Atenção e foco: você usa da forma certa?

Esses são os principais recursos dos trabalhadores do conhecimento para aumentar sua performance e inovar

Guilherme Boaviagem
Neurolake Blog
7 min readAug 4, 2020

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Photo by Johannes Plenio on Unsplash

Seu dia de trabalho provavelmente envolve trocas de e-mails com colegas, reuniões, estudo, desenvolvimento de soluções em software ou no papel-e-caneta, entre tantas outras coisas — e assim o dia passa voando. Os sentimentos de fadiga e sobrecarga que podem surgir, aliados por vezes ao de improdutividade, não derivam necessariamente da quantidade de atividades em nossa agenda, mas da forma como as conduzimos. Sejam as tarefas que estavam no calendário, ou aquelas que surgem como demandas externas urgentes, a sensação de dever cumprido depende muito do nível de atenção e foco dado a elas.

Particularmente entre os mais jovens, por exemplo, neste novo momento de home office, tem sido difícil manter a produtividade e a concentração. Muitos trabalham com o celular do lado, dando alt+tab constantemente para ler as notícias, navegar pelo app de músicas, checar as mensagens pessoais e corporativas, ver aquele artigo que veio no e-mail e, falando em e-mails, olhar mais e-mails.

Mas, qual o problema disso, afinal?

Bem, pode não parecer, mas esta fuga constante de atenção para diversas fontes está minando os frutos que o trabalho pode entregar.

Quem são os trabalhadores do conhecimento?

Peter Drucker escreveu bastante sobre os trabalhadores do conhecimento (knowledge workers), que, nas palavras deste artigo da Corporate Finance Institute (CFI), «aplicam conhecimento teórico e analítico, adquirido sob treinamento formal, para desenvolver produtos e serviços». Somos a maior parte de nós, leitores deste artigo: professores, contadores, engenheiros, advogados, profissionais de tecnologia, entre tantos e tantos outros. Segundo Drucker, o trabalho dessas pessoas requer autonomia, contínua inovação, contínuo estudo e transferência do saber. O trabalho da nossa geração, outrora realizado majoritariamente nas indústrias e oficinas, é hoje pouco materializado e realizado, primariamente, a dispêndio de nosso conhecimento e nossa atenção.

As oficinas estão em nossa mente, e precisamos ter cuidado para não subutilizar nosso principal recurso, que deve ser dirigido para ampliar nossas habilidades cognitivas e inovar.

O artigo da CFI ainda descreve que os trabalhadores do conhecimento devem ser capazes de filtrar as informações menos importantes e focar no essencial, o que os ajudará a resolver os problemas, responder a perguntas ou gerar ideias. As empresas reconhecem estes trabalhadores como um verdadeiro patrimônio, por conta de suas habilidades únicas, que não podem ser facilmente replicadas.

Estamos gradualmente montando uma imagem mental da importância do foco e da atenção para o valor do nosso trabalho. Para ajudar a completar a pintura, vamos visitar um pouco do pensamento de um professor americano de Ciência da Computação da Universidade de Georgetown, Cal Newport.

A hipótese do trabalho focado

Em seu excelente livro Deep Work (Trabalho Focado, na edição brasileira), Newport manifesta sua visão sobre o trabalho na distinção entre duas classes de atividades. A primeira, o chamado trabalho focado (deep work), é o trabalho realizado num estado de altíssima concentração, livre de distrações, que exige bastante das capacidades cognitivas. Seus resultados têm grande valor, aperfeiçoam as habilidades do indivíduo e são difíceis de replicar. O trabalho superficial (shallow work), por outro lado, é composto de tarefas facilmente replicáveis, de baixa intensidade cognitiva, frequentemente realizadas num estado de distração. Como é típico de seu estilo de escrita, matemático e acadêmico, mas fácil de ler, Newport começa o livro enunciando sua hipótese:

a habilidade de realizar trabalho focado está se tornando rara na mesma medida em que se torna valiosa em nossa economia. Como consequência, os poucos que cultivarem esta habilidade, tornando-a o centro de sua vida profissional, irão florescer.

Cal Newport bebe da fonte de Peter Drucker, entre muitos outros, para perceber que, dentre as atividades dos trabalhadores do conhecimento, aquelas que realmente geram frutos de habilidade e valor são realizadas sob alto foco, com intenção e ponderação. O problema é quando permitimos que múltiplas atividades atraiam nossa atenção continuamente. Lembra daqueles alt+tabs do início do texto? “Não vejo problemas”, alguém poderia dizer, “consigo tranquilamente continuar o trabalho após mudar minha playlist, ou me atualizar nas notícias”. Pode não parecer, mas a alternância de ponto focal para nossa atenção causa, sim, um problema.

O seu nome é resíduo de atenção. Este termo, cunhado pela pesquisadora Sophie Leroy, da Universidade de Washington-Bothell, diz respeito ao fato de que alternar entre várias tarefas causa prejuízo à qualidade de nosso foco, porque sentimos dificuldade de abandonar os pensamentos da tarefa anterior e dirigir os holofotes de nossa atenção ao novo objeto.

