Capacitismo e psicofobia: o que isso tem a ver com condições invisíveis, doenças crônicas e autoimunes?

“Esmague o capacitismo”

Capacitismo “é um termo utilizado para descrever a discriminação, opressão e abuso advindos da noção de que pessoas com deficiência são inferiores às pessoas sem deficiência”.

Psicofobia “é o preconceito contra as pessoas que têm transtornos e deficiências mentais”.

Condições invisíveis “são aquelas que não apresentam sintomas aparentes ou sua aparência não demonstra a gravidade da doença”.

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Toda semana é a mesma coisa: uma rotina maluca de acompanhamento médico, cuidado com a saúde, exposição constante à violência e a sensação persistente de fracasso.

Tá melhor?

Nunca sei como responder à esta pergunta. Quando passo por crises mais incapacitantes sempre tem alguém pra perguntar se eu “melhorei”. A resposta correta seria: não, não tem como eu melhorar. Mas acho que isso ia ferir mais do que ajudar então respondo o que acho conveniente na hora. Mas sempre fico com esse questionamento: será que estou melhorando?

Mas não faz sentido falar em melhora quando temos condições limitantes, doenças crônicas e auto imunes. O que a gente faz é aprender a reconhecer e diminuir os gatilhos, administrar as crises e buscar hábitos mais saudáveis adaptados às nossas condições.

E aí já começa o primeiro ponto, nem tudo que é “saudável” pra um é saudável pros outros. Nem tudo que é saudável hoje é saudável amanhã, e assim vai.

Ah mas você já tentou mudar alimentação? Então quando digo que é cronico é que não vai mudar, serião, mesmo com a melhor alimentação do mundo.

Por exemplo eu preciso ter uma dieta rica em fibras para não deixar meu colesterol aumentar (coisa de família), mas não posso exagerar pois isso pode atrapalhar o funcionamento do meu intestino que é sensível pro conta da síndrome do intestino irritável, associada à doenças autoimunes. Fibra demais significa diarreia, que significa que vou absorver menos nutrientes, que significa ter a imunidade minada e ficar doente por qualquer coisa. Logo nem sempre tanta fibra é assim tão saudável, preciso acompanhar a quantidade que seja adequada para minha dieta e estilo de vida… Complicado né? Este é só um exemplo, eu eu tenho vários deles, e várias pessoas com condições das quais eu listei tem também.

É bastante comum também as pessoas diminuírem o que a gente diz quando tem condições graves…

Ah mas será que não é só psicossomático?

Essa pergunta geralmente vem num tom de que o que temos não deve ser tão complicado assim. Gente… a simples consciência disso, um passe, uma benção, ou um chá de camomila não vai resolver meu problema, vai por mim. Mesmo quando temos gatilhos psicológicos e traumas precisamos ainda de tratamento físico e as vezes de remédios psiquiátricos e acompanhamento psicológico.

Será que não é estresse? CERTEZA que isso é por conta da ansiedade…

Sabe o que me estressa? Ter que lidar com ignorância. Ainda na linha anterior se o estresse está gerando condições físicas tem alguma coisa errada né? Já é um puta desgaste ter que lidar com toda correria em busca de tratamento e ainda temos que escutar dessas.

Ah mas você faz exercícios? E meditação?

Se vocês soubessem quantas cosais eu já tentei… Quero morrer também com os meditadores de plantão que receitam meditação até pra apendicite.

Mas eu tenho isso e não é tão grave comigo, nunca tive esses sintomas?

Sério? que bom PARA VOCÊ.

Um extremo que também desanima é da galera que presume que a qualquer momento você vai ter um sincope… existem condições que podem mesmo provocar isso, e pessoas com essas condições costumam estar preparadas pra lidar com essa situação. Quem trata a gente como incapaz sem tentar se inteirar das nossas limitações, que olham com dó, etc. Na verdade estão seno violentos conosco. Isso também desgasta muito.

Nossa Mas será que você não está exagerando?

Gente peço desculpas mas estou muito de saco cheio. Tenho que ter paciência, estudar um monte, correr atras das minhas coisas e me educar por mim e por todo mundo a minha volta (inclusive profissionais de saúde) e isso é exaustivo demais.

Tipo eu entendo que não vai ser todo mundo que vai entender tudo das minhas condições, mas a partir do momento q eu começo a falar delas e compartilhar informações e ninguém fazer o minimo esforço, isso dá uma preguiça enorme.

E tipo normal, todo mundo escorrega porque nossa sociedade é capacitista e psicofóbica mas eu fico de cara com o tamanho da naturalização desse tipo de violência e da dificuldade em simplesmente perguntar pra gente como a gente se sente com relação a isso, o que precisamos de apoio, etc.

Pessoas com doenças crônicas passam por violências muito similares às de pessoas com deficiência. São diversos abusos diários que temos que conviver por não atender o que as pessoas entendem como “normal” e “saudável”. Desde a culpabilização e visibilização das nossas condições até violências mais direcionadas e até físicas por falta de etnendimento das nossas limitações.

Outro ponto que tem me feito refletir muito sobre é o como a cultura no Brasil trata doenças sérias como a hipocondria como piada. Sofri bullying e ainda peno na mão até de médicos e amigos próximos por conta desse preconceito… Já presumiram que eu tinha essa condição por andar com remédios n abolsa, ir com frequência no médico ou buscar atendimento de emergência quando eu preciso??? Já ouvi tanto absurdo com relação à isso que atrapalhou o diagnostico de uma série de condições que eu tenho pois eu ficava me questionando sobre meus sintomas o tempo todo. Cheguei a até a pressionar minha psicologa sobre a probabilidade de ser hipocondríaca.

