Doenças crônicas, autoimunes, raras e raríssimas: Uma jornada na luta por saúde e qualidade de vida

Segura que lá vem textão.

Imagem de Steve Buissinne por Pixabay

Parte 1- Histórico e diagnósticos

Essa história começa antes de eu me dar conta de mim mesma. Depois de uma gestação compartilhada com um mioma, fui desenganada quando nasci.

Muito pequena e de aspecto frágil, gerava medo em quem me pegava no colo. Achavam que eu ia quebrar a qualquer momento e pediram para minha mãe não se apegar a mim pois acreditavam que eu morreria ainda na infância. Me desenganaram mais algumas vezes depois. Superei expectativas e estou aí a mais de 30 anos arrumando altas confusões, só que sem conseguir me desvencilhar de um cuidado constante com a minha saúde.

Já tive tantas doenças que teria que me esforçar muito pra relembrar tudo. Tenho umas teorias também pra tanta coisa acontecer comigo: nasci e cresci em uma periferia de cidade grande, de cesária e filha de uma mãe fumante de saúde sensível que não terminou o ensino fundamental e um pai idoso analfabeto. Tenho ascendência super miscigenada de povos bastante pobres e vulneráveis. Não pude ser amamentada, cresci em casas humildes cheias de mofo e material em construção, me locomovendo em estradas com ar muito poluído. Tive uma adolescência sedentária, cheia de maus hábitos e extremamente estressante. uma vida marcada por eventos traumáticos. E como costumo dizer: já adulta as custas de suor e sangue consegui ascender de classe.

Todos esses fatores influenciam negativamente na imunidade. Eles em conjunto causam um conjunto de danos que pode seguir por gerações.

Hoje fazendo parte da classe média não consigo me enxergar como alguém que compartilha de boa parte dos privilégios desse grupo. Ascender socialmente gera custos constantes muito altos, e se manter nesse patamar quando sua família “ficou pra trás” também. Nesse momento político e sócio-econômico então…

Daí que eu cresci acostumada com a rotina constante de ter que pensar na minha saúde o TEMPO TODO. Isso mesmo, não passa uma manhã, tarde ou noite que eu não tenha que me preocupar com algo relacionado a isso. Difícil passar uma semana sem entrar em conflitos por conta disso. Na real essa rotina começou com as crises alérgicas, inflamações e infecções constantes na infância e com a minha mãe batendo boca com médicos que ignoravam meu histórico e conhecimento dela sobre mim. E até hoje não tive férias dessas tretas. Pelo contrário, a medida que eu envelheço acumulo mais CIDs.

Rinite alérgica grave, rinosinusite, estrabismo leve e falta de convergência, faringoamigdalite de repetição, labirintite, enxaqueca, gastrite e refluxo, tendinites, síndrome do túnel do carpo, ATM, ovário policístico, endometriose, insônia, transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), fibromialgia, intolerância a lactose, colesterol e triglicerídeos altos, hematúria crônica, prolapso da válvula mitral, hipoglicemia… Só pra citar as doenças e condições crônicas com as quais eu tenho que conviver com as limitações todos os dias. Difícil conhecer quem saiba algo sobre todas elas.

Fora estas tive algumas condições agudas raras: tireoidite de quervain depois de uma caxumba tardia, dermatofibroma no braço que demandou uma pequena cirurgia, alguma doença muito parecida com toxoplasmose na infância (peguei de um gato de rua e minha família não lembra o nome) e uma raríssima: um schwannoma no sistema digestivo que demandou uma cirurgia pra retirada parcial do estômago.

Isso tudo fora as suspeitas não diagnosticadas.

Bem neste ponto do texto imagino que vocês possam ter as seguintes reações:

  1. Essa menina é hipocondríaca;
  2. Que dó, tão novinha…;
  3. Falta de fé e deus no coração;
  4. Que corajosa, olha essa história de superação;
  5. Que azar!
  6. Mentira. Não pode ser.

Sim, já ouvi todas elas diversas vezes. Quem um dia quiser me visitar tenho exames comprovando tudo (alias ainda preciso dar um jeito de guardar melhor tanto papel). Dispenso pêsames e condolências e tão pouco acredito que esse acúmulo me faça alguém digna de nota. A verdade é que uma coisa foi levando a outra e acaba que tenho um autoconhecimento da minha saúde física e mental acima da média, pois desde cedo tive que me engajar no autocuidado e na investigação constante da evolução dessas condições todas.

Sim, sou uma sobrevivente engajada no meu bem estar, e a despeito de tudo isso, inclusive de muitas violências que passei por essas condições todas, continuo na batalha contrariando as expectativas de profissionais de saúde de práticas ocidentais. E bem… minha história e a história da minha família e amigos não têm só desventuras. A verdade é que aprendi a batalhar muito cedo e tive muita ajuda.

Mas o propósito desde texto não é motivacional. É crítico e informativo.

