Kinetic Novel, Visual Novel & Storytelling: Review de Eden* e histórias que reverberam

Felipe Massahiro
Nerd / Articles
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6 min readJun 28, 2015
“Neste silencioso planeta que chega ao fim… Estou experimentando meu primeiro e último amor“

Já fazem algumas horas que terminei Eden* da empresa Minori. Era cerca de 3 horas da manhã quando fiquei encarando a tela inicial do jogo, após os créditos rolarem, enxugando as lágrimas que não paravam de escorrer. Eden* me lembrou uma coisa muito importante no universo dos jogos, algo que no decorrer dessas 2 semanas eu não sentia faziam anos: sentimentos.

Todo gamer ou pelo menos quem jogou muito durante a infância tem um jogo especial. Aquele jogo que marca algum instante especial na vida. Não importa o gênero, mas sim o sentimento que ele proporcionou em um instante de nosso passado.

Porém, acredito que existam também jogos que marcam a vida das pessoas e esses são normalmente destacados por uma história muito forte. Uma história que reverbera ao longo da vida, muitos e muitos anos após terminá-lo.

Quando finalizei Eden* eu queria logo em seguida escrever um review, mas haviam 2 problemas: o primeiro que eu não conseguia parar de pensar na história, cada momento que passei no jogo, o que me levava ao segundo problema, se eu não estava limpando as lágrimas, estava tão profundamente envolvido com os sentimentos que aqueles momentos me proporcionaram que não conseguiria ser mais analítico.

Ainda não consigo. Por isso achei melhor escrever um artigo que misturasse um pouco de um review com um pouco do que re-descobri com o jogo. Mesmo agora, só de pensar certos instantes me causa um arrepio e uma profunda melancolia. E isso é maravilhoso.

Mais do que ação, a mecânica, a arte ou o som, acredito que essas coisas fazem um jogo influente e importante, pode até marcar uma época, mas acredito que para fazê-lo ser eterno, um dos requisitos mais importantes — senão o mais importante — seja a história. Lembro-me ainda de como Crono encontra ao acaso Marle em um festival e viaja pelo tempo para salvar não apenas a sua amiga, mas dar um futuro ao mundo, isso em Chrono Trigger.

Lembro-me de como, após horas e horas de aventura, Kid faz uma promessa a Sarge que iria encontrá-lo em Chrono Cross. Ainda consigo sentir a madrugada gelada em que ajudava o ex-detetive Kyle Hyde a encontrar seu amigo desaparecido em Hotel Dusk, ou ainda o choque que senti quando Aeris (Aerith no japonês) é apunhala-da pelas costas deixando seu desejo de proteger o mundo em Final Fantasy 7.

Do coração frio de Squall que aos poucos se aquece com Rinoa em Final Fantasy 8. Mais recentemente, ainda sinto uma profunda ternura com a história de To The Moon, uma inquieta contemplação pelo final do terceiro episódio de Life is Strange. Ainda mais famoso, quem não se surpreendeu com a história de The Last of Us ou a jornada de Jodie em Beyond Two Souls? Até mesmo a jornada dimensional e temporal onde sempre há um homem e sempre há uma cidade. Não há como não se encantar com Elizabeth e Booker de Bioshock Infinite.

São apenas alguns dos títulos que consigo me recordar da história, dos sentimentos que cada uma delas despertaram do começo ao fim, mesmo após tantos anos depois de terminá-los. Todos possuem uma coisa em comum: história. Mas não são apenas as histórias ricas, são histórias que reverberam, que despertam sentimento e reflexão, que deixam sua marca, não na história dos jogos, mas sim nas vidas de quem os joga.

Eden* é uma dessas histórias. Acho que poderia resumi-lo com uma única frase: “A última história de amor do nosso planeta.”

Situado nos momentos finais do planeta terra, Ryou, um exímio soldado, é incumbido de proteger a garota responsável por salvar a raça humana enviando-os para o espaço. Contudo, ela não é uma garota comum, ela é uma Felix, humanos geneticamente modificados para serem mais inteligentes e que vivem mais de 100 anos.

