Por que momentos positivos do cotidiano são tão importantes?

Aline Cardoso
NeuroBreak
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5 min readMar 21, 2021

Não sei para vocês, mas para mim 2020 foi esse eterno “O QUE ESTÁ ACONTECENDO?”. No meio de tantas reviravoltas “pandêmicas”, polêmicas ambientais, crises psicóticas de governos alucinados e “qual série vou começar agora?”, acabei esquecendo como trabalhar de verdade. Foi um ano inteiro carregando a sensação de dar um passo para frente e dois passos para trás.

Se o trabalho dignifica o homem, eu nunca estive tão corrompida.

Depois de quase 1 ano oficialmente formada, em março de 2020 entrei no mestrado. Minha cabeça era um Tesla Model S fazendo de 0–100 km/h em 2s, pois tinha acabado de passar 3 meses com a cabeça enfiada nos livros estudando para a prova. Tudo que eu queria era continuar a estudar e trabalhar o máximo que pudesse aguentar — sem burnout, é claro.

Porém, uma semana depois de receber a notícia de que havia passado, o Brasil inteiro entrou em quarentena. A notícia foi um ataque soviético sobre todos os meus planos. Foram meses até que a universidade iniciasse as aulas online e que meu laboratório — onde faço pesquisa — se organizasse para que todos pudéssemos trabalhar de casa. Mas até lá tudo já estava fora de controle.

Nesse meio tempo, montei um escritório improvisado no meu quarto que só serviu para me garantir uma semana de coluna travada — invistam numa cadeira gamer, crianças. E quando finalmente me vi diante das obrigações que tanto queria cumprir, toda minha rotina já tinha sido comprometida por meses de férias “quaretenais”.

Havia parado de praticar atividades físicas e passava a maior parte do tempo sentada, tentando trabalhar mas pensando na vida, ou tentando pensar na vida mas querendo trabalhar. Acordava às 10h da manhã com a disposição de quem espera a noite chegar para voltar a dormir. Além disso, dormir, comer, estudar e trabalhar sentada no mesmo lugar trouxe uma sensação de aprisionamento quase sufocante.

O tempo foi passando e precisei de muitas semanas até finalmente me colocar de volta nos eixos de rotinas coerentes. Mas acontece que até hoje não consegui voltar a estar 100% focada no que deveria. Quando falo “no que deveria” não é somente sobre obrigações como estudo ou trabalho, mas é sobre estar 100% focada no presente.

É como se existisse uma voz no meu ouvido dizendo “as coisas ainda não voltaram ao normal, pode continuar vivendo só 50% de si”.

Mas a verdade é que essa voz está 100% errada.

Primeiro porque as coisas não voltarão ao normal. Não existe “novo normal” porque o normal que conhecíamos virou passado. Já estamos marcados por todos os fatos que aconteceram. Não há como apagar essa tatuagem histórica, e tentar cobri-la com desenhos de flores e procrastinação tem sido uma perda de tempo presente e de saúde mental. É preciso encarar o futuro como um momento no qual tudo pode acontecer, e querer adivinhar seus plot twists só traz ansiedade e sensação de incapacidade.

Segundo porque estaria mentindo se dissesse que é humanamente possível estar 100% focado em alguma coisa — a não ser que você seja um monge budista. O que a pandemia fez foi jogar nas nossas caras essa impossibilidade, nos mostrando que por mais que o 100% seja o nosso ideal de dedicação, algum contratempo sempre vai aparecer para nos tirar do eixo. Ou seja, a vida não está nem aí para o nosso planejamento.

Bons momentos são importantes para ter sucesso

Na física — e na minha tentativa de definição — “momento” pode ser definido como quantidade de movimento de um corpo. Todos os corpos têm massa. Nós temos massa. Mas para que um corpo se mova é preciso que haja impulso, uma força aplicada por algum período de tempo capaz de mover o corpo. Assim, se um objeto está em movimento ele teve um impulso. E a continuidade desse movimento é o que chamamos de “momento”.

Mas por que eu estou falando isso?

Na psicologia existe um termo chamado “momento psicológico” (em uma tradução literal). Esse termo se refere às sensações psicológicas que temos após passar por um evento ou série de eventos positivos ou negativos.

Por exemplo, passar na prova do mestrado foi um “momento positivo” para mim, mas todos os outros acontecimentos de 2021 funcionaram como um “momento negativo”.

Além disso, “o momento psicológico” sugere que essas sensações são capazes de afetar, por exemplo, a nossa percepção de desempenho/sucesso durante a realização de uma tarefa, o que pode influenciar no resultado dela.

Outro exemplo, depois de passar no mestrado eu tive certeza que ganharia um Nobel antes dos 40 anos — claramente um “momento positivo”. Mas depois da pandemia e uma sucessão de “momentos negativos”, eu tive certeza que seria capaz de queimar um ovo cozido.

Resumindo, se a gente juntar a definição de “momento” da física com o conceito de “momento psicológico”, podemos concluir que tudo o que precisamos é de um empurrãozinho. Mas não um empurrão que nos faça tropeçar e cair. Um empurrãozinho de amigo que nos joga pra frente nos momentos difíceis.

Ou seja, imagine que você é um corpo parado (em inércia) esperando que uma vaga de emprego apareça na sua frente. Um certo dia essa vaga de emprego aparece e você fica extremamente feliz, ou seja, você acaba sendo impulsionado. Esse impulso positivo faz com que você entre em movimento, seguindo em frente de cabeça erguida e sorriso no rosto. Enquanto essa sensação de felicidade e esperança durarem (enquanto o movimento durar) podemos dizer que você está passando por um “momento” muito positivo.

E agora você pode estar pensando “mas eu não tenho nada ou ninguém pra me empurrar”. Respire fundo e pense comigo…

Talvez os empurrões que você e eu precisamos sejam as pequenas vitórias do dia a dia, como conseguir fazer um ovo cozido, acordar cedo, escrever um texto depois de meses de procrastinação.

Essas pequenas vitórias podem ser impulsos que nos mantém em constante movimento para que tenhamos muitos momentos positivos. E são esses momentos positivos que nos garantem dar um passo pra frente e nos possibilitam sair correndo quando vier a vontade de dar um passo pra trás.

Referências:

Iso-Ahola, S.E. and Dotson, C.O., 2016. Psychological momentum — A key to continued success. Frontiers in psychology, 7, p.1328.

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Em busca da descomplicação da neurociência do comportamento humano. / Searching for the uncomplicated neuroscience of human behavior.

Aline Cardoso
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Written by Aline Cardoso

Estudando o comportamento humano e tentando entender o meu; (ela/dela); Doutoranda em Fisiologia — Neurociência (UFRJ); Brasil