Este não é apenas um problema na procrastinação e nos navegadores de infinitas abas, mas também ocorre quando um trabalhador alterna entre muitas tarefas cognitivas, ou muitas reuniões de projetos. O resíduo de atenção pode ser “espesso”, pode haver falta de clareza, irritabilidade e estresse. Portanto, conscientemente distrair-se entre múltiplas tarefas ou permitir-se divagar por várias atividades pode prejudicar bastante a qualidade de nosso trabalho. Há, no entanto, que se considerar também fontes involuntárias de distração, que rompem com o trabalho focado.

O mindset do artesão

Nós, trabalhadores do conhecimento, especialmente aqueles mais próximos das áreas de tecnologia, tendemos a conhecer e adotar rapidamente novas ferramentas, na medida em que surgem. Em geral, o raciocínio é: se esta ferramenta pode me beneficiar nesta área (seja para entretenimento, carreira ou informação), vale a pena conhecê-la e abraçá-la. E assim nós baixamos apps de redes sociais, agregadores de notícias, jogos, ferramentas de educação gamificada, etc. Estes itens não são intrinsecamente danosos, mas são exemplos de meios pelos quais temos treinado nosso cérebro a rejeitar o tédio e o esforço cognitivo prolongado, em troca de estímulos externos novos, recebidos constantemente. São ferramentas que, se usadas sem critério, facilmente têm um efeito colateral prejudicial ao trabalho focado.

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Um artesão adota, geralmente, uma filosofia diferente. Ele não adquire qualquer ferramenta só pela promessa de dar-lhe algum valor. Uma oficina possui apenas as ferramentas certas, que colaboram unicamente para o artesão concretizar seu objetivo. Com este paralelo, Newport criou e descreveu em dois passos o mindset do artesão para adotar uma certa ferramenta ou hábito:

  • Identifique os fatores centrais de sucesso em sua vida pessoal e profissional.
  • Apenas adote uma nova ferramenta ou hábito se seus impactos positivos na direção desses fatores forem substancialmente maiores que os negativos.

Refletindo sobre este mindset e nossa relação com a tecnologia, Newport formou a opinião de que todos os que desejem cultivar o trabalho focado deveriam, por exemplo, abandonar as redes sociais, uma vez que são projetadas para fisgar o sistema de recompensas do cérebro e maximizar o tempo de uso. Ele argumenta que, para essas ferramentas, os fatores negativos superam os positivos. Perceba que, ao mesmo tempo, para aqueles envolvidos em marketing digital, o mesmo mindset poderia justificar o uso de redes sociais como componente crucial para seu trabalho.

Trata-se de um princípio para reger as nossas escolhas, a depender do quanto elas influenciam positivamente aquilo que mais importa para você.

Cabe adotá-lo em todas as esferas da vida, não só na profissional.

E agora, o que fazer?

Se você me aguentou até este ponto do artigo, certamente sua capacidade de realizar trabalho focado e prolongado está em ótimos níveis (risada de auditório). Mas, para os que vieram à conclusão buscando um TL;DR, vamos recapitular:

  • O valor de nossas tarefas, enquanto “trabalhadores do conhecimento”, está intrinsecamente ligado à nossa capacidade de realizar trabalho focado, intencional, prolongado.
  • Não é indicado alternar demasiadamente entre tarefas que demandam foco para “descansar”, uma vez que o resíduo de atenção pode prejudicar a qualidade do trabalho. Para refrescar a mente, prefira levantar da cadeira e preparar um café, pegar um ar, e deixe para olhar sua playlist ou as notícias em momentos específicos.
  • Devemos estar atentos às fontes de distração externas, que fisgam constantemente nossa atenção e ativam os sistemas de recompensa do cérebro.

Há algumas medidas simples, que podemos adotar desde já. Aqui na Neurotech, por exemplo, desde o início da migração para home office, nosso CEO Domingos Monteiro nos recomendou a adoção da técnica Pomodoro, em que alocamos blocos de tempo para trabalho focado, separados por alguns minutos de descanso. Outro exemplo ocorreu no canal do Slack da Neurolake, onde nossa Community Manager Emídia Felipe ativou os status pessoais. Um dos status que podemos escolher é “Concentração total — deixe seu recado”, indicando aos colegas que estamos imersos num slot de trabalho focado. No início do nosso trabalho, podemos sempre tentar minimizar as distrações que estiverem ao nosso alcance e planejar nosso dia, dando-nos descansos em tempos apropriados para levantar e tomar um ar. Há, enfim, mil formas de cuidar da nossa atenção: o primeiro passo é sempre procurar e testar o que mais funciona para você.

Em um artigo recente, Newport compartilhou que “para mim, a deep life significa focar com energética intenção nas coisas que realmente importam — no trabalho, em casa e em minha alma — e não gastar muita atenção nas demais”. Tudo o que falamos sobre cuidar de nossa atenção deve ser entendido sob essa ótica: não se trata de produtividade, apenas, mas de realização pessoal. Ser intencional e proativo a respeito de seu tempo, tendo em vista o que realmente importa. Não se trata de mudar o fazemos no nosso dia de trabalho — sua inbox continuará a receber e-mails — mas de dar a isso direção e ordenamento. Vale lembrar que pausas continuam sendo bem-vindas, então agora pode ir descansar desta leitura, de preferência levantando um pouco para pegar um café.

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