Afinal, quem manda na Internet? #IGF2016

Victor Veloso
nets_USP
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5 min readDec 6, 2016

Histórias sobre uma epidemia de notícias falsas às vésperas da eleição presidencial americana inundaram as manchetes dos veículos ligados a assuntos de tecnologia nos últimos dias. Em um levantamento realizado pelo site Buzzfeed, aponta-se que mais de 8,7 milhões de notícias falsas foram compartilhadas, curtidas ou comentadas dentro da plataforma do Facebook entre o mês de Agosto até o dia da eleição. Já o número de engajamentos com notícias consideradas confiáveis beirou os 7,3 milhões no mesmo período.

Considerado problemático para o processo eleitoral, esse fato provocou uma reação da sociedade civil e do governo americano contra o Facebook, alegando de ser uma ferramenta que prejudica o processo democrático eleitoral. O Facebook se defendeu em um primeiro momento afirmando que não pode possuir controle sobre o que seus usuários compartilham.

Pensando em quem poderia estar envolvido neste imbróglio, pensamos em alguns atores. O governo tem legitimidade de influenciar como o conteúdo do Facebook deve ser gerido? Até que ponto a sociedade civil pode influenciar como uma empresa privada de comunicação gera seu conteúdo? Como o Facebook se posiciona frente à influência que ele possuí sobre as diversas sociedades que ele atinge?

Gráfico sobre o engajamento em relação a notícias no Facebook; Fonte: Buzzfeed news

Diferente da maioria dos setores que compõe nossas sociedades, a Internet não possuí processos claros de como são tomadas as decisões que rumam como essa tecnologia será no futuro. Essa questão apenas se agrava quando pensamos nos diversos impactos e pequenas revoluções que a Internet trouxe para o campo social. Afinal, quem manda na Internet?

Levada por essa questão no começo dos anos 2000, a União Internacional das Telecomunicações propôs um evento que reunisse os diferentes atores que compõe ecossistema da Internet para, a principio, propor soluções para reduzir a exclusão digital. A partir desta ideia, surgiu a Cúpula Mundial sobre Sociedade da Informação (CSMI). Realizada em 2003, em Genebra, o evento contou com representantes de mais de 175 países, além de diplomatas, empresários, acadêmicos e ativistas. Como resultado final, originou-se um plano de ação e uma carta de princípios. Nascia daí o conceito de Governança Multissetorial da Internet.

O conceito de Governança Multissetorial (em inglês, multistakeholder), tem como definição principal a reunião de diferentes atores que compõe o ecossistema da Internet em fóruns de debate, tendo o intuito de desenvolver princípios, normas, regras, procedimentos decisórios e programas compartilhados que delineiam a evolução e o uso da Internet. Ou seja, todos que possuem uma influência sobre o futuro da Internet podem opinar, debater e trocar boas práticas para alcançar o melhor futuro possível para essa tecnologia.

IGF 2015 — João Pessoa

Mas que fóruns exatamente são esses? A ideia de multissetorialidade é aplicada em diversas organizações ao redor do mundo. Entretanto, algumas instituições e eventos são consideradas principais dentro desse processo. O Internet Governance Forum (Forum da Governança da Internet ou IGF), que em 2016 ocorre entre os dias 5 e 9 de dezembro em Guadalajara, foi fruto da segunda fase da CSMI, em 2005. Com 10 anos de história, sendo realizado pela última vez em João Pessoa, o IGF se consolida como uma extraordinária plataforma para reunir pessoas e setores que compõem o ecossistema da Internet, tratando-as como iguais nas diversas mesas e atividades que preenchem a agenda do evento, inaugurando, assim, o conceito de multissetorialismo enquanto procedimento.

Outra importante organização que compõe o contexto da Governança Multissetorial é a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) — Corporação sem fins lucrativos responsável pela gestão de diversas organizações relacionadas ao desenvolvimento da internet. Entre as organizações geridas pela ICANN está a IANA — Internet Assigned Numbers Authority — autoridade da internet que tem como principal atribuição cuidar da distribuição de endereços IP, gerenciar zonas raiz do Domain Name System (DNS), organizar tipos de mídia e cuidar de outros assuntos sobre o Internet Protocol.

No contexto brasileiro, o Comitê Gestor da Internet (CGI) é visto como um dos exemplos mundiais de uma governança doméstica da internet que segue o modelo multissetorial. O comitê é formado por 21 cadeiras, das quais 9 representam o setor governamental, 4 o setor empresarial, 4 o terceiro setor, 3 a comunidade científica e tecnológica e 1 representante de notório saber em assuntos de Internet. O comitê se posiciona como um importante espaço de comunicação coletiva para coordenação e integração de todas as atividades ligadas a Internet no Brasil, promovendo a expansão da qualidade, quantidade e inovação dos serviços oferecidos no país.

Ainda que o multissetorialismo seja apontado pela maioria dos atores como o melhor modelo para o avanço do setor, algumas questões são apontados como falhas dentro do modelo. A primeira é relacionada a verdadeira eficiência do modelo, tanto em sua velocidade como sua capacidade de afetar as políticas adotadas por esses atores. As instâncias multissetorias não são instâncias de deliberação. Além disso, os fóruns geralmente são feitos anualmente, e muitas vezes acabam ficando dessincronizadas do timing que as questões da Internet se modificam.

Muitas críticas são feitas também em relação a representatividade destes atores, uma vez que a maioria são de centros Ocidentais e representando elites dentro do contexto da Internet. Muitas vozes não são ouvidas e, ainda que existam esforços para que se incluam estas vozes na construção coletiva, o abismo entre os que utilizam e os que dominam a Internet ainda é muito grande.

Por fim, se critica a isonomia dos atores que sentam à mesa. Ainda que todos utilizem a Internet e tenham uma influência dentro deste ecossistema, alguns atores possuem uma maior influência em relação as suas decisões e práticas. O que o Google ou o Departamento de Estado Americano decide possuí uma influência muito maior do que outros atores. Coloca-los como iguais numa mesa não seria apenas uma ilusão de que a construção está sendo feita de forma coletiva?

Ninguém exatamente manda na Internet. O modelo multissetorial promove uma plataforma de comunicação coletiva em prol de um objetivo em comum: Tornar a Internet o local que seus usuários e usuárias querem. Ainda que as críticas existam, o modelo multissetorial vem se expandindo cada vez mais como uma forma de inclusão nos processos de debate de tópicos relacionados a Internet.

Muitas vozes ainda não são ouvidas, mas cada vez mais temos mais e mais vozes se empoderando e sentindo que esses espaços podem ser sim ocupados e efetivos no exercício de sua cidadania como cidadãos digitais. A Internet, como sendo de todas e todos, deve ser ocupada e construída por todas e todos. E você, como parte dessa comunidade, também deve se enxergar dessa forma. É o primeiro passo que todas e todos devem dar para termos a Internet que queremos.

Nós do NETS estaremos aqui em Guadalajara no IGF 2016 nessa semana para tentar trazer o melhor do que for discutido. Acompanhe nosso medium e nossa página no Facebook!

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Victor Veloso
nets_USP

Pesquisador em tecnologia, ciências sociais e outras ficções.