Guerrilha é na rua

Como a pesquisa de guerrilha pode nos fazer ganhar "batalhas" e muitas vezes "guerras" na busca do melhor produto, com base no conhecimento!

Marcio Abranches
Neon Design & Pesquisa
6 min readFeb 10, 2023

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Arte digital com os dizeres: “Ganhando batalhas em pesquisa”. Na parte inferior um avatar com a foto Márcio Abranches, com duas tags. As tags tem os dizeres: “Ux Research” e “Guerrilha”. Do lado direito uma foto com duas pessoa pretas sorrindo e olhando para o celular.”
Arte digital: Blog — Neon Design & Pesquisa

Era hora de enfrentar as linhas inimigas e atacar de forma rápida. Uniformizados e equipados saímos em busca de respostas e atacando nossas dúvidas, hipóteses e incertezas, e com a pesquisa de guerrilha confrontamos, frente a frente, as vivências, dores e negativas, por que não, de pessoas usuárias inadimplentes. Afinal, este era nosso objetivo final.

Os preparativos para a guerrilha aconteceram dias antes, em uma "war room" ou a velha sala de guerra, por ordens da Squad de Cobrança e em parceria com o 'exército' de pesquisa. Assunto, inadimplência, ou codinome "inad".

Em poucos dias, a equipe estava montada.

O foco era em apenas 2 dias atacar com nossa pesquisa, totalmente as áreas definidas na grande cidade de São Paulo. Os ataques foram coordenados. No primeiro dia, 25 de Março / Largo São Bento e Estação do Metrô do Tatuapé. Já no segundo seriam a Avenida Paulista e seus arredores.

Para ganharmos em tempo e território, nos dividimos em 3 equipes menores, e em duplas (uma mediadora fazendo as perguntas e outra observadora, responsável por anotar tudo) atacamos de forma mais ágil. Cada equipe ficou com um roteiro diferente de perguntas para um "status de inad."

Desenho do Tio Sam, personagem dos Estados Unidos, com o texto escrito em inglês: "We want you". Traduzindo: "Nós queremos você".
Arte digital: Blog — Neon Design & Pesquisa

Pra seguir o roteiro adequado, era necessário ter 3 tipos diferentes de perfil de pessoas usuárias preenchidas por região. Ex: Mulher negra CIS, Pessoa Trans, e pessoa +50.

A batalha

Primeiro dia: Ataque a 25 de Março e Largo São Bento.
Data: 14 de Outubro
— localização: -23.547412019200504, -46.635831241952644
Centro de Sampa às 11 horas.

Rua do centro de São Paulo, cercada por inúmeros prédios antigos, com uma pessoa atravessando a rua, com a sacola nos ombros.
by Caroline Cagnin Pexels.com | Centro de São Paulo

Sem muito aquecimento, demoramos um pouco para definir qual seria a melhor estratégia de ataque e acabamos escolhendo uma área externa de um restaurante, em uma pequena galeria.

Ali nos acomodamos em mesas e cada equipe definiu como iria agir. A equipe 01, Smith e Cathz, decidiu ir ao confronto direto e saiu em busca das pessoas nas ruas e calçadas da região.

Assim também como a equipe 02, formada por Ray e Mika. A equipe 03, formada por Laris e eu, bem, decidiu atacar de forma diferente; enquanto uma ia às ruas, a outra ficava a espera da pessoa moderadora voltar com quem teria uma "entrevista" em nossa mesa.

Não havia luzes fortes na cara, nem torturas, houve sim é bonificação para quem "abrisse o bico". As pessoas entrevistadas contavam sobre a inadimplência de forma totalmente dispostas e sem segredos.

Em pouco tempo conseguimos os resultados esperados. As perguntas sobre "inad." e as respostas como balas de metralhadoras atingiam nosso formulário e nossas anotações.

Quantas vivências, quantas dores.

"Como vou pagar a dívida de cartão de crédito se tenho 7 filhos e tenho de optar em pagar as contas essenciais de casa, como comida, água e luz?"
Dna Maria

Uma pausa.

Organizamos as ideias e experiências anotadas como em um 'debriefing' (perguntas feitas para entender se atingimos o objetivo) junto as garfadas de nossos almoços. E ali mesmo definimos também qual seria nosso próximo ponto de ataque.

Shopping e Estação Tatuapé
— localização: -23.541507358100247, -46.576681694552484
ZL de Sampa às 14 horas.

