Ansiedade em tempos de COVID-19: como ajudar alguém durante uma crise?

Aline Cardoso
NeuroBreak
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5 min readMay 16, 2020

Imagine o seguinte cenário.

Você está em casa na companhia de uma pessoa querida (pode ser algum membro da família ou amigo, mas aqui vou chamar de companheiro). São 22h de uma quarta-feira de quarentena e seu companheiro começa a passar mal. Sente uma forte pressão no peito, dor na nuca e pescoço. Suas mãos estão pálidas e suadas. Ele sente uma tontura que o tira do ar, tem pensamentos acelerados e agitação motora. Uma inquietude que o impede de sentar e, por isso, anda de um lado para o outro como quem tenta fugir de um monstro invisível. Ele descreve a situação como “uma sensação de morte iminente”. Seu primeiro pensamento é de que seu companheiro está tendo um infarto e deve ir para o hospital. Vocês não tem carro e então pedem carona a um familiar para levá-lo ao médico. Quando seu familiar chega, você explica passo a passo o que aconteceu. Durante a conversa seu companheiro se acalma lentamente. A cada hora passada você percebe a calmaria transformar seu semblante. E assim você descobre que ansiedade pode se manisfestar de diferentes maneiras, de pessoa para pessoa, sendo o pânico uma reação aguda de ansiedade, mas não sua única forma de manifestação. Nos dias seguintes vocês decidem fazer algumas mudanças na rotina da casa como: evitar os jornais da TV, restabelecer os horários de acordar, dormir, comer e fazer exercícios, e finalmente se rendem às videochamadas com familiares e amigos.

O período de quarentena, além de desestabilizar nossas rotinas de trabalho ao nos afastar dos nossos empregos, também desestabilizou nossas interações sociais nos mantendo distante de nossos amigos e familiares. Estamos constantemente preocupados se nossos salários serão cortados, se seremos demitidos, ou se nossos entes queridos estão bem física e mentalmente. Estamos passando por momentos de perda e luto em diferentes níveis — desde datas comemorativas não celebradas, até doenças graves e morte. São tempos difíceis que se agravam a cada dia. Essa nova realidade, cheia de ansiedade de viver, desgasta nossa resiliência emocional à medida que a ameaça da Covid-19 se arrasta. A boa notícia é que diferentes pessoas, em diversas plataformas, têm dado dicas (1, 2, 3) de estratégias que podem ser tomadas para ajudar a gerenciar o estresse e ansiedade do dia a dia, além de dar um pouquinho de esperança. Mas a dúvida que fica é: sendo uma pessoa que está lidando bem com esse período, o que eu posso fazer para ajudar alguém que está tendo crises de ansiedade / ataques de pânico?

Seja acolhedor.

Antes de tudo, é preciso manter a calma! Antes de ajudar alguém, precisamos respirar fundo para nos acalmarmos a fim de evitar que nós mesmos tenhamos uma crise. Além disso, ao manter a calma, nossas expressões faciais demonstram acolhimento, o que é de suma importância para quem estamos tentando ajudar. Imagine-se no cenário descrito anteriormente: seu companheiro está passando por uma crise de pânico e está com muito medo. Ele olha para você. Se nesse momento você apresentasse expressões de medo, seu companheiro provavelmente ficaria ainda mais apavorado. Isso acontece porque a nossa amígdala (região do cérebro e não a do pescoço) é capaz de gerar alterações fisiológicas em resposta à avaliação de estímulos sensoriais e sociais. Esses estímulos podem estar relacionados a respostas de luta, fuga ou imobilidade, que é basicamente como nosso corpo reage diante de uma situação de ameaça. Alguns estudos científicos já demonstraram, através de neuroimagem, que ocorre aumento da atividade da amígdala quando uma pessoa é exposta a imagens que demonstram expressões faciais de medo (Thomas et al, 2001). Então, lembre-se de manter a calma.

Essa amígdala!
Faces de medo

Não assuste.

Procure também tentar não potencializar as ideias de morte, perigos ou ameaças imaginárias. Do ponto de vista evolutivo, o medo e a ansiedade são processos emocionais que ajudaram os animais a lidar com ameaças ou perigos, e diversos estímulos podem provocá-los. Alguns neurocientistas descrevem que, a medida que a complexidade do cérebro aumenta, outras formas de medo e ansiedade se tornam aparentes (Willers, et al, 2013). Assim, a alta complexidade do cérebro humano e a incompatibilidade entre os estressores do nosso novo ambiente — já que não vivemos mais em uma floresta selvagem rodeada de predadores — têm um impacto significativo na quantidade de medo, estresse e ansiedade que experimentamos hoje. Então, além do que foi falado no parágrafo anterior, sobre expressões faciais, tente aparentar calma através das expressões corporais, tom de voz e no que é falado.

Faça-se presente.

Outra coisa que pode ser feita é demonstrar a importância de se ater ao momento presente. Uma ideia é pedir para a pessoa focar na respiração, fazendo os movimentos de inspiração e expiração de maneira lenta e profunda. Estudos mostram que técnicas de respiração lenta têm efeitos nas atividades dos sistemas nervoso central e autônomo, como aumento da variabilidade da frequência cardíaca e a arritmia sinusal respiratória, aumento da onda alfa (relacionada a controle emocional e bem estar psicológico) em estudos de eletroencefalografia (EEG) (Park e Park, 2012). Os efeitos citados acima influenciam no estado psicológico/comportamental, levando a alterações como aumento do conforto, relaxamento, prazer, atenção, redução dos sintomas de excitação, ansiedade, depressão, raiva e confusão (Zaccaro, et al, 2018).

Tente respirar com o gif.

É importante ressaltar que em caso de crises de pânico recorrentes se faz necessária a busca por um processo terapêutico. Caso não seja possível, devido a pandemia, pelo menos uma consulta com psiquiatra deve ser realizada.

Referências

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Aline Cardoso
NeuroBreak

Estudando o comportamento humano e tentando entender o meu; (ela/dela); Doutoranda em Fisiologia — Neurociência (UFRJ); Brasil