Relato sobre fibromialgia: Como lidar com a dor dessa síndrome?

Talvez aquela tia que vive reclamando de dor mas nunca sabe dizer da onde não esteja assim tão errada

Cena do documentário Gaga: Five foot Two de Lady Gaga

A Fibromialgia é uma condição crônica que ficou famosa por aqui ao incapacitar a Lady Gaga de vir para o Rock in Rio no Brasil em 2017 e de participar de vários shows na Europa (cuja luta foi retratada em seu documentário na Netflix). É bastante comum entre mulheres e ainda desafio à ciência sobre seu exato funcionamento.

Primeiro tenho que relatar o trabalho que é buscar mais informação sobre o que é a fibromialgia, pois já existem diversos textos por aí explicando como ela teoricamente funciona. Mas pode-se perceber que não existe um exato consenso sobre isso ou suas causas. Existem pistas, e temos que nos agarrar à elas para buscar seu diagnostico.

Alias aí reside a primeira barreira: diagnosticar a fibromialgia. Geralmente entre os pacientes dessa síndrome existe todo um histórico de idas pra lá e pra cá de médicos tentando isolar sintomas que estão ligados de uma forma mais generalizada. Até que alguma crise aguda desencadeia uma série de investigações. E com sorte depois de descartar diversas hipóteses chega-se a este veredito.

Nunca dá pra saber exatamente como ela começa. Sei que encaixo 100% sempre no perfil por ser mulher jovem, ter já histórico dessa e outras doenças reumáticas na família, ter também um histórico de muita sobrecarga física e mental, histórico de infecções e doenças da tireoide, mas enfim... pra algumas é preciso bem menos, inclusive conheci caso de moças mais jovens que eu, ainda adolescentes ou mesmo crianças, sofrendo com o mesmo.

Pode ser que o problema pra mim tenha começado a dar sinais ainda na graduação quando precisei passar semanas tomando relaxante muscular pra aguentar a tensão no período de provas final, pode ser que tenha aparecido na época que passei por um diagnóstico de câncer num período bem estressante, pode ser ainda que tenha aparecido de vez depois de uma tireoidite que tive. Mas só comecei a desconfiar e buscar tratamento no final de 2018, depois de uma crise terrível de dor nas costas que não consegui controlar nem a base de um opioide na veia (alias por aqui não vou falar de nomes mas de classes de medicamentos por uma série de razões) e de uns bons meses tentando sem sucesso explicar sintomas generalizados de dor e instabilidade na saúde que antes eram atribuídos à ansiedade, insonia ou a variações da tireoide.

Falando mais sobre a dor:

Fibromialgia é uma síndrome comum, na qual a pessoa sente dores por todo o corpo durante longos períodos, com sensibilidade nas articulações, nos músculos, tendões e em outros tecidos moles. Junto com a dor, a fibromialgia também causa fadiga, distúrbios do sono, dores de cabeça, depressão e ansiedade.” Em Fibromialgia: o que é, causas, sintomas e tratamentos

“ Normalmente, a dor da fibromialgia aparece num ponto determinado. A pessoa se queixa, por exemplo, de dor no braço e o médico suspeita de tendinite ou LER (lesões por esforços repetitivos). No outro dia, ela reaparece no ombro ou nas regiões lombar e cervical. É uma dor migratória que, na ausência de diagnóstico e tratamento adequado, pode espalhar-se por todo o corpo.” Em Fibromialgia — entrevista

“O sintoma mais importante da fibromialgia é a dor difusa pelo corpo. Habitualmente, o paciente tem dificuldade de definir quando começou a dor, se ela começou de maneira localizada que depois se generalizou ou que já começou no corpo todo. O paciente sente mais dor no final do dia, mas pode haver também pela manhã. A dor é sentida “nos ossos” ou “na carne” ou ao redor das articulações.

Existe uma maior sensibilidade ao toque, sendo que muitos pacientes não toleram ser “agarrados” ou mesmo abraçados. Não há inchaço das articulações na FM, pois não há inflamação nas articulações. A sensação de inchaço pode aparecer pela contração da musculatura em resposta à dor.” Em Fibromialgia — Definição, Sintomas e Porque Acontece

Parece meio desesperador né? E é. Só meses depois de começar a conseguir controlar alguma porcentagem da dor é que percebi o quanto isso me afetava. De mal humor à incapacitação pra fazer tarefas básicas diárias, é uma condição bastante complicada de se conviver.

Mas desde antes de saber o que tinha, já vinha buscando alguns tratamentos e queria compartilhar um pouco da experiência nessa empreitada. Pois vejo com frequência muitas falando dessa tal dor genérica, mas pouco se fala sobre como ela funciona e evolui e as formas efetivas de combatê-la.

Antes de mais nada terapia e acompanhamento psicológico é essencial. Seja para tratar os gatilhos emocionais das crises seja para tratar as consequências de se viver com esse tipo de condição é importante contar com um profissional preparado te acompanhando.

