Porque nunca vai haver um bom momento para a série d’O Justiceiro

Vinicius Manzano
Nerdpub
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4 min readNov 16, 2017

A Netflix e a Marvel tomaram a melhor decisão possível mês passado quando decidiram cancelar o seu painel sobre a série do Justiceiro, na New York Comic Con, por conta do tiroteio em Las Vegas que deixou 58 mortos e 489 feridos. O timing seria extremamente errado, o que levanta a questão: Quando eles podem lançar uma série sobre um herói que atira nas pessoas?

As duas empresas divulgaram uma nota expressando suas condolências para com as vítimas e suas famílias, e também explicando como eles achavam que não seria apropriado promover a série tão cedo após um evento trágico como esse. Embora essa declaração não tenha comparado o personagem de Frank Castle com o atirador Stephen Paddock, não é dificil entender a lógica das empresas por trás da série.

Apesar do personagem título ser posicionado como um anti-herói com um passado conturbado que justifica o seu senso de justiça deturpado, o Justiceiro é o equivalente nos quadrinhos de um atirador em massa. Enquanto várias representações do personagem tentem mostrar a moral do personagem como algo justificado, é impossível não associar a persona de Frank Castle com a celebração das armas (a chamada gun culture) que é algo que permite que tiroteios como de Las Vegas aconteçam.

Stephen Paddock não é Frank Castle, e sugerir que Paddock se inspirou no personagem é algo injusto, porém uma discussão sobre o assunto é cada vez mais necessária. Inclusive o ator que vive Frank Castle, Jon Bernthal, espera que a série possa fomentar uma discussão maior sobre o controle de posse de armas. Apesar de todo o debate que já acontece entre os fãs sobre o Justiceiro ser ou não um herói da Marvel, o fato é que na maior parte das vezes ele age como um lobo solitário a margem da sociedade que ele “protege”, e que muitas vezes considera essas ações como um perigo para os outros. Essa discussão também acontece com outros heróis, como por exemplo em Capitão América: Guerra Civil ou Watchmen, mas o fato persiste de que o Justiceiro é um personagem mais facilmente imitável na vida real do que um Capitão América ou Homem de Ferro. E invariavelmente quando, um Departamento de Polícia, atirador solitário ou grupo militar, decide usar o símbolo do Justiceiro, devemos nos perguntar com qual faceta do personagem ele estão tentando se identificar.

Essas são as questões que a série do Justiceiro deve almejar discutir, pois apesar das séries do Netflix serem um dos cantos mais interessantes do Universo Cinematográfico da Marvel(MCU), elas sempre seguem o mesmo padrão de colocar seus personagem como imperfeitos, porém admiráveis e que aspiram para algo maior que si mesmos. Ao fim de Jessica Jones ou Demolidor nós conseguimos entender que eles tomam decisões questionáveis em suas vidas, mas também vemos eles como pessoas que estão fazendo “A Coisa correta”. Esse tipo de representação funciona para personagens que são, apesar de suas falhas, heróis com habilidades que as pessoas reais não possuem. Fazer o mesmo tipo de representação com o Justiceiro é colocar um personagem que é violento, e muitas vezes injustificável em suas ações nos quadrinhos, sob uma perspectiva positiva.

Eu não quero dizer que não há espaço para um personagem como o Justiceiro no MCU, mas sim que o estúdio sempre será colocado numa posição delicada quando se trata de Frank Castle por conta dessa associação imediata do personagem a violência e a cultura de armas de fogo. Embora ele seja uma representação dos riscos que a falta de regulamentação apresenta,aqueles que usam o emblemático símbolo da caveira não vêem dessa forma. E por conta disso esse é o aspecto que vai justificar a série da Netflix caso ela não glorifique a violência, mas sim a use como uma parábola para os perigos que esse tipo de indíviduo representa para a sociedade.

Parte do que fez a performance de Jon Bernthal ser tão admirável na segunda temporada de Demolidor foi o fato dele ser um personagem secundário, e portanto mais facilmente representado como um vilão complexo do que um anti-herói. Mas fazer dele um protagonista de sua própria série é valorizar ele com um personagem, e possivelmente ignorar seu potencial simbólico para esse tipo de violência tão comum nos tempos modernos. Esses elementos do personagem não podem ser simplesmente ignorados na série, eles devem ser reconhecidos, discutidos e desconstruídos de uma forma aberta e honesta para com o público, como já foi feito na segunda temporada de Demolidor. Talvez a série solo do Justiceiro tente não representar o personagem como um vigilante, mas sim como um homem que encontra a capacidade de superar seus traumas pessoais sem a necessidade de atirar em tudo que vê no processo.

Se todos os cuidados forem tomados, e esse é um grande “SE”, a série do Justiceiro pode trazer mais para o personagem do que 40 anos de quadrinhos jamais conseguiram. E se aparentemente nunca vai haver um bom momento para se lançar uma série do Justiceiro, talvez seja precisamente esse o motivo pelo qual nós precisamos ver nessa série uma discussão mais profunda sobre a regulamentação das armas de fogo.

A primeira temporada de O Justiceiro estará disponível no dia 17 de Novembro exclusivamente na Netflix

Texto publicado originalmente nowww.thenerdpub.com.br em 16 de novembro, 2017

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Vinicius Manzano
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Designer por formação. Falo muito sobre cinema, séries, games e todas essas coisas da famigerada Cultura Pop