Escrevo aqui pra lembrar que existem muitas pessoas com histórias parecidas por aí, algumas mascaram ou ignoram as condições que têm e outras não têm ou não tiveram condição de buscar (armazenar e refletir) tanta coisa sobre si.

Nos momentos de indignação e exaustão outros amigos cheios em condições parecidas me lembram as vezes que a verdade é que apesar de cansativo, correr atrás de cuidado e diagnóstico vale a pena. Pra quem está em uma situação parecida estou aqui para lembrar vocês também.

Imagem de rawpixel por Pixabay

Parte 2: Discutir com profissionais de saúde e desafiar protocolos — quase um esporte

Interrogar e bater boca com médicos e enfermeiros, manipular de técnicos administrativos, burlar regras e orientações, insistir em diagnósticos mais precisos, gastar horas se dedicando a leitura, pesquisa e burocracia para ter acesso a cuidados específicos, se arriscar tentando tratamentos experimentais (já leram bulas que falam apenas das reações adversas em outros mamíferos?), lidar com efeitos adversos não mapeados de curto e longo prazo… Costumo dizer que é preciso ter saúde pra ficar doente nesse país.

Pelo SUS ou por planos de saúde, e as vezes até em consultas e exames particulares, é preciso um esforço constante pra ter acesso ao devido tratamento e acompanhamento de doenças e condições crônicas. Quando se fala de doenças autoimunes então…

Tenho que lidar diariamente com um sistema de saúde engessado, desatualizado, desigual, inconstante e cheio de preconceitos e senso comum. Isso me expõe a diversas discriminações, descaso e violências. As vezes intencionais inclusive.

Meu histórico obriga muitas pessoas a terem que sair da zona de conforto para me dar atenção e cuidado. Isso mexe com o ego de profissionais reconhecidos por sua arrogância. Tive que aprender a ser teimosa e não me satisfazer com qualquer resposta. Manter uma postura firme, ler muito, buscar segundas e terceiras opiniões, desafiar a lógica da ciência ocidental moderna, ir atrás de tratamentos alternativos, mudanças de estilo de vida e não me contentar com dor e sofrimento desnecessários.

E isso tudo estressa, desgasta, limita minha rotina em níveis difíceis de descrever mas também que traz uma qualidade de vida impensável para alguém com tantas condições complexas sobrepostas. E claro que isso tudo também é bastante desafiador. Para mim, para minha família, para meus amigos e pessoas que se relacionam de forma romântica e sexualmente comigo (pra colocar uma cereja no bolo ainda sou bissexual e não monogâmica, a saúde não está preparada para lidar conosco).

Mas não tem jeito, é viver na luta e lidar com crises de vez em quando ou viver sofrendo. E não consigo me conformar com a segunda opção, não sem buscar alternativas.

Imagem de Arek Socha por Pixabay

Parte 3: Me empoderando e tomando as rédeas da minha rotina: uma maratona cheia de obstáculos

Tive meu primeiro plano de saúde quando estava terminando a faculdade. Na época tinha crises alérgicas constantes que geravam diversas inflamações e infecções recorrentes além de sofrer com efeitos bizarros gerados por variações hormonais extremas. A gastrite que começou aguda aos 15 (ainda na época do vestibular) virou crônica.

Fora as dores inexplicáveis e incapacitantes das crises de enxaqueca (que começaram aos 12), ovários policísticos (um cisto foi descoberto aos 16, a condição toda só depois dos 20) e endometriose (diagnosticada por descarte aos ~22 mais ou menos). Tinham ainda as crises de estresse e variação de humor geradas pela privação de sono (minha insônia crônica começou quando eu era ainda bebê, ter de atravessar a cidade com duas horas de trânsito na ida e na volta todo dia pra trabalhar e estudar não ajudou), ansiedade (que só fui entender mesmo a extensão e gravidade da minha condição lá pelos 30) e hiperatividade (da qual falam desde a minha infância).

Foi aí que eu comecei por conta a correria toda pra entender o que estava acontecendo comigo e buscar tratar tudo isso de forma mais sistemática. Dormia nas aulas com slides por efeito dos remédios, arrumei briga por conta do bullying que começou no colégio e parecia não ter fim mesmo na faculdade (em sua maioria por conta da minha condição de saúde física e mental ser tão “desviante”), comecei a gastar mais de um terço do meu salário com tratamentos (o que ainda não mudou totalmente, só foco mais hoje no preventivo), passei a ouvir de fato as críticas ao meu estilo de vida e buscar alternativas a despeito de críticas sem sentido sobre eu dar atenção demais a essas coisas, comecei a me informar sobre as intersecções das minhas condições e tratamentos além dos efeitos a longo prazo, fiz um tratamento caríssimo de vacinas pra diminuir o efeito das alergias respiratórias… E passei a finalmente ver uma mudança significativa no impacto positivo disso tudo no meu cotidiano. E ainda que as vezes tivesse que enfrentar tratamentos instáveis, pouco efetivos e desconfortáveis continuei tentando.

Daí para frente foi um mergulho sem volta num oceano de informações pouco explorado.

