Mínimo e máximo: sinais polarizados de tendências em jornalismo

Ana Marta M. Flores
Nephi-Jor
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5 min readJun 7, 2018

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Observar e estudar o jornalismo é uma atividade por si só complexa. Entender os contextos ou práticas e, especialmente, os pequenos sinais de mudança, é um dos interesses da área de tendências.

Amplamente disseminados nos setores da moda e do design, os Estudos de Tendências (Gomes, 2016; Rech, 2017) se interessam em compreender as razões pelas quais as transformações acontecem em um nível cultural e, a partir disso, projetar inferências para um futuro próximo. Esses movimentos é o que se entende por «tendência», um termo usado à exaustão, que coleciona alguns pares de definições.

Para os Estudos de Tendências (ET), uma tendência, mais além de sua especificidade — macrotendência, microtendência ou tendência de setor — não é um objeto preciso ou uma tecnologia, como se costuma pensar; mas sim, um conjunto de motivações que justifica o uso de uma ferramenta, uma técnica ou um modelo de serviço.

Ao selecionar sinais mais consistentes em um panorama global do jornalismo, destacam-se dinâmicas cristalizadas no que podemos chamar de tendências «mínimo» e «máximo». A partir de duas instâncias constituintes do processo de produção jornalística — apuração, produção, circulação e consumo (Palacios & Machado, 2007) — evidenciam-se a (1) circulação e a (2) produção como ilustrações.

Mínimo: a retomada das newsletters

Como sinal mínimo, apontamos a retomada das newsletters via e-mail como ferramenta de distribuição de conteúdo jornalístico. Em um cenário em que as redes sociais online se tornaram o canal mais potente de disseminação de notícias, a percepção há poucos anos era de que Twitter ou Facebook haviam se tornado destino certo da circulação jornalística na web. No entanto, a série de modificações algorítmicas ao longo dos últimos anos nessas redes juntamente com o volume imensurável de conteúdo, impactaram severamente a relevância da disposição das notícias. Com isso, redações de veículos como The New York Times (US), The Guardian (UK), Clarín (AR) e Público (PT), resolveram apostar no bom, "velho" e já menos usado, e-mail. A entrega de um boletim de notícias, com links em referência direta ao website do jornal ou revista, em uma caixa postal eletrônica "desabitada", começou a ganhar relevância há pelo menos dois anos.

Nativos digitais também apostam na newsletter como ferramenta, inclusive como um importante produto da redação, como o Axios (US), Quartz (US), Meio (BR), Nexo (BR) ou Farol (BR), entre vários outros. Para além do modelo gratuito, que ganha com o tráfego de usuários diretos (sem anúncios no Facebook ou similar), há modelos de negócio que procuram monetizar esse serviço.

O que poderia ser entendido como tendência, nesses exemplos, vai além do próprio formato de newsletter.

Em um contexto em que de um lado se está imerso em muita informação, em um fluxo contínuo (push notifications ou feed interminável soam familiares?), e por vezes, sem a possibilidade de verificar a fonte.

Por outro lado, receber um boletim diário ou semanal de notícias, de fonte verificada, conveniente — só é possível recebê-los ao solicitar e permitir o envio—, como um produto finito é pelo menos uma resposta ao caos informativo contemporâneo.

O mínimo se apresenta não apenas na simplicidade do envio desses boletins, mas também na necessidade de ter um respiro focado na rotina das pessoas apenas sobre o que importa saber. Essa é a tendência que sugere desacelerar o jornalismo, por isso chamada de mínima.

Máximo: a experiência no jornalismo por meio da VR

📷: Tyla Mason

Já quando falamos sobre (2) produção, o «máximo» se concretiza em uma verdadeira inovação no jornalismo pelos bons usos da Realidade Virtual (VR) para informar.

Para uma experiência completa em RV, é preciso usar equipamentos especiais, como o Oculus Rift, o primeiro protótipo comercializado. Poucos anos depois, houve o lançamento do modelo de óculos para RV confeccionado em papelão, o Google Cardboard. Em seguida a esse lançamento, as primeiras produções jornalísticas especiais para Realidade Virtual foram ganhando destaque em periódicos como The Des Moines Register (US), The Wall Street Journal (US) e, claro, no The New York Times (US). Um dos marcos dessa apropriação se deu já em novembro de 2015, quando o NYT distribuiu na edição do jornal impresso um milhão e 300 mil óculos da Google na mesma data em que disponibilizou o aplicativo gratuito NYT VR e publicou a reportagem The Displaced, com vídeos esféricos produzidos com essa tecnologia.

Desde então, veículos brasileiros como o jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja, também têm se aventurado com a realidade virtual, embora ainda muito tímidos. Planejar a apuração, a captação de materiais com tecnologias como as reportagens em RV (ou também em vídeos 360º) modifica todos os processos tradicionais do jornalismo, levando-os a novos níveis de precisão e experiência. O que isso nos traz, a partir dos Estudos de Tendências, é que mais uma vez, não é a tecnologia da realidade virtual, apropriada da indústria dos games, que é a tendência.

A tendência é o crescimento da vontade do público experienciar a notícia, retomando a relevância do jornalismo no cotidiano da audiência. Por meio dessa tecnologia, ainda que planejada, o jornalismo finalmente poderá "levar" o leitor até o acontecimento para que ele sinta a pauta e não apenas leia sobre ela. Essa é a tendência «máxima» de jornalismo, com muito potencial de crescimento conforme a popularização dos aplicativos para celular e dos óculos de papelão.

Esse texto vem como um ensaio que pode ser muito ainda explorado e refinado. Sugestões são muito bem vindas também por email: flores.ana@posgrad.ufsc.br

Mais sobre essa temática e em como é possível se apropriar das ferramentas dos Estudos de Tendências para o jornalismo, logo, logo, em um artigo para a Intercom Nacional 2018.

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Ana Marta M. Flores
Nephi-Jor

PhD in journalism, fascinated by #trendstudies #innovation #fashion #digitalmethods ⨳ writes for iNOVA Media Lab | Nephi-Jor | Trends and Culture Management Lab