Também é necessário muita ajuda de amigos, familiares, etc. Imagina do dia pra noite não conseguir mais levar a sacola de compras pra casa ou abaixar pra limpar o chão sem quase delirar de tanta dor? Essa é a realidade de muitas nós e a cooperação é imprescindível. Isso parece muito distante da sua realidade? Muito provavelmente vai ser, e é aí que está o ponto.. a lógica que precisamos mudar.

Aqui vão mais algumas dicas:

  1. Auto observação: Serve pra qualquer condição de saúde, mas com doenças crônicas e imunes a coisa complica bastante. Só você pode saber como seu corpo funciona, quais gatilhos trazem dor e desconforto ou bem estar. Não duvide de si mesma. Manda pras cucuias quem te xinga de hipocondríaca porque você diz que a dor que você sente essa “passeando” e insista nos médicos até ter um diagnostico preciso. E depois observe bem os tratamentos receitados. A resposta à todas eles pode variar muito.
  2. Mudança na rotina: é importante preservar alguma flexibilidade pois nunca sabemos quando uma crise mais forte pode vir e nos incapacitar. No meio das crise o importante é cuidar de si acima de tudo. E também deixar um maior tempo para termos descanso ao realizar atividades físicas e mentais desgastantes. Por exemplo fazer a limpeza de casa em dois ou mais dias.
  3. Tonificação dos músculos: Ficamos mais suscetíveis à flacidez muscular seja pela dificuldade de executar tarefas diárias seja pela dificuldade de manter uma rotina comum de exercícios (ou mais algum fator dessa síndrome ainda não muito bem explicado). É de extrema importância buscar alternativas para que não deixemos de trabalhá-los. Entre os exercícios mais indicados estão: pilates, yoga, hidroterapia e hidroginástica, alongamento, tai chi chuan, etc. Cada pessoa se adapta à um deles. Estes também contribuem para melhora dos sintomas psicológicos. Vejam, vai ter dia que não vai rolar nem levantar da cama direito quem dirá ir se exercitar. Mas é importante incluir opções na rotina, pra ter uma possibilidade de cuidado. E vale ressaltar que exercícios aeróbicos também são importantes, ainda que devendo ser feitos com moderação. Eu costumo acompanhar mais de uma atividade pois quando não consigo ir em uma, no outro dia tem a outra. Dica: busquem opções gratuitas e de baixo custo na sua cidade/bairro. Alguns exercícios podem ser feitos em casa. Os tratamentos alternativos fazem também uso de suplementação do omega 3 para contribuir para saúde dos músculos.
  4. Diminuindo a Tensão: O início das dores e dos incômodos ainda não sabem explicar direito, mas rapidinho isso se transforma em pontos de tensão. Sabe aquele famoso “nozinho” nas costas ou nos ombros? Na minha maior crise tinha tantos pontos deses entre os dedos e entre as costelas que já não conseguia nem contar. Nas costas, pescoço e ombros então os nós se aglutinaram e faziam bolhas gigantes e doloridas. Mas com o tempo fui descobrindo como diminuí-los. Além de evitar os gatilhos de tensão sempre que possível (alô estresse desnecessário) é importante correr atrás de tratá-los o quanto antes. Massoterapia (de todo tipo mas com profissionais qualificados) e auto-massagem (aquelas maquininhas e instrumentos de madeira podem ajudar um tanto, banhos de agua quentinha (hidromassagem pros mais afortunados), bolinhas de borracha, espaguete de natação, etc.), acupuntura (de agulhas, sementes, ventosas), compressas mornas, mudanças de postura e mobilha (desde aquele travesseiro velho até o monitor mal posicionado podem influenciar), relaxantes musculares, anestésicos e outros tratamentos pra relaxamento (homeopatia, fitoterapicos, aromaterapia, etc.). Enfim essas e outras atividades precisam focar em diminuir a tensão de preferência enquanto ainda estiver no início.
  5. Cuidado das inflamações: Esses pontos de tensão podem inchar e inflamar e é daí que acredito que vem os maiores níveis de dor da fibromialgia. Magina o inferno que é um músculo flácido, naturalmente dolorido, cheios de ponto de tensão intercalados e inflamado? Assim ficou todo o lado esquerdo das minhas costas por um tempo e foi aí que eu e meus médicos entramos em desespero, porque nada mais funcionava pra tratar a dor causada por isso. O nível era tão alto que juravam que eu estava com uma pedra no rim. Mas a dor migrava por diversos pontos, acredito eu que chegava uma hora que nem meu cérebro mais conseguia processar mais tantos pontos doendo ao mesmo tempo. Fora a dor que vinha gratuita do nada em pontos que nem tinham tensão ou inflamação, pois já estava tão tensa e dolorida que tudo começava a querer atacar junto. Esse é o ponto mais complicado de tratar e aqui que vejo a galera abusando dos medicamentos e desistindo de tratamentos. Pois nada mais parece funcionar… Fato é que o melhor seria não ter chegado até aqui, mas quando chega é necessário ir cuidando “de pouco” intercalando tratamentos ou fazer um cuidado “em camadas”. Essa inflamação pode ser local (já tive uma que tomou meu ombro esquerdo) ou