Hiperinfográficos e covid-19: modelos sofisticados nos jornais para a cobertura da pandemia

William Robson Cordeiro
Nephi-Jor
Published in
7 min readJun 8, 2020

Uma das expressões mais utilizadas pelos especialistas, autoridades e a imprensa neste período de isolamento social trata-se do tal “crescimento” ou do “achatamento da curva” de vítimas da Covid-19. O termo refere-se aos já conhecidos gráficos de linha, estabelecendo paralelo entre o comportamento de uma vertente deste gráfico em relação ao espaço temporal. A pandemia é o tema de maior destaque da mídia brasileira e internacional nas últimas semanas. Ao lado do noticiário cotidiano, os infográficos acompanham, auxiliam e estão mais presentes, no intuito de transformar dados brutos em visualização sintética para a audiência que busca as informações deste assunto e que são apresentados em formatos os mais diversos.

Exemplos de infográficos publicados em jornais brasileiros sobre a pandemia de covid-19

São inúmeros os infográficos publicados nos jornais de referência, muitos em linha, outros tantos em barra ou do tipo megagráficos sobre o espraiamento global do vírus, meios de prevenção ou as consequências da doença. A utilização da infografia neste período pode ser comparada a outro momento, tido por autores como Alberto Cairo e Valero Sancho como a “revolução da infografia”: a Guerra do Golfo, nos anos de 1990.

No atual cenário, tanto os jornais impressos quanto os sites buscam transformar dados da pandemia em visualização sintética de maneira tal que compreendem exemplos dos quatro estágios da infografia. Para explicar rapidamente estes estágios a fim de entendermos os tipos de infográficos que permeiam o jornalismo destes tempos, ressaltamos: o primeiro, que são os infográficos lineares, de sequência estática, os modelos originais praticados no jornalismo e executados em plataforma impressa e que podem ser encontrados também na internet; o segundo, no ambiente web, caracterizado pela multimidialidade e pela natureza clicável dos infogramas, a menor parte dos componentes de um infográfico; o terceiro, que se desdobra na infografia quando integrada a bases de dados; e, por fim, o quarto, que são os hiperinfográficos, modelos hipermidiáticos mais complexos e que incluem potencialidades imersivas.

Assim, pretendemos focar nestes modelos mais recentes, dentro do quarto estágio. Como citado, os hiperinfográficos são modelos que trazem complexidades. Não apenas de apresentação, mas de feitura, exigindo dos jornalistas e dos designers conhecimentos de programação por um lado e experiência com softwares modernos de visualização de dados, por outro. Mesmo assim, isso não se torna impeditivo para que seja praticado sistematicamente no jornalismo e, em especial, para a cobertura da pandemia.

A hiperinfografia são modelos ou conjunto de modelos de infográficos autônomos de alta capacidade expressiva e imersiva, disponíveis no ambiente hipermidiático (LONGHI; CORDEIRO, 2018). Desta forma, seu processo de produção demanda mais tempo se comparado com os infográficos de primeira geração por exemplo, dificultando suas publicações para atender às notícias de última hora, as chamadas hard news. Em outras palavras, a produção de hiperinfográficos nem sempre se dá no andar dos acontecimentos.

A denominação “hiperinfográfico” baseia-se na lógica de que o prefixo “hiper” pode ser atribuído tanto à grandeza do gênero quanto ao ambiente hipemidiático. E é caracterizado por suas expressões complexas na hipermídia, se materializando em formatos mais sofisticados em termos de visualização.

A pandemia tem estimulado a criatividade na cobertura jornalística, a ponto de os jornais trabalharem em produtos mais sofisticados para gerar informações que passam pela quantidade de casos e de mortes, até a orientações de prevenção e higiene. Os hiperinfográficos têm servido para este propósito e têm sido relevantes instrumentos neste processo.

Para tanto, avaliamos três exemplos de hiperinfografias projetadas por jornais de referência de três países diferentes para entendermos suas características e sua relevância na cobertura da pandemia. Antes de mais nada e para que compreendamos como identificar um hiperinfográfico, o seu conceito está norteado sob seis propriedades morfológicas: síntese, interação, autonomia, hipermídia, imersão/visualidade estética e sincronia sintática. Estes pontos estão esmiuçados na tese que defendemos na Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGJOR/UFSC), onde propomos este quarto estágio da infografia, porém, rememoramos rapidamente neste texto.

As propriedades morfológicas do hiperinfográfico, também destacadas em artigo (LONGHI, CORDEIRO, 2018), são classificadas assim: a síntese é a intenção de relatar algo através de um recurso que venha a organizar informações; a interação é a capacidade de participação do usuário no ambiente informativo; a autonomia demonstra que a hiperinfografia não necessita complementar reportagens. Por sua vez, a hipermídia é o ambiente que permite a hibridização de linguagens, processos sígnicos, códigos e mídias. A imersão/visualidade estética destaca o modo de apresentação e, por fim, a sincronia sintática observa a aglutinação de todos os seus infogramas e o sentido gerado.