Imagem de Couleur por Pixabay

Parte 4: Da homeopatia e de volta pra ela — em busca por tratamentos alternativos e mudança de mentalidade

Tudo começou em 2011 com um blog de uma pessoa que sofria com endometriose ( http://endometrioma.blogspot.com/ cuja autoria alias acabei de descobri que fez a mesma pós que eu! Serião fiquei emocionada agora, mas voltando…). Sua postura frente a doença me inspirou a investigar mais sobre o tema e sobre o efeito de mudança no estilo de vida para as diversas condições que eu tinha e eu viria a descobrir logo depois. Não por coincidência a autora acabou fazendo indo para o mesmo programa de pós que eu (ciência, tecnologia e sociedade), ou melhor eu fui atrás dela sem saber depois: haja interdisciplinaridade pra lidar com o tratamento de doenças crônicas. Falo mais dessa trajetória com outros detalhes aqui.

Nessa época trabalhei com informação em saúde e também conheci o ativismo feminista, os movimentos virtuais e presenciais por busca de direitos das mulheres e posteriormente das pessoas LGBT’s. Também descobri um câncer raríssimo no meu estômago e tive que correr atrás de fazer uma cirurgia. Aí não teve mais jeito. Minha vida virou de ponta cabeça.

Costumo dizer que se meu eu atual encontrasse meu eu adolescente não acreditaria de forma alguma no caminho que eu tomei: vegetariana? fazendo terapia, yoga e pilates? Tai chi-chuan? largando tudo pra ter uma vida mais tranquila no interior? Defendendo o SUS ? Fazendo acupuntura, aromaterapia, homeopatia, fitoterápicos, probióticos, tomando ayahuasca… como assim?

Claro que esse caminho não foi simples. Muito pelo contrário… passei por situações bastante traumáticas até entender que não tinha mais como voltar atrás. Que deixar de fazer exercícios e mudar alimentação não era opção. Vi todos pilares da minha vida desabando a minha frente. Tive que lidar com questões de saúde graves minhas e de pessoas próximas. Com luto por uma pessoa muito amada. Por diversas privações e com a consciência repentina da gravidade da minha situação. E daí de salto em salto mudei tudo. Comecei a me desafiar, enfrentando inclusive o meu ceticismo.

Falando mais objetivamente sobre saúde passei por um combo de diagnósticos muito próximos: endometriose, câncer, transtorno de ansiedade generalizada, caxumba que culminou numa tireoidite e então no ano passado fibromialgia.

Infecções de garganta que sempre voltavam, enxaquecas que demandavam internações recorrentes, insônia que num nível tão agudo que não sentia mais sono, estresse no pico, intestino descontrolado, imunidade minada… fora as outras condições do resto da família.

Estava já exausta de tanto sofrer com isso tudo, daí resolvi tentar tudo quanto era medicina alternativa ao meu alcance. Começando pela homeopatia que soube que já havia utilizado na infância. Não dormir estava minando minhas forças, mas usei o restinho delas pra me impulsionar nessa jornada.

Algumas coisas deram muito certo (acupuntura te amo ❤ quase que extinguiu minhas enxaquecas), outros têm resultados instáveis (não é qualquer floral que me ajuda). Outros ainda trouxeram resultados bem inesperados (vocês sabiam que homeopatia tem efeitos adversos ? e que tem uma solução que diminui os sintomas da dengue?). E ainda tiveram as que me deram mais insumos para me informar e buscar mais tratamentos (diagnóstico de uma doença autoimune como a fibromialgia muda a vida da gente).

No fim virei a doida dos chás e óleos essenciais. Comecei a abraçar a interdisciplinaridade e dar pitacos sobre diversas áreas. Me engajei em diversas lutas, comecei a focar na minha espiritualidade, criei uma rotina de autocuidado que adapto todo semestre. Comecei a evitar remédios alopáticos (esses sintéticos que compramos em farmácia). Vivo buscando novos tratamentos e opções alternativas. Tenho um estilo de vida mais saudável que nunca achei que iria alcançar. E estou aí na luta constante por uma melhor qualidade de vida pra mim e pra todas pessoas que eu puder alcançar de alguma forma. Inclusive falando sobre saúde de vez em quando no meu instagram.

As vezes as coisas dão errado, eu me frustro porque por mais que eu cuide da minha saúde ela continua me dando trabalho (alias estou de molho por conta de uma infecção urinária e com muita dificuldade de me concentrar na minha tese), as vezes tenho que dar uns passos para trás. Mas enquanto continuar conseguindo resultados positivos vou continuar insistindo nessas batalhas.

Bem, se você teve coragem de chegar até o fim do texto agradeço muito e já peço desculpas por todos erros de gramáticos e de digitação. Mas peço também para que você também reflita sobre a possibilidade de se engajar nessa jornada de autoconhecimento, de crítica e de divulgação de novas formas de lidar com a saúde. Por você e pelos outros a sua volta.

E desejo muita paz e bem estar pra todos nós.

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