Porque as narrativas em 360 não ‘decolam’ no jornalismo brasileiro?
Essa é uma pergunta que me persegue há algum tempo, afinal veículos como Folha de S. Paulo, G1, Estadão, Veja, Notícias do Dia e Diário Catarinense, entre outros, já produziram notícias e reportagens com fotos e vídeos em 360 graus. Mas porque isso parece não ter seguimento? Adianto que não tenho uma resposta. Talvez ela nem exista, no sentido de uma única explicação, visto a variedade dos ‘jornalismos’ produzidos. Mas tentarei aqui esboçar algumas reflexões.
Há poucos meses a colega Mariane Ventura debruçou-se, aqui nesse mesmo espaço, sobre um assunto muito próximo (Realidade Virtual: febre ou tendência?). Minha abordagem se dará por outro viés, complementar ao dela. Meu foco está na experimentação como caminho para a inovação jornalística, pois é isto que tenho visto nas produções realizadas fora do país.
No encontro anual da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) de 2017 a pesquisadora e professora Raquel Longhi, coordenadora do NephiJor, ao propor a aplicação da noção de ‘jornalismo experiencial’ à pesquisa jornalística (Jornalismo experiencial, pesquisa aplicada e o desafio da investigação em Realidade Virtual no ciberjornalismo), sugere que o envolvimento orgânico com o objeto pode colaborar para um melhor conhecimento do mesmo. No artigo ela traz o relato de um jornalista a respeito de produção realizada com vídeo em 360 graus, e destaca que tanto a ‘disposição’ do profissional em experimentar trabalhar com uma tecnologia ou forma de narrativa sobre a qual não possui completo domínio, quanto a ‘análise crítica’ dos resultados obtidos a partir dessa experiência são importantes para ampliar seu conhecimento do tema.
A disposição para experimentar a produção de narrativas com imagens em 360 graus no jornalismo depende de uma série de fatores. Na pesquisa de campo do doutorado que venho realizando, a busca pela produção de materiais com esse tipo de imagens estava incluída, e observei apostas (ou crenças) bastante diferenciadas. Importante frisar que essas observações nem de longe contemplam a variedade de vieses existentes nas redações brasileiras. Mas acredito que elas podem dar pistas interessantes.
Havia profissionais descrentes da utilidade ou necessidade do uso de imagens em 360 graus. A palavra ‘modismo’ foi usada por alguns para descrever porque acreditavam que não valia a pena investir em tais equipamentos ou narrativas. As câmeras 360 eram por vezes comparadas com os drones, no sentido de serem tecnologias de recente incorporação ao jornalismo. Os drones teriam um uso mais disseminado, uma maior utilidade, ao passo que fotos e vídeos em 360 seriam pouco úteis ao jornalismo. Tive a nítida sensação de que eles se referiam a modelos de narrativas já existentes, e talvez por isso os drones tenham sido tão facilmente incorporados.
Havia também profissionais que se mostravam empolgados com a possibilidade de usar tais imagens e equipamentos. A vontade de experimentar algo novo e desconhecido era destacada como motor da empolgação. Para alguns, o ‘novo’ era o uso do equipamento em si, mas para outros isso estava ligado a novas maneiras de contar estórias. Nenhum deles sabia exatamente como fazer para criar narrativas com essas imagens, mas isso não parecia problema. Havia entre eles tanto aqueles que desejavam ter acesso à câmeras para experimentar quanto alguns poucos que já tinham equipamentos próprios. Em um única redação que possuía câmera 360 não tive contato com nenhum fotojornalista ou repórter que se mostrasse empolgado com tal uso. O que me leva a pensar que o fator ‘disposição’ é algo que vem do próprio profissional, através de sua cultura, de sua forma de encarar o jornalismo e a própria profissão. No entanto, talvez pudesse haver estímulos por parte das redações, que poderiam vir na forma de aditivos financeiros, no patrocínio de cursos ou formação, na abertura de oportunidades de realizar coberturas diferenciadas, entre outros. A associação entre veículos de mídia e universidades ou institutos de pesquisa poderia alavancar editais de estímulo a projetos, como faz o Journalism 360 Challenge que dá apoio financeiro para a realização de boas ideias que contribuam para a criação de narrativas imersivas.
Mas mesmo quando estimulado a realizar uma narrativa com imagens 360, e mesmo que a faça, o jornalista poderá agregar pouco em conhecimento caso não aproveite toda a experiência de forma reflexiva. Essa ‘análise crítica’ do resultado pode se dar tanto no âmbito da própria redação — uma conversa com editores ou com colegas jornalistas — quanto fora dela. E é no ambiente externo que a realidade brasileira parece ter muita diferença daquela que encontramos em outros países, onde universidades e institutos de pesquisa realizam eventos nos quais as experiências com narrativas inovadoras são apresentadas e debatidas. É o caso do Immersive Storytelling Festival ou do Journalism 360 Unconference + Demos.
Nesse sentido o ambiente brasileiro parece ainda conformado a copiar o que vem de fora. Reclama-se das dificuldades financeiras vividas pelo jornalismo, mas não se está aberto à experimentações, à inovações de linguagem, e o que é diferente é considerado ‘coisa de jovem’ ou ‘modismo’.
O jornalismo ainda não aprendeu uma das máximas dos ambientes inovadores: erre! Erre rápido. O erro faz parte do acerto. Não é possível inovar sem errar. É justamente aí que entra a análise crítica, pois ela é o caminho para transformar erros em acertos. Transformar a disposição ou empolgação do profissional e um trabalho consistente.
Originally published at medium.com on September 20, 2018.