Hiperinfográico do jornal La Vanguardia, da Espanha

Com tais atributos, selecionamos os hiperinfográficos dos jornais O Globo (Brasil), The New York Times (Estados Unidos) e La Vanguardia (Espanha). Abrimos com o periódico espanhol, baseado em Barcelona, que lançou em 1 de abril de 2020 o hiperinfográfico “¿Qué debo hacer cuando regreso del supermercado?”. O trabalho propõe oferecer recomendações de como se proteger do coronavírus, sobretudo, ao chegar em casa. O hiperinfográfico oferece estética em terceira dimensão que age motivada pela ação do usuário, partindo da interação mediante scrolling e leitura verticalizada.

Quanto mais o usuário se aprofunda na peça, mais informações são ofertadas, ao mesmo tempo em que desencadeia animações. Ao mesmo tempo, estas animações são acompanhadas de caixas informativas, do tipo “Usa también una pequeña bolsa para guardar el móvil y las gafas. Deja las bolsas de la compra en una caja para aislarlas”.

Todo o processo de prevenção pelo qual o indivíduo precisa submeter-se ao chegar em casa são fundamentadas em informações oferecidas por autoridades públicas. O usuário do hiperinfográfico, ao aprofundar-se nas informações e nas sete primeiras cenas (que são os quadros consolidados que se apresentam à medida que o usuário rola a página), obtém dados de prevenção.

A partir da oitava cena, percebemos que o hiperinfográfico ganha outra forma, recorrendo a animações e gráficos em linha para explicar a permanência do vírus nos objetos. Há ainda uma surpresa no final das cenas: um link que remete para outro hiperinfográfico em terceira dimensão de leitura horizontal, que explica como cuidar e o que fazer com um paciente de covid-19 em casa.

Exemplo de hiperinfográfico do jornal The New York Times

No segundo caso, The New York Times traz o hiperinfográfico “How the Virus Got Out”, lançado em 22 de março de 2020, com as mesmas características de leitura vertical do exemplo anterior e cuja ação interativa do usuário também é ativada por scrolling. No caso deste modelo, o recurso utilizado para explicar as razões pelas quais as restrições de viagens não foram suficientes para conter o avanço do vírus pelo mundo originário da China, são os modelos ubicativos e coropléticos, além das animações.

O aprofundamento nas cenas gera informações jornalísticas em forma de nota e textos mais amplos, não significando uma reportagem à parte. Neste caso, todo o conteúdo dialoga com o universo hiperinfográfico apresentado, reforçando sua autonomia em ambiente único e delimitado.

As cenas são assinaladas por pontos em vermelho que destacam o avanço do vírus pela Europa, Leste Europeu e Oriente Médio, até desembocar nos Estados Unidos, contextualizando com o período em que o presidente Donald Trump minimizava a pandemia. “O vírus não terá chance contra nós”, dizia ele.

Apresentação do hiperinfográfico do jornal O Globo

O último exemplo é o hiperinfográfico do jornal O Globo. “Números do Coronavírus no Brasil e no Mundo” é um minucioso detalhamento sobre as mortes e os casos de covid-19, atualizado diariamente a partir de base de dados dos governos federal e estaduais. O trabalho está disponível desde o dia 20 de março de 2020, um mês após o diagnóstico do primeiro caso da doença no Brasil.

Este modelo, de leitura vertical, compila infomapas interativos, infográficos de barra e de linha. Noutros casos, o mapa do Brasil é preenchido por pontos vermelhos que se intensificam nas áreas mais afetadas, semelhante a mapas de calor. À medida que o usuário se aprofunda na leitura, através da rolagem, recebe as informações animadas que sugerem agilidade das atualizações.

O aprofundamento também amplia o detalhamento das informações. Os casos nacionais se desdobram para níveis estaduais e municipais. E ainda apresenta uma lista atualizada das cidades mais infectadas, registrando os casos confirmados e as mortes. Os dados perpassam por outros países e oferecem a possibilidade de o usuário estabelecer comparativo entre nações, tanto da curva epidemiológica quanto da curva de mortes, ambas apresentadas em gráficos de linha interativos.

Estes modelos demonstram como os jornais experimentam infografias de estágios variados, porém ousam positivamente nos modelos mais complexos, como as hiperinfografias, a fim de oferecer meios mais dinâmicos, atrativos e sofisticados para o usuário que busca informações sobre a pandemia.

Um dos pontos favoráveis dos hiperinfográficos e, destacando o do jornal O Globo em especial, é a capacidade de se “auto-renovarem” constantemente, devido à utilização de templates pré-estabelecidos com dados atualizados, garantindo a perenidade e o acompanhamento constante do projeto neste período.

Nos demais casos, tanto as recomendações de prevenção (La Vanguardia) quanto o didatismo sobre o avanço da pandemia (The New York Times), demonstram como são vastas as possibilidades a serem exercitadas pelo jornalismo convergente em tempos de pandemia e de como os hiperinfográficos emergem enquanto gênero relevante no processo de transmissão de conteúdo jornalístico.

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