Pessoas dentro do metrô de São Paulo.
by Andre Moura Pexels.com | Metrô de São Paulo

Como cães farejadores, entramos no Shopping Tatuapé e nos dividimos novamente em 3 equipes. Rapidamente a pesquisa de guerrilha corria a mil, quando de repente, percebemos que tinha gente nos observando. Era a segurança. Nos levaram dali, afinal não estava em nossa programação fazer o shopping, foi de última hora e sem autorização. Óbvio que nosso plano daria errado.

Mas não desistimos. Saímos para a área do entorno do metrô Tatuapé e ali encontramos os perfis restantes. Ali sim a guerra real do dia a dia acontecia. Ali sim as pessoas que circulavam, trabalhavam de forma informal e buscavam um sentido, um caminho a seguir, mostravam suas feridas de guerra, ali elas abriam suas histórias, seus corações, sonhos. Isso encheu os olhos de água.

" Meu marido faleceu e me deixou uma dívida e mais 5 filhos. Trabalho de forma informal sem saber se vou voltar para casa com dinheiro. Nos falta esperança. Só quero poder pagar minhas contas e comprar uma roupa para minha filha, com dignidade."
Renata

Fim do dia, uma canseira e a chuva ainda nos pegou, mas felizes pela missão cumprida ao primeiro dia.

Segundo dia: Ataque a Avenida Paulista.
Data: 17 de Outubro
— localização: -23.557625144644472, -46.660651972176034
Estação Consolação às 10 horas.

Muitas pessoas na Avenida Paulista, próximo ao Parque Trianon; algumas em pé conversando e outras sentadas.
by Athena Pexels.com | Avenida Paulista

Um novo dia veio, com uma bagagem de ensinamentos de um dia inteiro de guerrilha já vivenciado. A Paulista não nos botou medo.

Nos separamos novamente, mas desta vez como uma integrante nova. Com a baixa da Cathz, a Claudinha assumiu o posto, saiu de sua zona de conforto do QG e deu continuidade aos trabalhos, vestiu o uniforme, o equipamento e foi para a guerra.

A busca foi incessante, os nãos cortavam nosso ego como navalhas; mas em meio aos estilhaços, sempre havia uma boa alma que se propunha em a ajudar.

O dia corria, o sol já a pino e ainda faltava um perfil; era como a busca por alguma pessoa perdida em um campo de batalha. Uma pessoa trans.

Em alguns momentos elas apareciam tão repentinamente, mas do mesmo jeito sumiam. Mas, como em um golpe de sorte, em uma das incursões para dentre pequenas galerias na Augusta, a encontramos.

Estava fazendo sua maquiagem e conversando com amizades das lojas ao lado, quando a interrompemos para falar sobre pesquisa de inadimplência. Ela nos olhou com simpatia e como se nos conhecesse, contou sua história de luta contra a inadimplência, tentando pagar suas contas diárias, mas que a luta maior era ter o reconhecimento e inclusão de seu novo nome social em sua conta e cartão, em um grande banco tradicional, mas sem sucesso.

"Peguei o empréstimo para poder empreender em meio a pandemia, e por força maior, não foi para frente.

Sei que estou inadimplente e quero regularizar, mas o que me fez cancelar a conta no banco do empréstimo foi o fato de não conseguirem me tratar pelo gênero ao qual me identifico. Liguei, pedi, implorei para alterarem o nome, uma coisa simples e nada.
O banco então fico com o meu antigo nome e a dívida."
Marcela, empreendedora

Guerra contra a inadimplência

Ao fim da guerrilha, entendemos que a inadimplência é uma situação momentânea, uma batalha a vencer e que nenhuma pessoa usuária gostaria de estar, mas está, seja por um descuido ou por alguma situação de escolha.

Algumas conseguem lidar com ela de forma mais neutra, sem muito se importar, vivendo a vida sem grandes preocupações. Outras porém, ela ataca duramente, arrancando noites de sono, sonhos e até mesmo a identidade, o eu, perante a sociedade.

Mas a guerra só é ganha quando damos voz às pessoas. E a guerrilha na rua é o canal, o microfone para amplificar suas vozes.

Elas querem fazer parte, querem ser ouvidas, querem ser entendidas pelas suas dores, seus anseios. E é a partir dessas pessoas que vamos conseguir transformar suas vozes em algo real e palpável, um produto com a melhor experiência possível para cada pessoa usuária.

Quer fazer parte do nosso time de Design & Pesquisa? Estamos procurando.

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