Review — Life is Strange (Episódios 1–3)

Felipe Massahiro
Nerd / Articles
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5 min readJun 19, 2015

Acabei de terminar o terceiro episódio de Life is Strange e ainda não sei como começar esse review. Eu acho que se precisasse tirar uma lição do jogo até agora é de que toda a escolha tem uma consequência. Não é boa, não é ruim, é uma consequência. O que parece ser bom no primeiro instante, desencadeia consequências ruins, o que é ruim, pode ser bom. Não há como saber. Lembro-me de uma fala que um colega me disse uma vez, que ele ouviu do professor de administração dele: “As soluções de hoje, são os problemas de amanhã”. Acho que isso é Life is Strange.

Quando falamos de jogos de adventure atuais, logo lembramos de empresas como a Quantic Dream (Heavy Rain, Beyound, Indigo Prophecy, Omikron) e a TellTale (The Walking Dead, Game of Thrones, Sam and Max, etc). A Dontnod, adotada pela Square-Enix, reuniu o melhor dessas duas gigantes para produzir uma obra maravilhosa.

Life is Strange não apenas lembra um filme interativo, característico da Quantic Dream, como também trabalhou muito bem os episódios e ações de causa e efeito, muito presente nos jogos da TellTale. Contudo é aí que as semelhanças acabam. Life is Strange tem um charme próprio de beleza e poesia que traz um ar de melancolia pungente.

Estou me antecipando. Life is Strange conta a história de Max, uma garota com um grande potencial em fotografia que entrou em uma prestigiada faculdade de arte e ciências. Ah, e ela também tem o poder de voltar no tempo.

Essa habilidade permite que a Max possa voltar atrás em alguma decisão, assim é possível ver a reação de cada escolha antes de realmente escolher alguma coisa. Parece ser algo que facilita o jogo, mas acredite, não é. Quando não existem escolhas boas ou ruins, certas ou erradas, a coisa fica mais complexa, especialmente porque o poder é limitado apenas dentro de um contexto, passado esse momento, a ação escolhida fica para sempre, alterando a história.

Outra coisa interessante. Quando joguei The Walking Dead da TellTale, algumas escolhas eram intensas e que traziam consequências instantâneas para a história, outras pareciam levianas e que iriam alterar algo no futuro, o que acabava muitas vezes sendo apenas um dialogo a mais. Em Life is Strange a consequência das ações funcionam com o mesmo princípio, mas um pouco diferente. Escolhas intensas trazem influências não apenas instantâneas, mas para a história inteira e, em muitos casos, é possível sentir essa diferença. Decisões pequenas, como apagar um palavrão no quadro de um aluno, podem acarretar em importantes mudanças que vão de salvar a vida de alguém ou de conseguir a amizade dessa pessoa no futuro. Muitas decisões feitas em Life is Strange pesam a longo prazo e possuir a habilidade de voltar em uma decisão não ajuda tanto quanto parece.

Através dessas escolhas que se desenrola uma história nada menos que fantástica. Uma vez um professor de roteiro disse uma frase que acredito que qualquer escritor já leu ou ouviu: “Dizem que toda história já foi contada, o que muda é como se conta essas histórias”. Isso é uma pura verdade em Life is Strange. A Dontnod trabalha com clichés muito utilizados, inspirando-se desde a mecânica da Quantic Dream, TellTale, Prince of Persia: Sands of Time, até estruturas narrativas de obras como Efeito Borboleta, X-Files, Lost e autores como Stephen King, Murakami e Otsuichi. As influências são muitas e todas positivas, trabalhadas de uma forma que criou uma coisa única que é a história do jogo.

Cada momento é cuidadosamente trabalhado, desde o posicionamento das câmeras até a música.

Os problemas comuns dos adolescentes entrando em uma universidade/faculdade, bullying, a sexualidade, amizades esquecidas, os problemas cotidianos, tudo se mistura com uma pitada de mistério e o sobrenatural. Jogar Life is Strange é como vivenciar a uma série de TV de drama, enriquecida e refinada do melhor do romance e mistério.

Por outro lado, os puzzles são simples e utilizam em sua maioria os poderes de voltar no tempo de Max, o que faz alguns deles bastante interessantes. Em alguns casos é necessário até uma certa criatividade para solucioná-los. Há momentos, também, em que o puzzle é estranho, por exemplo quando Chloe, amiga de Max, pede para encontrar algumas garrafas para que ela possa atirar nelas. Procurei pelo ferro velho por alguns minutos pensando “que coisa inútil,” mas reparei, depois de alguns eventos, que essa forma de puzzles se misturam com a história de uma forma bem interessante. É como uma brincadeira cotidiana para as duas amigas, essa trivialidade colocada em forma de puzzle é legal, mesmo porque nada é rotineiro na vida de Max, e logo a futilidade de recolher garrafas para alvo torna-se uma decisão de vida ou morte. Outro puzzle que me chamou bastante a atenção, foi utilizar as habilidades de Max para conversação. É possível conversar com alguém que esconde um segredo, ele comete um deslize e menciona algo interessante, mas não completa e vai embora. Max pode voltar no tempo e usar essa informação contra a própria pessoa. Isso possibilita ângulos muito interessantes em solucionar alguns problemas e se aprofundar na história, até quanto se é possível sem que alguém o odeie muito.

São esses pequenos momentos, somado a uma maestria narrativa em utilizar clichés já bastante utilizados, que fazem de Life is Strange algo muito especial, pois não apenas é possível nos identificar com os diversos personagens, mas com a vida de cada um deles, seus problemas, suas angustias, sua rotina e o desejo de uma mudança que nunca acontece. É uma angústia que sofre reviravoltas, altos e baixos que no fundo, sabemos, não vai melhorar, mas há um pouquinho de esperança que nos atemos para continuar seguindo em frente.

Contudo, não é apenas de uma excelente mecânica e história que faz Life is Strange ser meu atual adventure favorito. Muito além dos cliff hanger, muito mais que personagens vivos com diálogos muito bem escritos — em sua maioria, mas há ocasiões em que o cliché fica exagerado e a conversa artificial demais — e para além de cenários, posicionamento de câmera e arte dignos do cinema, o jogo possui uma das trilhas sonoras mais bem colocadas e selecionadas que eu já vi. Cada som é muito bem colocado e em alguns instantes a diegese é tão bem utilizada que combina com o humor, o sentimento e a situação que transparece naquele instante em que a música é ouvida pelos personagens.

Trailer oficial do jogo

É possível ver o porquê do sucesso de Life is Strange. Cada elemento do jogo parece ter sido cuidadosamente criado e colocado pelos produtores, criando uma experiência de beleza e poesia únicas. Jogos como Life is Strange mostram que há muita história para ser contada nos clichés, muito mais inspirações que podem ser tiradas de mestres da animação, literatura, cinema e dos jogos, basta apenas um ângulo certo. Definitivamente o título entra para os meus favoritos.

O impacto do jogo é tão cativante e inspirador, de tamanha identificação com o público que na página oficial do título é possível encontrar uma lista de assistências para que as pessoas possam conversar com alguém sobre bullying, algo bastante trabalhado na história de Life is Strange.

Life is Strange está disponível para PC através do serviço Steam, PS3, PS4, Xbox 360 e Xbox one.

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Felipe Massahiro
Nerd / Articles

Jogador compulsivo, escritor obcecado, amante perturbado da literatura e jornalista de vez em quando.