Jaime Serra: “A infografia no jornalismo segue sendo um plus

William Robson Cordeiro
Nephi-Jor
Published in
8 min readAug 23, 2018

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O infografista espanhol Jaime Serra

A capa da revista “Papel”, suplemento do jornal espanhol El Mundo, estampou a imagem do infografista Jaime Serra com o título “El Mejor Infografista del mundo en El Mundo”. Tratava-se do anúncio de sua coluna no periódico com abordagens voltadas à infografia e às novas tendências deste gênero. Serra também se tornou colunista do jornal O Globo, onde escreve a coluna “Jogo de Dados” e apresenta infografias que passam pela chamada visualização de dados.

Durante minha estância de doutorado na Universitat Autònoma de Barcelona (UAB) no início de 2018, Serra concedeu esta entrevista com muita gentileza e abriu as portas para conhecer o departamento de infografia do La Vanguardia. No diário catalão, coordenava uma equipe de 12 infografistas e colecionou vários prêmios Malofiej — considerado o Oscar da infografia jornalística no mundo.

A capa do suplemento do jornal El Mundo

Esta entrevista integra as pesquisas que desenvolvo sobre a infografia e as suas transformações na hipermídia. Nesta conversa, Serra aborda desde o futuro da infografia jornalística, até as ferramentas utilizadas para a produção de suas peças. Com um detalhe pertinente: não haverá tecnologia que venha a superar o infografista com um lápis na mão, segundo ele.

O “melhor infografista do mundo” também explica que a crise que afeta o jornalismo e as empresas jornalísticas em especial, atingiu em cheio os departamentos de arte, mas sente que o prejuízo para a infografia tem sido menor. Por outro lado, mostra que o infográfico é elemento importante e útil, embora não indispensável para a prática jornalística. Para o espanhol, é um plus que faz toda a diferença na forma de como contar histórias.

Como você vê a utilidade dos infográficos no jornalismo atual, especialmente aqueles praticados na Internet?

O que realmente parece preocupante para mim é a utilidade do jornalismo que majoritariamente vem sendo feito na atualidade. Por outro lado, no momento em que se enfrenta uma avalanche de desinformação gerada, especialmente por e nas redes sociais, o trabalho jornalístico se faz mais necessário do que nunca.

A Internet destruiu o modelo de negócios que funcionava muito bem no papel no século passado e não temos sido capazes de encontrar uma saída para um mundo novo. O resultado é uma nova situação econômica — já não é crise, visto estar efetivamente instalado — que, inevitavelmente, afeta a qualidade. Estamos vivendo, com toda probabilidade, a época onde a qualidade da informação nos meios é mais deficiente.

Nas últimas duas décadas, a infografia tem se mostrado como ferramenta muito útil na prática jornalística. Primeiro, por seu papel como ponta de lança do jornalismo visual e, desde o surgimento da internet, como uma ferramenta pluridisciplinar que abre novos modos de informar interatuando — inclusive — com o leitor.

Não obstante, ainda e sendo uma ferramenta muito valorizada pelos leitores, é também a mais prescindível de todas. Não se pode imaginar um meio sem palavra, dificilmente sem fotografia, mas existem muitos meios sem infografias. E não necessariamente piores do que os que as incluem. A infografia segue sendo um plus.

A coluna mensal de Jaime Serra no jornal O Globo: “Nas últimas duas décadas, a infografia tem se mostrado como ferramenta muito útil na prática jornalística”

Quais são os softwares que você recomenda e usa para a produção de infográficos estáticos e online?

Diante da importância dada à tecnologia, é bom esclarecer primeiro que qualquer software é dispensável. Inclusive e com uma posição extrema, nas infografias online. Para fazer uma boa infografia, o único fator indispensável é um bom profissional. A história está cheia de exemplos que confirmam. Que programas usaram John Snow, Playfair, Minard ou Florence Nightingale? Ou, mais recentemente e já dentro do infográfico jornalístico, Peter Sullivan ou John Grimwade? Por acaso, os mais importantes infografistas da atualidade, como Archie Tse, Fernando Batista, Fernando Arranz, Alberto Lucas, Javier Zarracina e tantos outros, não poderiam fazer seu trabalho em um cenário pré ou pós digital?

Inclusive, visualizadores de dados, vinculados conceitualmente ao Big Data, um fenômeno que não existiria sem as novas tecnologias, como Stefani Posavec, Domestic Data Stremers ou eu mesmo fazemos um uso extremamente prático da tecnologia.

Dito isso, felizmente dispomos de computadores com software adequado às nossas necessidades. É uma ferramenta maravilhosa que nos facilita enormemente o trabalho, especialmente na edição, tanto de imagens quanto de textos. Mas, ainda e usando o computador, é fundamental, a meu ver, trabalhar a mente com um lápis na mão. Os tempos, a materialidade, a impossibilidade de um “send to back”, fazem que o cérebro funcione de modo muito diferente se trabalhamos manualmente ou com computador. Ou seja, primeiro usar este modo mental, logo e quando já está tudo decidido, conectar-se com a máquina.

Em meu caso: utilizo essencialmente o Illustrator e o Photoshop, mas há ocasiões em que diretamente dispenso todo software porque o trabalho não exige seu uso. Pior ainda: atentaria contra o que estivesse pretendendo. Alguns casos óbvios seriam “Café Diario” ou “Datos en los bolsillos”.

Os únicos casos onde a tecnologia se faz imprescindível é na visualização de milhões de dados. A mente humana necessitaria de séculos para poder processar e, em seguida, representar toda esta informação.

