Viva para amar, ame para viver. Será o envelhecimento um processo maleável?

Aline Cardoso
NeuroBreak
Published in
4 min readMay 20, 2022

O envelhecimento é um processo biológico constante, mas o que poucos sabem é que ele é maleável. Isso acontece pois, assim como fatores genéticos, fatores ambientais – status socioeconômico, tabagismo, consumo de álcool, atividade física, apoio social e até o amor – são capazes de influenciar o envelhecimento de uma pessoa e até de uma população.

Com os avanços tecnológicos relacionados à medicina preventiva e terapêutica, pesquisadores do envelhecimento esperavam uma redução considerável dos índices de morte natural no início e na metade da vida, com maior mortalidade da população acontecendo na velhice e na mesma idade. E eles estavam certos, mas apenas quanto à primeira parte. Segundo a Tábua Completa de Mortalidade para o Brasil de 2018 divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida do brasileiro aumentou três meses e 4 dias em relação ao ano anterior e passou a ser, em média, 76,3 anos. Entretanto, o aumento da expectativa de vida tem seus altos e baixos. Isso porque pessoas idosas são naturalmente mais propensas a ter patologias, como Alzheimer, doença de Parkinson, problemas cardiovasculares, além de ansiedade e depressão. Mas ao contrário do esperado,

é na fase da vida que o amor e o amparo familiar deveriam ser ainda mais intensificados que a pessoa idosa se encontra mais sozinha e isolada.

Com o avançar da idade a solidão aumenta, e tem estado cada vez mais presente entre a população idosa, principalmente em países desenvolvidos. Segundo o IBGE, no Brasil, 35% dos idosos vivem sozinhos em suas casas, índice que triplicou nos últimos 20 anos. Além da desconexão social, caracterizada por uma pequena rede de contato/apoio social e pouca participação em atividades sociais, idosos também precisam conviver com o isolamento percebido. Este tipo de isolamento tem como característica a solidão por conta da percepção da falta de apoio social. Sabendo disso, cientistas de diversas áreas – incluindo biologia, epidemiologia, medicina, demografia, sociologia e psicologia – têm se questionado se intervenções de apoio social podem ajudar a reduzir a solidão e o risco de mortalidade associado a tais condições sociais, e assim aumentar a longevidade da população. Por mais que pareça roteiro de filme, o amor pode ser a resposta para esse questionamento.

Foi em 1897 que Émile Durkheim mostrou pela primeira vez a importância dos laços sociais para a saúde e a longevidade. Para isso, ele examinou diferentes taxas de suicídio na Europa e descobriu que elas eram mais prevalentes entre pessoas com poucos laços sociais.

A verdade é que as relações sociais são de extrema importância para manter o funcionamento saudável de um organismo e também de uma sociedade.

De acordo com o epidemiologista John Cassel, as conexões sociais atuam como um fator de proteção contra as consequências fisiológicas ou psicológicas da exposição a situações estressantes.

A afirmação de Cassel parece fazer cada vez mais sentido, considerando que pesquisas realizadas nas últimas duas décadas mostraram que o apoio social e a longevidade estão relacionados de maneira neurobiológica. Isso acontece porque o sistema nervoso autônomo, o sistema neuroendócrino, e o sistema imunológico respondem a sinais sociais de estresse e ameaça, gerando mudanças fisiológicas que a longo prazo são prejudiciais ao organismo, como: aumento da atividade cardiovascular, aumento da produção de cortisol e inflamação. Em contrapartida, vínculos sociais levam a inibição de respostas de defesa, induzem a regulação de cortisol, regulam a liberação de ocitocina e, com isso, promovem a redução do risco de doenças. Ou seja, pensando especificamente em idosos, manter os vínculos sociais pode ajudar a reduzir os níveis de mortalidade dessa população e aumentar ainda mais sua expectativa de vida.

Mas e o amor?

Os psicólogos sociais foram os primeiros a descrever o amor.

Eles o dividiram em três categorias básicas: o apego, que seria a conexão entre os seres; o cuidado, caracterizado pela busca de proteger o outro; e a atração, que pode ser dividida em atração sexual no amor romântico e afeto positivo no amor não romântico.

Assim, o amor pode ser definido como uma emoção positiva que conecta pessoas através do apego, do cuidado e da atração. A sensação de fazer parte de um grupo social é baseada em relações socioemocionais que envolvem algum componente do amor. A ciência descreve que foi através da vida em comunidade – através do apego, do cuidado e da atração – que o ser humano garantiu sua sobrevivência como espécie. Em outras palavras, sobrevivemos por causa do amor e por causa dele estamos vivendo cada vez mais. Só precisamos garantir que o amor esteja presente na vida daqueles que têm feito de amigo o tempo.

--

--

Aline Cardoso
NeuroBreak

Estudando o comportamento humano e tentando entender o meu; (ela/dela); Doutoranda em Fisiologia — Neurociência (UFRJ); Brasil