generalizada (com dois ou mais grandes pontos pelo corpo). E aí o tratamento deve obedecer sua localização, por exemplo: Para quando a inflamação é local é importante cuidar daquele ponto isoladamente: com compressas frias(intercalando com as mornas pra relaxar), emplastros, sprays e pomadas anti-inflamatórias, tratamentos fisioterápicos para inflamação (laser, ultrassom, eletroterapia, etc.),etc. Nesses pontos é indicado evitar massagem local até o alivio da inflamação. Já quando a inflamação é generalizada aí é necessário entrar com tratamentos mais abrangentes, como medicamentos anti-inflamatórios (alopáticos, homeopáticos, fitoterápicos), repouso absoluto, mudanças de dieta, imuno-supressores (em último caso!!!!), etc. Geralmente as dores vem associadas de outros sintomas e manifestação de outros problemas de saúde como crises alérgicas por exemplo. è preciso muita paciência pra esperar cada coisa aliviar de pouco ao seu tempo, mas é possível sair dessa ;).
  6. Imunidade geral: Cuidem das vitaminas! Vou repetir pra ninguém passar sem ler essa parte: Cuidem muito bem do nível das suas vitaminas. Por atrapalhar também a função intestinal, pode ser bem comum pra pacientes com fibromialgia a dificuldade de absorver vitaminas. E isso acaba contribuindo para o aparecimento de mais crises. Alimentação saudável no geral (acompanhado com nutricionista se necessário), boa hidratação, cuidados com a rotina do sono, ingestão de probióticos (leites fermentados, kefir, kombucha, etc), rotina de cuidados gerais com higiene e saúde em dia, evitar fumo álcool ao máximo(desculpa galera, mas não fui eu que inventei esse negócio :/), buscar momentos de lazer e descanso, etc.
  7. Cuidado de outras condições associadas: Geralmente um problema complexo desses não vem sozinho. Já falei antes de algumas condições de saúde que eu já possuo mas além delas descobri uma nova que geralmente vem como parte do combo: Síndrome ou fenômeno de Raynaud. Uma doença que ataca o sistema periférico de circulação causando fenômenos estranhos e desconfortáveis de falta de irrigação sanguínea de algumas partes do corpo (como alguns dedos das mãos e dos pés isoladamente). Condição que pode parecer boba em primeiro momento mas que pode ter consequências graves (em casos extremos até gangrena) é também digna de nota por ser mais um dos causadores aleatórios de dor. No meu caso uma dor de cabeça frequente e outra na parte interior das pernas se mostrou tendo essa condição por origem. E nenhum dos tratamentos anteriores deu jeito. Só melhorando com o devido cuidado com a exposição ao frio e à mudanças bruscas de temperatura, fitoterápicos termogênicos, mais compressas, uso de vasodilatadores e remédios para pressão. Vale dizer que antes de descobrir isso tudo tive umas crises de tendinite, síndrome do túnel do carpo além de labirintite e zumbido no ouvido que obviamente também estavam associadas à essas condições, e cujos tratamentos isolados tiveram pouco efeito, mas que melhoraram com a melhora geral da fibro.
  8. Tratamento medicamentoso: Alguém especializado em neurologia ou reumatologia pode indicar tratamentos que geralmente incluem um antidepressivo ou algum outro remédio que trate de ansiedade/depressão (comumente associada à essa síndrome) um remédio que trate da origem da dor (aqui tem uma grande gama de possibilidades desde relaxantes musculares até antiepiléticos, levando em conta que é um problema neurológico também). As vezes algum medicamento que cuide dos dois. Não ouvi falar de nenhum caso que a pessoa tenha sido curada e ainda mais sem algum efeito adverso só com eles. Mas poucas são as pessoas que conseguem administrar as crises sem isso. Então mesmo se você toma remédios, que é meu caso, as outras dicas todas ainda valem.
  9. Outras terapias alternativas: Além da tal máquina milagrosa que teoricamente cura a fibromialgia (e no meu caso deu um pequeno alivio mas nada tão revolucionário assim), existem também muitos relatos de bons resultados com o tratamento de osteopatia e protocolo de coimbra. Ainda não tentei, mas se vocês tiverem oportunidade parece que vale a pena.

Resumindo: a dor da fibromialgia pode ter muitas origens e níveis, para cada pessoa o acompanhamento vai ser independente mas nunca existe uma solução única para tudo. Seja por flacidez, tensão, inflamação ou outros fatores (como falta de circulação) a dor pode ser insuportável mas não podemos ceder a primeira opção de tratamento que nos aparecer à frente ou apelar para algum que funcionou uma vez achando que vai sempre resolver todos nossos problemas. Também é importante observar as origens da dor para buscarmos o tratamento correto e conseguirmos guiar melhor os profissionais de saúde para nos ajudar.

Se informem, se cuidem e apoiem quem sofre com esses problemas de saúde. A base para a melhora da saúde das pessoas com fibromialgia é exatamente a necessidade de dividir mais as responsabilidades.

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