Infográfico produzido no jornal La Vanguardia, ao lado de Alan Jürgens

Você acha que os infografistas deverão recorrer ao conhecimento da programação para o desenvolvimento de trabalhos mais complexos?

Você formula a pergunta com o futuro “deverão” e, na verdade, a necessidade de programação para confecção de determinado tipo de infografias é um fato, como te indico no final da resposta a tua pergunta anterior. Isso abre a necessidade de um novo perfil profissional: hoje já é necessário, se não essencial, um infografista que saiba programar, ou um programador com mentalidade de jornalismo infográfico, o que aliás, é a mesma coisa. Todos os infografistas precisariam saber programar? Não, como nem todos devem ser ilustradores científicos. Estamos em uma época onde se faz mais importante trabalhar com equipe multidisciplinar em que a infografia se coloca como um conceito comum.

Você acredita que os jornais estão investindo no desenvolvimento de infografia e nos departamentos de artes?

Os jornais não estão investindo o necessário na produção do jornalismo de qualidade. Nem no conteúdo, nem na forma. Alguns investem o possível dentro da dura realidade econômica da profissão, mas é insuficiente. Os jornalistas cada vez viajam menos, os meios de comunicação cortam correspondentes, como numa fábrica se exige a presença do profissional para registrar número determinado de horas na redação, fazer um trabalho com tempos mais reduzidos — que implica num menor cuidado com o rigor informativo — e ainda cobrindo para diversas plataformas — papel, computador, tablet, smartphone — com necessidades muito diferentes e de forma simultânea.

Há jornais onde os departamentos de arte passaram a ser algo mínimo. Inclusive, o fotográfico, um suporte jornalístico sério, foi afetado: em alguns meios de referência, é o próprio redator o que escolhe e edita a fotografia. Neste quadro desastroso, a infografia está resistindo em muitos jornais, melhor que em outras áreas. Talvez não se invista o necessário, ou diretamente não se invista, mas a redução é menor.

O que podemos projetar para o futuro da infografia no jornalismo?

Depende do futuro do jornalismo. O que está em crise não é a ferramenta infográfica. Pelo contrário, o que está em crise é o próprio jornalismo. O jornalismo desaparecendo ou jornalismo desaparecido, ao menos tal e como o conhecemos. Se o jornalismo encontrar o modo de se recuperar, ou achar um novo espaço interessante, haverá espaço para a infografia. Se o jornalismo desaparecer, a infografia jornalística, obviamente, também desaparecerá.

Primeira página do diário catalão “Ara” com o título “Assim é Jaime Serra”

Você , em particular, está experimentando novas práticas de produção de infográficos na Internet?

Embora esteja consciente de que meu trabalho atual teria um bom trânsito na internet, minha produção ainda é centrada em suportes estáticos e físicos. Pelo menos, nasce com esta concepção. Não que a internet não me interesse, o que me parece melhor é o formato físico. Apesar de me reconhecer como um apaixonado pelo papel — ou madeira, ou gesso, ou metal — é uma questão de capacidade de produção: de priorizar a qualidade sobre a quantidade.

Os jornalistas tradicionais precisam aprender e produzir seus próprios infográficos?

Eu não vejo isso como possível, ou desejável, a curto prazo. Eu entendo que quando você diz “tradicional” você quer dizer editores, jornalistas que usam apenas a palavra como ferramenta. Acho que devemos voltar à especialização: o jornalista que escreve, o fotojornalista, o designer editorial, o artista de computação gráfica, o videomaker, o programador. “Quem muito abarca pouco aperta”. O profissional que se vê obrigado a realizar várias tarefas simultaneamente, como escrever e gravar um vídeo, inevitavelmente verá a qualidade do texto e da gravação reduzida. Pode ser divertido conhecer um pouco de tudo e muito de nada, mas para a qualidade é necessário, para mim, a profundidade e a especialização.

A coluna de Serra na revista “Papel”, do jornal “El Mundo”

Na sua opinião, quais são as revistas ou infográficos que se destacam atualmente?

Por alguns meses eu não trabalho na produção diária na redação de um jornal. Estou focado quase exclusivamente no meu trabalho mais pessoal, fora da agenda jornalística. Estou no limite entre o jornalismo e as práticas artísticas. Para a produção do meu trabalho atual, não é necessário que eu me mantenha informado sobre o que está acontecendo no mundo, que, na verdade, me preocupo cada vez menos. Se a isso for acrescentado que a mídia, seja no papel, na internet ou na televisão, faz um trabalho medíocre, você entenderá o porquê. Eu não tenho televisão, folheio jornal no bar ou na sala de espera, não ouço rádio e dificilmente visito os portais da mídia. Não posso ter, portanto, uma visão de que meios oferecem qualidade no dia a dia. Os meios que se destacam eu conheço pelos trabalhos destacados e não o contrário. Sei que a National Geographic está fazendo excelentes gráficos — como sempre -, porque conheço o trabalho do Alberto Lucas. Ou seja, não conheço o trabalho do Alberto por ler a revista mensalmente. Portanto, eu não posso indicar qualquer material, publicações ou profissionais, vinculado atualmente à midia.

Mas, cada vez mais há nomes fora do jornalismo que podem ser interessantes para a infografia jornalística. Veja, por favor, o trabalho do Mark Lombardi.

A estrutura narrativa de Mark Lombardi, sugestão de Jaime Serra

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