Podemos confiar no nosso cérebro? Heurísticas além de Nielsen

Vinicius Martins
Neuro&UX
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6 min readFeb 28, 2022
Obra: Casual ou Músico, Salvador Dalí (1930)

Em meados de 1990 Jacob Nielsen com Rolf Molich criou dez princípios para uma avaliação de usabilidade de interfaces digitais.

As chamadas “Heurísticas” de Nielsen definem pontos importantes de composição que devem ser considerados no momento da criação de layouts. Atualmente esse conteúdo é acessível através do site da Nielsen Norman Group, dá até para imprimir e colar na parede.

Jakob’s 10 Usability Heuristics Summary Poster

As “Heurísticas” de Nielsen são conhecidas na área de UX no Brasil, mas existem mais de duzentos tipos de heurísticas e vieses cognitivos na literatura científica.

A palavra heurística de acordo com Elazier Barbosa, escritor de Dicionário a origem das palavras”, deriva da palavra grega Heuristike, que significa “A arte de Descobrir”.

A palavra foi eleita para abranger todas as atividades da mente que tratam do pensamento criador, sendo um conjunto de regras que conduzem à descoberta, invenção e resolução de problemas. Tem ligação com a palavra grega Heureka, que significa “achei!”.

A realidade é algo que acreditamos ser exatamente o que percebemos, porém isso é apenas uma ilusão criada pelo nosso cérebro para interpretar as informações e adaptar ao nosso cotidiano. Um exemplo disso são as ilusões de ótica.

Obra: Casual ou Músico, Salvador Dalí (1930) / Capa inspirada na mesma obra, do álbum nomeado Punk do artista Young Thug (2021)

Portanto Heurística significa alguns processos que o cérebro realiza para a construção de julgamentos e tomadas de decisões, que precisamos realizar diante da realidade que percebemos. Elas são extremamente úteis em diversas situações, mas podem levar a determinados vieses inconscientes.

Através do psicólogo Herbert Simon, vencedor do Prêmio Nobel, na década de 1950 ele sugeriu que no momento que as pessoas se esforçam para fazer escolhas racionais, o julgamento humano está sujeito a limitações cognitivas.

Em seguida foi a vez de Daniel Kahneman e Amos Tversky avançarem com os estudos das heurísticas e vieses cognitivos. No ano de 1973 realizaram pesquisas no campo, e criaram por exemplo a Heurística da Disponibilidade. Em 2002, Kahneman ganhou o Prêmio Nobel em Economia pelos seus estudos em Economia Comportamental.

Heurística da Disponibilidade

Basicamente diz que quando avaliamos algo, nosso cérebro se concentra mais em coisas associadas inconscientemente a conceitos que utilizamos com frequência, ou que utilizamos recentemente.

Em uma das pesquisas realizadas por Kahneman e Tversky, eles realizaram um experimento perguntando para as pessoas que falam inglês:

“Se uma palavra aleatória for retirada de um texto em inglês, é mais provável que a palavra comece com ‘K’ ou que ‘K’ seja a terceira letra?”

Uma das hipóteses deles seriam que as pessoas imediatamente pensariam em muitas palavras que começam com a letra “K” (kangaroo, kitchen, kale), mas seria preciso maior esforço para pensar em palavras em que “K” seja a terceira letra (acknowledge, ask).

No fim, os resultados indicaram que as pessoas superestimavam o número de palavras que começavam com a letra “K” e subestimavam o número de palavras que tinham “K” como terceira letra.

Concluíram que as pessoas respondem as perguntas como essas comparando a disponibilidade das duas categorias, e avaliando a facilidade com que podem se lembrar dessas instâncias.

Mas na realidade, a probabilidade é três vezes maior de um texto típico existirem palavras com “K” como terceira letra do que como primeira.

Recorte da entrevista de Daniel Kahnman para uma matéria da pós graduação da PUC-RS em Neurociências e Comportamento.

Como mencionei anteriormente existem mais de duzentos tipos de heurísticas pesquisadas, e gostaria de mencionar mais duas resumidamente:

Representatividade

Tendemos a subestimar ou superestimar a possibilidade de que características de uma pequena amostra representem inadequadamente as características de toda uma população. Um exemplo, é quando pessoas utilizam uma amostra muito pequena como evidência e contrariando uma estatística.

Ancoragem

O cérebro é habilidoso para detectar que algo mudou e geralmente avaliamos essa novidade pelo efeito da mudança (positiva ou negativa) e não por seu valor (sendo o valor que teria por conta própria, isoladamente).

Os processos que envolvem vieses e tomadas de decisão são apreendidos

Considerando a utilização de heurísticas e as probabilidades de erros e acertos, há avaliação de que as heurísticas são mais precisas do que equivocadas. Em outras palavras, usamos as heurísticas porque são aprendidas e, geralmente, nos dão resultados corretos. Esses resultados corretos podem ser subjetivos, como mostram os estudos de Kahneman.

Um exemplo que a professora da PUC-RS Carla Tieppo utiliza e gostaria de trazer para comparação é a aprendizagem. Neste texto focaremos na função motora, onde um dos principais agentes é o Cerebelo.

Um atleta de alta performance para alcançar determinado objetivo, precisa realizar inúmeros treinamentos sobre o movimento do corpo conscientemente, onde há a prática de erros e correções.

Nesta parte de aprendizagem temos a ação das células de neurônios Purkinjen e Granulosa (irei abordar com detalhes esses processos em um texto à parte).

A cada repetição e correção do movimento existe o processo de decisão, onde o atleta precisa prever cenários futuros e escolher o melhor movimento a cada contexto apresentado.

Esses processos mentais são reforçados a cada momento de decisão, até um momento que ele se torna inconsciente e sua decisão não necessita mais do tempo que demorava antes, se torna mais rápido e prático. Este comportamento é derivado do treino, seja físico ou mental, para decidir o que fazer com o corpo.

Recorte da entrevista de Daniel Kahnman para uma matéria da pós graduação da PUC-RS em Neurociências e Comportamento.

O encéfalo utiliza 20% da energia do nosso corpo, afirmar que este órgão quer economizar energia e utilizar de atalhos, pode ser um equívoco. Pesquisas apontam que não reduz e nem diminui o seu gasto energético, ou seja, se mantém estável. É um órgão muito complexo e gasta muita energia, em qualquer situação.

A parte do Córtex Frontal sendo responsável pela cognição, mesmo não estando ativa continua gastando o mesmo valor energético, um exemplo são pesquisas realizadas com pacientes em coma, ou a comparação do gasto energético com outros animais.

Este artigo está repleto de generalizações simplificadas, sendo um recorte do assunto. Se você quer saber de fato sobre, terá que ler mais.

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Vinicius Martins
Neuro&UX

Product Designer, pós-graduando em Neurociências e Comportamento pela PUC-RS