Me pergunto que tipo de apoio pessoas com hipocondria tem de fato. Se é assim uma condição tão comum deveriam existir vários tipos de apoio e tratamento certo???

E fico imaginando quão desafiador deve ser viver com essas condições sem todas informações que eu tenho, se eu já passo muito perrengue pra conseguir um tratamento de saúde decente imagina uma pessoa em crise quão confusa deve ficar sobre a própria situação.

Fora todo o trabalho burocrático pra conseguir acesso à saúde... e nem estou falando do quão caro e inacessível é pra muita gente. Mesmo quando acessamos isso é tanta burocracia para a gente conseguir diagnóstico e tratamento que muita gente desiste no meio do caminho e acaba vivendo de recomendação de pronto socorro. Já falei mal deles inclusive em vários textos aqui e nas redes sociais.

Eu acho engraçado que os profissionais de saúde agem demais de acordo com fluxogramas e porcentagens e esquecem que estão lidando com o caos da biologia na frente deles… tipo não é porque a maioria das pessoas que você atendeu tem o mesmo problema que todos vão ter, não é porque uma condição é considerada rara que você não vai encarar ela alguma hora, não é porque você ouviu dizer que algo é daquele jeito que os estudos mais recentes vão corroborar com isso, não é porque a pessoa não apresentou um dos sintomas mais comuns que a hipótese pode ser sempre descartada, não é porque você não tem todas respostas q você pode escolher uma ao acaso, etc.

E se os profissionais de saúde são assim imagina como fica a população geral? se eu ganhasse uma moeda pra cada conselho sem noção que eu já recebi…

As vezes eu compartilho algumas coisas nas redes sociais e brota gente tentando me ajudar sem eu ter pedido, ou quando eu peço ajuda a pessoa age como se eu devesse à ela lidar com o jeito que ela achava mais apropriado e pronto. Vejam, não há problema em tentar ajudar mas a maneira com que você faz isso faz toda diferença.

Ah então como podemos melhorar?

  • Antes de indicar um tratamento pra alguém pergunte se ela já tentou, como foram os resultados e /ou se ela acha que pode ser uma boa ideia.
  • Não fiquem cobrando o “Status” de saúde toda hora. Geralmente essas condições costumam variar muito. E a cobrança por “melhora” só nos deixa mais culpados.
  • Tente nunca inferir que qualquer pessoa precisa da sua ajuda, pergunte pra apessoa SE ela precisa e COMO ajudar.
  • Nenhuma pessoa sabe mais sobre a condição de alguém do que ela mesma (se ela tiver como ter consciência do que esta rolando obviamente). Familiares de pessoas com deficiência e doenças crônicas, por exemplo, adoram agir como se soubessem mais da dificuldade daquela pessoa do que ela mesma. Pesquisadores então…
  • Se a pessoa com que você convive sofre com uma doença crônica busque se informar e não apenas com ela sobre como essa condição funciona.
  • Respeite os limites da pessoa, nem todo mundo consegue fazer as coisas no nosso tempo, nem todo mundo quer se submeter a certos tratamentos, isso também é sobre autonomia dos corpos.
  • Contribua para espalhar informação e apoie a luta de pessoas com deficiência e doenças crônicas.
  • Evite piadas e expressões capacitistas e psicofobicas.
  • Lembre que limitação física não é falta de esforço, doença mental não é falta de caráter e nada disso é falta de fé.
  • Também observe seus próprios limites e não passe a mão na cabeça da pessoa se ela estiver te ferindo ou se prejudicando.
  • Aprenda a ouvir desabafos sem querer dar sua solução pra tudo.
  • Normalizem a ideia de que ter uma doença/condição crônica ou invisível é comum e aceitável. .. a maior parte das pessoas tem alguma. Em muitos casos pode passar desapercebido e sem precisar de uma atenção séria a vida toda mas em algum momento isso pode ser uma questão e faz parte.
  • Ter condições crônicas fazem parte sim da velhice, mas isso não precisa ser limitante.
  • Aliás normalizem a velhice, envelhecer não é algo negativo, é um processo natural e inevitável.
  • Algo que pode ser desafiador para você pode não ser para outra pessoa (odeio quando a pessoa começa a dissertar sobre como é horrível para ela a ideia de ter q tomar muito remédio e ir sempre no medico, por exemplo… tipo problema seu pra resolver na terapia. Essa é a forma que eu sempre vivi e seria mais leve se as pessoas fossem mais empáticas com isso).
  • Parem de duvidar dos sintomas e da gravidade da situação das pessoas. E nem preciso dizer que pedir “provas” deles é o cúmulo do absurdo né?
  • E alguns momentos você pode não entender o que a pessoa precisa, o motivo dela precisar de algo ou como funciona a condição da pessoa. Mas o remédio para isso é a informação, e não zombar daquilo que é diferente.
  • Parem de eleger pessoas com questão de saúde que melhoraram ou sobreviveram como heróis. Isso não faz bem pra pessoa, não faz bem pra outras pessoas com a mesma condição, nem pra familiares. Gera cobrança de todo mundo por condições e uma história de vida muito particular. Cada pessoa tem suas próprias batalhas para lutar.
  • Apoiem a busca por diagnóstico, laudo, conhecimento, e direitos das pessoas com essas condições. Nem sempre podemos fazer tudo isso por nós mesmos. E nesse sentido vocês podem ter muito mais condições que a gente.

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