Realidade Virtual: febre ou tendência?
Com ou sem óculos VR narrativas imersivas já são uma realidade
A cada novo dispositivo lançado surgem com ele novas possibilidades de narrativas. O começo tende a ser uma apropriação ou transposição de conteúdos das mídias que já existem para aquela que se está começando a explorar. E tem sido assim durante toda a história dos meios de comunicação. O rádio que utilizava os textos dos jornais; a televisão que se baseava no modelo do rádio; os portais online que transcreviam as mesmas matérias das edições impressas; são exemplos de como o processo inicial de adaptação do conteúdo para nova mídia passa por transformações até conseguir chegar ao formato que explore adequadamente as potencialidades de cada um.
Atualmente, as narrativas 360 graus têm ganhado espaço e possibilitado novas formas de produzir e consumir conteúdo. E como toda novidade, passa por períodos de adaptação, picos de utilização, banalização, e obsolescência. Nesse último caso, podendo ser substituída por uma tecnologia melhor ou convertida em uma forma de arte. Como já observava Marshall McLuhan (1964), ao refletir que a fotografia não substituiu a pintura e muito menos a televisão tomou o lugar do cinema. Ambas as mídias continuaram coexistindo com funções diferentes.
No caso da realidade virtual, ainda não é possível prever qual será o seu futuro. Porém, observa-se uma movimentação no sentido da sua popularização e utilização tanto no entretenimento quanto no jornalismo. Um fator que pode estar contribuindo para isso são os óculos de realidade virtual que utilizam o celular acoplado como player para a VR. Os óculos que dão um aspecto futurista pra quem está utilizando podem ser encontrados a venda por valores, em média, entre R$ 20,00 e R$35,00 na internet, sendo os mais baratos feitos de papelão (cardboards) e os mais arrojados feitos de plástico, resistentes e oferecem mais opções de ajustes. Além disso, as fabricantes de telefonia demonstram apostar na realidade virtual. Algumas já possuem seus próprios óculos VR e vendem modelos de smartphones que já são acompanhados por esse dispositivo. Fator que ajuda ainda mais a ampliar o alcance desse brinquedinho.
Apesar dessa popularização recente, a VR aplicada ao jornalismo tem exemplos de utilização desde 2012, quando a repórter e documentarista Nonny de la Penã exibiu o projeto Hunger In Los Angeles, utilizando a realidade virtual para contar a história de um diabético que teve uma crise de hipoglicemia na fila para receber comida. Considerada nos Estados Unidos a madrinha da realidade virtual, de la Penã busca utilizar a VR como uma nova forma de fazer reportagens e trazer as pessoas para dentro da notícia, possibilitando outra forma de compreender a história.
No Brasil, temos os exemplos da Folha de S. Paulo e do O Estado de S. Paulo que já possuem aplicativos destinados a publicação de conteúdos em 360º. O portal de notícias de Vice também chama a atenção com reportagens que exploram esse modelo de narrativa visual. O documentário Rio de Lama, que mostra a tragédia de Mariana; a campanha contra o encarceramento em massa, com o registro 360º de uma cela superlotada; e o especial Fukushima, vidas contaminadas também listam entre as narrativas imersivas possibilitadas pela VR. Esses casos têm em comum o grande apelo social para as questões levantadas e inserem o usuário dentro de um cenário que desperta emoções, aumentando a empatia pelas pessoas que vivenciam, no mundo real, aquela situação. Porém, essa humanização dos conteúdos forma uma linha tênue entre a informação e a espetacularização. Apesar de ser um risco existente nas outras mídias, no caso da VR a imersão torna os sentidos muito mais aflorados.
Mas nem só de narrativas humanitárias, com pessoas e tragédias reais vive a VR. Recentemente, o Google publicou o seu primeiro Doodle (animação temática da página do buscador) em 360º. A animação que homenageia Georges Méliès, cineasta e ilusionista francês considerado pai dos efeitos especiais, foi um trabalho de equipe entre Google Spotlight Stories, Google Arts & Culture e Cinémathèque Française e resultou em um vídeo muito divertido que faz referência a todo legado de Méliès. Vale destacar que esse foi o primeiro Doodle 360º, porém a gigante das buscas já está explorando esse tipo de narrativa desde 2015 com a criação do Google Spotlight Stories, que com canal no Youtube e aplicativo disponibiliza conteúdos de VR. Em 2017, o curta animado Pearl, produzido pelo setor, venceu o Emmy de inovação e interatividade e foi indicado ao Oscar na categoria melhor animação em curta-metragem.
No Youtube, buscando os termos “360” e “VR” não faltam exemplos de uso criativo que exploram essa narrativa. Vestindo os óculos, ou navegando pelo computador, o usuário pode andar na corda bamba entre dois edifícios, descer em um toboágua, andar de montanha-russa, fazer um safári entre leões, caminhar em praias paradisíacas, entrar em um quadro surrealista no museu de Dali.
A VR está possibilitando não apenas o compartilhamento de histórias, mas de experiências. Se no futuro todos iremos consumir conteúdos imersivos, só o tempo irá dizer. A única certeza é de já possível visualizar as mudanças que a democratização do acesso à realidade virtual está trazendo. Inclusive sem os óculos.