, o que se revelava na máquina era tão intenso e perturbador que mantém viva a imperfeição da natureza.

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