Além de uma tenra história, Eden* surpreende com sua arte maravilhosa e uma trilha sonora que, apesar de simples, se encaixa perfeitamente com o cenário e o clima, dando uma profundidade ainda maior para cada momento. Mas não é só isso. Eden* segue a linha dos Kinetic Novels, diferente de um Visual Novel.

Visual Novels (VN)são jogos de arte mais estática, com pouca ou nenhuma animação, são carregados de textos e o jogador pode escolher muitas opções para onde seguir, fazendo o rumo da história mudar de acordo com suas ações. O gênero Visual Novel pode lembrar um pouco adventures, no entanto não há tanta exploração e o foco central é com a história e os caminhos que se pode fazer através das escolhas no diálogo. Resumindo, seria como um livro interativo visual.

Um Kinetic Novel(KN) possui as mesmas características básicas, arte animada ou não, carregado de texto, contudo não há escolhas ou caminhos, a história é estática. Talvez um Kinetic Novel não seja considerado um jogo já que a interação é avançar diálogos, mas acredito que não é esse o caso.

Eden* e o gênero KN, são jogos.

Eu vejo o jogo como uma mídia que proporciona o storytelling, e nesse aspecto, Eden* não é diferente de ouvir histórias dos bardos em uma taverna, ler um livro ou assistir a um filme. Mas o passo é ditado, na maioria das vezes, na minha velocidade.

Outra vantagem que vejo nos Kinetic e Visual Novels é que posso me concentrar inteiramente na história. É verdadeiramente um meio de puro storytelling.

Abertura de Eden*

Queria falar mais um pouco sobre Eden*, mas além da breve sinopse, de uma música que proporciona uma ambientação perfeita, a arte maravilhosa e uma dublagem perfeita, se contasse mais da história seria como arruinar uma obra de arte. Ainda assim, de muitos títulos do gênero, Eden* é bastante extenso, possui cerca de 15 horas caso o jogador ouça todos os diálogos.

Talvez esse também seja um dos motivos por não querer fazer ainda um review exclusivo do jogo.

No fim, vejo Eden* não como apenas um jogo, mas como uma peça de arte que mexe com os sentimentos e consegue uma marca na vida das pessoas. São histórias de jogos como esses, não apenas dentro dos VN ou KN, que reverberam, que deixam uma impressão, que dura por muitos anos, senão para o resto da vida. Eu me recordo vagamente de professores, professoras e colegas com que estudei no ensino fundamental. Ainda pior, eu não lembro de muita coisa do colégio, de serviços anteriores e até mesmo de muitos jogos, mas, assim como os livros, alguns jogos permanecem entalhados em minhas memórias, possivelmente para o resto da minha vida. Tudo isso graças a histórias maravilhosas.

Em um mercado onde sempre irá existir um jogo de ação, um jogo de aventura, ou quaisquer que sejam franquias e grandes títulos, mesmo estes com histórias fantásticas que uma infinidade de pessoas irá jogar, haverá sempre pequenas jóias que cintilam no olhar das pessoas que sabem onde ver. Os Visual Novels e os Kinetic Novels podem ser engraçados, muitos deles curtos e elaborados com grande simplicidade, outros trazem lágrimas de tristeza, melancolia ou até uma profunda sensação de ternura, muitos incendeiam sentimentos que marcam para sempre uma vida.

No fim, tudo se resume a uma boa história que, para muito além de levar o entretenimento para os jogadores, esses pequenos títulos escondidos entre o oceano de gigantes, pelas poucas pessoas que passam, conseguem para sempre ficar nas lembranças.

“Viver nos corações que deixamos para trás, isso não é morrer” — Thomas Campbell

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Felipe Massahiro
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Jogador compulsivo, escritor obcecado, amante perturbado da literatura e jornalista de vez em quando.