Blade Runner 2049: Como construir uma sequência

Vinicius Manzano
Nerdpub
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5 min readOct 9, 2017

Quando o tempo entre um filme e sua sequência é de 35 anos, algumas questões precisam ser respondidas. A mais importante delas é: “Por que?” O cinema hollywoodiano se encontra em um momento onde tudo é uma sequência, prequel, reboot ou spinoff, mas Blade Runner, o clássico distópico de Ridley Scott, nunca deixou algo que exigisse uma sequência. Ele é um thriller neo-noir com um final aberto, porém o arco de seus personagens é encerrado de maneira quase perfeita. Roy Batty, o vilão vivido por Rutger Hauer, morre após proferir a sua clássica elegia. Rick Deckard (Harrison Ford), o protagonista e caçador de andróides do título, aprende que toda vida tem seu valor (mesmo sendo uma vida “artificial”). Então cansado de viver caçando e matando outros, ele decide fugir juntamente com a sua companheira replicante Rachael (Sean Young).

Isso deixa Blade Runner 2049, do diretor Denis Vileneuve, em uma posição delicada. A sequência deve fazer jus a obra original de Ridley Scott e ao mesmo tempo deve forjar sua própria identidade. Sequências maiores e com mais explosões funcionam bem para filmes baseados em quadrinhos como a Marvel tem feito a quase 10 anos, mas um clássico como Blade Runner coloca as expectativas em um patamar completamente diferente.

Felizmente o filme de Vileneuve é tão visualmente impactante quanto o original, com várias cenas que dão vontade de imprimir e colocar em um quadro. Além do aspecto visual o elenco do filme também está incrível, até mesmo Ryan Gosling entrega uma performance convincente como o protagonista K, o mais novo Blade Runner da franquia. Mas o destaque vai para as mulheres do filme: Ana de Armas no papel de Joi, o par romântico holográfico de K, e Sylvia Hoeks como Luv, assistente pessoal de Niander Wallace(Jared Leto).

Antes de começar pra valer o review (assim como o filme esse texto demora pra começar e vai ser longo), quero dizer que esse texto vai ser livre de spoilers. A maior parte dos segredos do filme nem chegaram a ser indicados nos trailers e no material de divulgação. Eu faço parte do grupo de pessoas que acredita que um filme deve revelar seus segredos durante a exibição — de preferência em um excelente cinema — então eu não vou comentar nenhum detalhe da história que não tenha sido revelado nos trailers ou no texto que abre o filme.

O novo filme se passa 30 anos após o original. A Corporação Tyrell, responsável pela construção dos primeiros replicantes, já não existe mais, porém uma nova companhia administrada por Niander Wallace assume o lugar da Tyrell e faz o que ela nunca conseguiu: criar replicantes que são subservientes e que, por conta disso, podem novamente andar livremente entre os seres humanos. No entanto ainda existem “modelos antigos” que sobreviveram, e por conta disso ainda existem Blade Runners como K. Durante uma missão onde ele “aposenta”, eufemismo utilizado no filme para quando se mata um replicante, K descobre algo que pode mudar completamente como humanos e replicantes se relacionam.

O Diretor de Fotografia Roger Deakins entrega um de seus melhores trabalhos em um banquete visual. A estética de Blade Runner 2049 é parte do motivo para se assistir o filme, ele consegue re-criar a Los Angeles escura e com sua constante chuva do original, mas também apresenta novos visuais, locações e figurinos. Roger Deakins tem produzido algumas das fotografias mais icônicas das últimas décadas porém nunca ganhou um Oscar. Se isso não acontecer pelo seu trabalho em Blade Runner a Academia deveria simplesmente admitir que não dá mais prêmios por qualidade e sim por algum outro fator misterioso. O filme é bonito demais.

Esse cuidado com o visual no entanto não se estende ao roteiro e seus personagens. Blade Runner 2049 começa sua história parecendo que será um filme de investigação policial, mas a partir daí o filme começa a saltar entre seus diversos arcos sem uma ligação realmente estabelecida entre eles. Da mesma forma que Deckard no original, K é apenas um detetive, quando o filme aborda esse aspecto noir é quando ele mais se destaca. Por conta dessa necessidade de serem a linha guia da história que precisa ser contada, os dois personagens (essencialmente protagonistas) são pouco desenvolvidos.

E os algozes do filme pouco fazem para ajudar na trama dos protagonistas. Enquanto o filme original tinha em Roy Batty um replicante sem piedade lutando contra o sistema pelo seu direito de existir, em 2049 temos um vilão brando que usa um capanga para fazer suas ações. Talvez se não fosse pelo conflito entre Deckard e Batty o filme original não seria lembrado até hoje. A batalha final e suas implicações são o centro da discussão sobre se Deckard é ou não um replicante. Infelizmente essa ambiguidade moral do vilão não existe aqui, sendo um dos motivos pelo qual Blade Runner 2049 talvez não tenha o mesmo impacto que seu antecessor.

A marca do diretor Denis Villeneuve certamente está presente no filme. Em seus outros trabalhos como A Chegada e Sicário, ele demonstrou que consegue balancear momentos de contemplação até mesmo em momentos onde isso parece impossível, em 2049 isso não é diferente. Quando K olha através do vidro de seu carro para Los Angeles distópica, por um momento conseguimos esquecer do conflito principal do filme e refletir sobre suas idéias. Da mesma forma que o Blade Runner original, aqui novamente questionamos sobre como o livre arbítrio define um indivíduo, seja ele nascido ou construído.

Apesar de derrapar em alguns detalhes de sua trama, uma coisa se sobressai sobre todas as outras em Blade Runner 2049: Ele está tentando ser diferente. Ele tenta ser profundo, rico e complexo. Então, voltando a questão que motivou esse texto, por que uma sequência de Blade Runner deve existir? Talvez a maior razão seja para nos lembrar de que nós podemos e devemos esperar mais dos blockbusters. Para mostrar que um filme pode ser épico mas também pode ser desafiador para seu público. Blade Runner tenta ser todas essas coisas, um épico sci-fi com uma camada de filosofia e questionamento. E embora ele não execute tudo que ambiciona com perfeição, ele tenta chegar lá e eu prefiro ver isso ao invés de filmes que se contentam com o mínimo denominador comum.

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Vinicius Manzano
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Designer por formação. Falo muito sobre cinema, séries, games e todas essas coisas da famigerada Cultura Pop