Capacitismo e representatividade: possibilidades infinitas, resultados escassos

É possível “se colocar nos pés dos outros”? Imagem de Hans Braxmeier por Pixabay

Estou querendo muito escrever sobre capacitismo e também sobre representatividade. São dois assuntos extensos mas vou tentar dar uma resumida sobre o que tenho refletido nesses dois tópicos:

Primeiro: representatividade. Existem, a grosso modo, dois tipos de representatividade: a objetiva e a subjetiva. A primeira trata da representação fidedigna de grupos de pessoas, locais, histórias, dificuldades, etc. A segunda já trata mais de empatia, sentimentos íntimos, e aquela sensação de se sentir identificado mesmo sem saber explicar exatamente o motivo.

Eu como ativista e uma grande fã de produtos culturais populares sejam nerds ou não acabo consumindo muita coisa que se propõe a ser minimamente disruptiva. E constantemente busco uma representatividade objetiva de grupos marginalizados dos quais eu faço parte, e/ou conheço de perto ou não.

E o que encontro normalmente? pouquíssima representatividade objetiva, e as poucas vezes em que ela ocorre acaba não atendendo a representação subjetiva. Mas como isso? bem quando finalmente vejo uma mulher tomando uma posição de destaque, protagonismo e liderança, por exemplo, essa história é contada por um ponto de vista masculino. Pelo que os homens consideram como um comportamento aceitável de uma mulher nessa posição. Ou seja sua história é contada de uma forma em que uma mulher dificilmente ia se sentir confortável em viver, e busca muito mais agradar os homens e suas necessidades de consumo.

E o mesmo tipo de problema se repete com os escassos personagens de destaque negros representando ideias brancas de negritude, LGBTIs representando ideias hétero cis de diversidade sexual e de gênero, pessoas pobres representando ideias de ricos ou de classe média (isso esta tão internalizado que nem achei tão de bate pronto um link sobre), etc. Quando não ocorre um completo apagamento em adaptações de personagens diversos e eles acabaram ficando em segundo plano ou virando/sendo representados por brancos, héteros, cis, etc.

Bem, não faltam exemplos e não vou me estender nisso. Mas vou dizer que isso é tão massificado que as vezes as pessoas tem dificuldade de entender que as pessoas que fazem parte desses grupos não agem como os personagens ou não vivem a realidade que vemos nas séries, desenhos, novelas, filmes, etc.

Sendo isso já um absurdo, mais complicado ainda é tentar debater sobre a gravidade dessa realidade. Ainda mais quando fazemos críticas a obras que são bem aceitas pelo público. Ou pior ainda as reações mais acaloradas ocorrem quando alguém/alguéns se recusam a ver esse tipo de material.

Já me acostumei a ser “radical” desse tanto com uma ou outra obra que não acredito que vão me prender atenção ou que simplesmente não quero dar nenhum tipo de crédito (nem negativo) aos criadores. Sinceramente tem algumas coisas que já vi ou tive contato com a divulgação que eu gostaria de simplesmente caísse no esquecimento de tanta vergonha alheia que me causam.

Dito isso dá pra imaginar porque que cada vez mais as pessoas que não fazem parte de grupos hegemônicos têm reivindicado a criação e promoção de produções criadas, dirigidas, representadas e compostas por pessoas que podem contar essas histórias com mais propriedade e verossimilhança.

Agora vamos ao segundo assunto: Capacitismo. Preconceito ou discriminação contra pessoas com deficiência. Ou seja, contra aqueles que não conseguem ou não são vistos como hábeis/capazes de realizar algumas tarefas que pessoas sem deficiência conseguiriam ou ao menos deveriam teoricamente conseguir fazer com facilidade.

A definição pode ter parecido meio vaga mas a verdade é que se trata de um tipo de preconceito bem amplo e pouco discutido. Se aplica a situações vivenciadas por pessoas com quaisquer deficiências físicas, psicológicas e até com outros tipos de limitações como pessoas com doenças crônicas ou auto imunes (não tem muito material desse tipo de discussão em português mas já encontrei alguns artigos de fora falando sobre essas aproximações). Todas essas pessoas tem de buscar constantemente se adequar a um mundo que foi pensado apenas para as pessoas que são consideradas completamente “hábeis” ou “capazes”.

O motivo de tantas aspas? Quando falamos de surdez por exemplo, já ouvi dados sobre um grande número de população ser surda no país. As libras são consideradas o segundo idioma oficial no Brasil. E bem vocês aprenderam a se comunicar com ela na escola? Pois eu não, e sei que boa parte da população também. Já pensaram que uma parte significativa dos problemas desse enorme grupo de pessoas se resolveria se a gente também absorvesse na nossa cultura essa forma de dialogar? E que surdez pode não ser atrelada a nenhum tipo de doença a ser curada? Que são apenas pessoas que se comunicam de uma forma diferente?

As dificuldades encontradas por pessoas com deficiência dizem muito mais sobre o quão discriminatória é nossa sociedade do que sobre limitações de fato. E a raridade da representação dos desafios dessas pessoas nos produtos culturais demonstra o quanto ainda temos que evoluir em debate e nas lutas que nos engajamos.

Dito isso, e já fazendo um mea culpa com mil ressalvas sobre as limitações de representação objetiva (ja que os atores principais não possuem as condições que retratam)e subjetiva, além da postura de exploração/cooptação de pautas do ativismo pela Netflix queria recomendar muito que todos vissem as séries Special e Atypical da Netflix. A primeira trata de um personagem gay que tem paralisia cerebral e a segunda de um personagem com autismo. Nas duas há uma certa preocupação em demonstrar de forma mais realista os desafios enfrentados no cotidiano, seja em casa, na escola, no trabalho ou na família por pessoas que vivem com essas condições. Já que outras obras criadas sobre o tema beiram o fantástico de tão irreais.

Enquanto uma pessoa com diversos diagnósticos de doenças crônicas, autoimunes e de limitações de saúde física e mental (tema para um próximo post) me senti representada em diversos desafios que os personagens dessas séries tem de enfrentar. E tive uma esperançazinha de que possamos aproveitar o gancho para ampliar o debate. Inclusive sobre múltiplas condições que geram preconceito e podem se manifestar em uma mesma pessoa.

E este foi meu primeiro passo trazendo o debate. E vocês, já pararam pra refletir sobre capacitismo e representatividade?

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