As relações de casal: Qual a sua função e o seu espaço na vida individual?

Raquel Geraldes - Psicóloga
NeuroGime
Published in
4 min readMay 13, 2024

A entrada na idade adulta, coloca ao indivíduo novos desafios desenvolvimentais — fim da escolaridade, início da actividade profissional, autonomização financeira, a criação do espaço próprio, o casamento e a parentalidade –, cuja superação bem sucedida irá depender da consolidação da identidade, na adolescência tardia, da autonomização dos pais e da qualidade das relações com os pares, na adolescência. Todos reconhecemos a exigência deste processo, complexo e multidimensional, que implica, por essência, que várias dimensões do indivíduo se conjuguem e interajam.

De facto, a investigação indica que o repeortório comportamental do indivíduo adulto integra diferentes sistemas: o sistema de vinculação, o sistema de exploração, o sistema sexual e o sistema de prestação de cuidados. Na prática, isto significa que, por razões biologicamente determinadas, organizamos os nossos comportamentos e escolhas de acordo com a supressão de necessidades fundamentais, neste caso relacionadas com as necessidades de afeto e segurança (sistema de vinculação), necessidades relacionadas com o conhecimento e experiência do mundo e do próprio (sistema de exploração), necessidades de contacto íntimo (sistema sexual) e necessidades de cuidado, proximidade e continuidade da espécie (sistema de prestação de cuidados). As relações românticas estabelecidas nesta fase desenvolvimental surgem, então, como contexto estimulador da manifestação deste complexo repertórioreportório comportamental, que implica a interação entre os quatro sistemas comportamentais. De facto, as relações românticas, com tendência para a simetria e a reciprocidade, podem funcionar como base segura, ou seja, como pilar a partir do qual o sujeito explora as suas potencialidades.

Para Ainsworth (1991), os sistemas comportamentais de vinculação, prestação de cuidados e reprodutivo são aqueles que se encontram envolvidos numa relação romântica adulta. Segundo a autora, uma relação sexual duradoura (sistema reprodutivo) poderá proporcionar o estabelecimento de uma relação de vinculação, na qual se manifestará o sistema de prestação de cuidados. De facto, a investigação tem comprovado que as relações conjugais se constituem comummente como relações de vinculação. Entende-se que o sistema de vinculação, por se manifestar mais precocemente no trajecto desenvolvimental do indivíduo, possa influenciar a expressão dos outros sistemas comportamentais, funcionando como pivot no estabelecimento e manutenção das relações românticas. Assim se entende que, em certa medida, os comportamentos de prestação e receção de cuidados praticada e recebida no contexto das relações precoces tende a ser replicada e continuada no contexto das relações adultas, embora, por vezes, se possa assistir a uma descontinuação destes padrões. Aprendemos como funcionam as relações de proximidade e intimidade muito cedo na nossa vida e, não havendo situações de grave rutura desenvolvimento, é natural que a repliquemos, porque foi desta forma que organizámos, em última instância, a defesa da nossa sobrevivência e dos filhos, que garantem a continuidade da espécie.

Quando surgem os filhos, o papel do indivíduo enquanto prestador de cuidados será fulcral no estabelecimento de uma relação na qual, ele mesmo, será uma figura de vinculação. Na transição para a parentalidade, a coordenação íntima com o parceiro, o equilíbrio entre as novas exigências do sistema de prestação de cuidados e de todos os outros sistemas comportamentais, surgem como aspectos fulcrais do cumprimento da nova tarefa desenvolvimental.

Por fim, quanto ao sistema de exploração, a investigação sugere que o contexto laboral surge na idade adulta como contexto exploratório por excelência. Numa relação segura, o parceiro íntimo, enquanto base segura, deverá, tal como as figuras de vinculação na infância, oferecer suporte à exploração e aos objetivos pessoais do indivíduo. Este sistema de exploração é também ele fundamental à prossecução das necessidades do indivíduo como um todo, contribuindo para a sua satisfação geral e saúde. No âmbito da relação de casal, o respeito por esta dimensão enquanto necessidade individual é um dos pilares de segurança e equilíbrio.

Entendemos assim que a relação de casal, não sendo indispensável à concretização individual, pode, existindo, influenciar de forma determinante (positiva e/ou negativamente) o desempenho individual nas mais diversas áreas de vida. Torna-se assim fundamental atender e investir na qualidade da relação de casal enquanto potenciadora de uma expressão individual saudável e equilibrada, respeitando a sua função enquanto resposta a diversas necessidades do indivíduo enquanto ser humano e membro de uma espécie que se quer autopreservar.

A Terapia de Casal surge como resposta e espaço adequados para estas reflexões, desenvolvimento de competências de casal e treino de novos posicionamentos que, comprovadamente, têm um impacto positivo na relação mas também no indivíduo. Muitas vezes, em sessão, é necessário reconhecer o papel que cada sistema ocupa na vida dos dois indivíduos, negociando e encontrando equilíbrios mútuos.

Bibliografia

  • Feeney, J. & Noller, P. (1996). Adult Attachment. USA: Sage Publications.
  • Soares, I. (2007). Relações de Vinculação ao longo do Desenvolvimento: Teoria e Avaliação. Braga: Psiquilíbrios Edições.
  • Waters, E. & Cumming, E.M. (2000). A Secure Base from Which to Explore Close Relationships. Child Development, 71 (1), 164–172.

--

--

Raquel Geraldes - Psicóloga
NeuroGime
Editor for

Apaixonada pelo comportamento humano, tenho como maior propósito e motivação utilizar o conhecimento científico da Psicologia para acompanhar mudanças efetivas