Criptomoedas são moedas?

Isabel Magalhães Teles
nets_USP
Published in
4 min readMay 4, 2018

Criptomoedas são um assunto que tem despertado muito interesse e atenção por conta das possibilidades de investimento, principalmente dada à rápida valorização do bitcoin.

O terceiro encontro do NETS_usp sobre tecnologia blockchain, realizado em 06 de abril de 2018 no Instituto de Relações Internacionais da USP, buscou abordar essa questão de maneira crítica, relacionando o uso de criptomoedas com outros elementos da tecnologia blockchain e debatendo suas definições, riscos e possibilidades.

Os textos bibliográficos indicados para o encontro traziam diferentes noções sobre a classificação de criptomoedas enquanto moedas tradicionais, considerando as funções e definições econômicas. Enquanto alguns autores defendem tratar-se de moedas por apresentar certas características como sua utilização como meio de pagamento, outros discordam, afirmando tratar-se de ativos por conta de seu valor enquanto investimento.

Neste contexto, surgiu a reflexão sobre a necessidade (e possibilidade) de se regular o uso e as transações feitas com criptomoedas. A soberania foi apontada como possível obstáculo para uma regulação no sentido de que cada Estado poderia regular o uso de criptomoedas de maneiras diferentes, dificultando transações transnacionais.

Adam Smith foi citado para fazer referência ao custo de uma moeda para o Estado. No caso das criptomoedas, como não há relação direta com nenhum país, foram considerados recursos energéticos e humanos presentes em sua mineração. Quanto à especulação, foi debatido que essa característica aproxima as criptomoedas de commodities, por terem seu valor diretamente condicionado à procura.

A variação de preços das criptomoedas foi bastante debatida, com alguns argumentos apontando para a especulação e buzz midiáticos como sua origem, uma vez que contribuiram significativamente para o aumento da demanda. Um contraponto a isso foi o fato de que as criptomoedas tendem a desvalorizar quando o trabalho de mineração é facilitado por aprimorações no processo por meio de alteração de software, aumentando sua oferta.

Ainda com relação à independência de criptomoedas de economias nacionais, discutiu-se que quando uma moeda nacional sofre desvalorização, isto é atribuído a fatos econômicos e políticos que são, de certa forma, bem aceitos por se tratar de algo inerente à economia. Já no caso das criptomoedas, com a ausência da figura fiduciária do Estado, o nível de aceitação à desvalorizações é mais baixo, provocando insegurança por não se ter “a quem recorrer”.

A questão de tributação também foi discutida e sobretudo a capacidade de órgãos de fiscalização auditarem operações registradas na blockchain para a arrecadação de impostos. Nesse sentido, Lawrence Lessig foi lembrado para fundamentar a constatação de que o mundo virtual é muito mais vigiado do que o físico e que, dessa forma, certamente há a possibilidade técnica de se fiscalizar transações na blockchain. A questão para sua execução seria a viabilidade de realização e os custos.

O debate levou à reflexão sobre moedas complementares e paralelas, associando-se as primeiras à moedas sociais que provocam mudanças na economia local. Além disso foi citado o caso do papiermark, moeda pioneira ao marco alemão e que no pós 1° Guerra Mundial passou a ser emitida sem lastro no contexto da hiperinflação que assolava o país.

Quando foi retomada a provocação inicial “Criptomoedas são moedas?”, foram citados os parâmetros apontados no texto publicado pelo Terraço Econômico, indicado na bibliografia. Os critérios propostos no texto para qualificar uma moeda são (i) uso como meio de pagamento; (ii) reserva de valor e (iii) unidade de conta.

A discussão em torno destes critérios não foi unânime, sendo até questionada a necessidade de todos os critérios se apresentarem concomitantemente, visto que algumas moedas não apresentam todos os fatores. Para ilustrar esta situação, fez-se referência às moedas brasileiras no período de redemocratização, em que havia extrema inflação e o critério de reserva de valor poderia ser questionado.

Por fim foi retomado o contexto de criação das criptomoedas, isto é, a crise econômico-financeira de 2008, gerada por um descontrole do mercado. Pode-se dizer que as criptomoeda surgem como uma alternativa principalmente a tais contextos de crise econômico-financeira, verificando-se nessa época uma maior circulação (trocas), ainda que em menor escala.

Hoje, por outro lado, o que se evidencia é que as criptomoedas tem circulado cada vez menos, devido à especulação, que faz com que, por um lado o seu valor seja muito elevado para operações cotidianas e por outro, haja motivação para o acúmulo, esperando eventuais valorizações. A partir disso, é possível identificar que as criptomoedas estão passando por um período de amadurecimento, comum a moedas convencionais.

Seria este critério suficiente para qualificá-las como moedas? O grupo, após 2 horas de discussão, não conseguiu chegar a uma conclusão.

Bibliografia indicada para o encontro

Essenciais:
TERRAÇO ECONÔMICO. Bitcoin e os meios de pagamento: afinal, Criptomoedas são realmente moedas?

Disponível em: http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/terraco-economico/post/7208333/bitcoin-meios-pagamento-afinal-criptomoedas-sao-realmente-moedas

COINBR.NET. Bitcoin: Um novo Ativo Financeiro — Relatório Agosto / 2016
Disponível em: https://www.coinbr.net/media/pdfs/btc-asset-pt.pdf

Complementares:
NICOLE JULIE FOBE. Bitcoin como moeda Paralela: uma visão econômica e a multiplicidade de desdobramentos jurídicos
Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/15986

PRIMAVERA DE FILIPPI, BENJAMIN LOVELUCK. The invisible politics of Bitcoin: governance crisis of a decentralised infrastructure
Disponível em: https://policyreview.info/articles/analysis/invisible-politics-bitcoin-governance-crisis-decentralised-infrastructure

Este é terceiro relatório das reuniões quinzenais do NETS em 2018.1. Esperamos vê-los nos próximos encontros, bem como estamos abertos aos feedbacks sobre a forma e conteúdo da postagem em si!

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