Existe não-monogamia à longo prazo?

Qual a visão de futuro que podemos construir para os nossos relacionamentos?

Imagem de klimkin por Pixabay

O ideal monogâmico de família margarina (com pai, mãe, filhos pequenos, casa, carro, cachorro, eletrodomésticos novos e brilhantes com todo mundo feliz e contente pela manhã que só existe nos comerciais) além de restrito (a pessoas brancas, heterossexuais, de classe média, etc) e inalcançável pra muita gente também tem outra limitação: é estanque. Está estagnado no tempo, em algum lugar no momento do “felizes para sempre”.

Esses contos de fada modernos não contam ainda com a necessidade e as alternativas intrínsecas ao lidar com conflitos, rearranjos, escassez, envelhecimento, adoecimento, obsolescência, e outras mil limitações comuns da vida conjunta em sociedade.

E aí quando buscamos construir uma relação ou um conjunto de relações que de alguma forma vai contra o ideal heteronormativo/ cristão/ monogâmico/ capitalista ficamos ainda com menos referências.

Como a millennial ansiosa que eu sou e com os quais eu convivo creio que é comum esbarrar com dúvidas mais práticas e de convivência do presente como: quais regras são válidas nessa relações? como gerenciar ciúmes e outros sentimentos indesejados? como cuidar da agenda?

E o ideal de futuro geralmente esbarra mas não se aprofunda em uma utopia anárquica com uma vila eco-qualquer-coisa em que muitos se relacionam e todos se dão bem sempre.

Sem um futuro pré-desenhado ao qual perseguir como podemos construir o presente? Ao refletir sobre isso posso afirmar que só não podemos nos deixar cair na tentação de buscar um ideal em uma “foto”, algo estagnado no tempo.

Costumo dizer que a não-monogamia é tudo que a monogamia não é, e dentro disso existe muita coisa, muita liberdade mas também muita responsabilidade. Nada é pré-definido. Nada está dado. Nada pode ser copiado.

Cada relação possui em si um conjunto extremamente particular de possibilidades. Que podem ser exploradas com muito diálogo, trocas, reflexão e luta contra normas da sociedade. Ainda que não necessariamente isso ocorra as possibilidades estavam ali, porque não existe um sistema nos regulando diretamente (ainda que a norma nos empurre para algo pré-definido).

A bem verdade é que mesmo a cartilha-não-escrita da monogamia não é seguida por quase ninguém, por motivos que já falei antes e mais tantos outros. Ainda que gere todo um conjunto de sofrimentos e desgastes desnecessários.

E mesmo numa relação entre duas pessoas sem a premissa não monogâmica, podemos sempre esbarrar em algum momento de auto-permissividade que nos leve à uma prática ou reflexão pra além do que o sistema nos impõe.

E creio que é esse estalo que as vezes nos falta. Relações possíveis com uma reflexão mais “pé no chão” sobre como o convívio em uma sociedade opressora funciona.

As perspectivas financeiras, de criação de crianças e adolescentes, de divisão de bens e espaços, de cuidado próprio e troca, de carreira, mobilidade, etc. Tudo isso devia entrar na conta.

Com aquele questionamento do que é nosso, do que é do outro, do que é coletivo, do que é particular. Do que é alcançável, do que podemos perseguir e do que temos de abrir mão.

São questionamentos constantes que dependem não só dos envolvidos na relação diretamente, mas de toda uma coletividade que envolve amigos, familiares, colegas de trabalho, etc.

Viver a não monogamia é desafiar diariamente uma lógica estrutural e perder isso de vista nos leva à uma prática desgastante e prejudicial que não consegue se manter por muito tempo.

Ainda que devamos também aceitar a inconstância da vida (e combater a visão prejudicial de eternidade de relações), é preciso fortalecer nossas bases individuais e coletivas para que nossa forma de nos relacionar possa também ser cultivada de forma saudável e duradoura.

Dessa forma me volto a pergunta: Qual a visão de futuro que podemos construir para os nossos relacionamentos não-monogâmicos?

Minha sugestão é que essa visão inclua luta coletiva por uma sociedade mais justa, saúde, respeito, reflexão, diálogo, gerenciamento de expectativas, cuidado, consciência e consentimento. E que a prática disso se molde à realidade em que vivemos e pela qual buscamos.

Eu tenho buscado e refletido sobre isso? e vocês? Se não ainda, vamos começar ? ;)

--

--