Sim, é possível ter conversas pragmáticas e empáticas ao mesmo tempo

Emidia Felipe
Neurolake Blog
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8 min readMay 15, 2020

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Boa comunicação interpessoal é uma ferramenta muito poderosa no dia a dia profissional (e pessoal): evita retrabalho, aumenta a margem de sucesso dos projetos e preserva a sua paz de espírito. Bom, né? Mas nada, NADA fácil. Por outro lado, é possível! Especialmente se você começar a usar Comunicação Não Violenta (CNV).

Disclaimer: se você é uma pessoa muito pragmática e/ou impaciente com subjetividades, sugiro que corra para o intertítulo Vamos ao tal Guia Prático: 10 dicas para melhorar sua comunicação interpessoal?

Não sei quantos anos da minha carreira eu teria adiantado se tivesse começado a cuidar da minha comunicação interpessoal mais cedo. Ah, espera aí: sou jornalista de formação, toquei uma pequena consultoria de comunicação e branding, promovi cursos, eventos e gerencio uma comunidade… comunicação interpessoal deveria ser “natural” pra mim, não? Não. É frustrante, mas, não. Uma coisa não garante a outra.

De uns poucos anos pra cá, venho entendendo como autoconhecimento ajuda nesse processo e, no ano passado, conheci a CNV, que me deu os meios que eu precisava para pôr em prática a melhoria da minha comunicação interpessoal. E adivinhem: funciona mesmo! Olha outra prova além da minha experiência nesse trecho de uma matéria da Business Insider:

“Quando Satya Nadella tornou-se CEO da Microsoft em 2014, ele herdou uma empresa cuja cultura era conhecida pela hostilidade, brigas internas e ‘punhaladas’ entre seus principais executivos. Para transformar a empresa, ele fez com que os principais líderes lessem o livro ‘Comunicação Não Violenta’, do psicólogo Marshall B. Rosenberg. Nadella deu cópias para todos na sua primeira reunião”.

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No livro, Rosenberg usa empatia e compaixão para mostrar como você pode ter uma comunicação mais efetiva. É a busca pelo meio termo mais sensato, sem se deixar levar pela emoção.

Sim, isso vale mesmo para você, pessoa pragmática que não acredita no poder da empatia — ou você, pessoa “supersincera”, que acha que pode dizer a verdade “doa a quem doer”. Não é nem um pouco fácil, admito. Exige um esforço consciente.

Nada aqui indica que você deve colocar a outra pessoa em primeiro lugar e se anular, ou “botar panos quentes” ou ser indulgente. A meta é ter assertividade*: colocar-se sem tomar o espaço do outro, entender o outro sem se anular.

Vamos ao tal “Guia Prático”, com 10 dicas para melhorar sua comunicação interpessoal?

Abaixo, está uma adaptação minha das orientações do livro. São coisas que estou testando ou já testei — até agora, com sucesso. É muito mais do que um checklist ou uma lista de “complete aqui”, é um exercício de empatia, assertividade e, principalmente, de autoconhecimento. Não tem mágica, nem é receita de bolo, mas segue um resumo didático:

1. Prepare-se

É preciso preparar-se antes das interações com as pessoas, fazer um esforço consciente, especialmente se você tem seus desafios de comunicação interpessoal forem antigos.

2. Defina aonde quer chegar com a conversa

Pense “Quando a conversa acabar, que efeito quero alcançar?” e foque nele durante a conversa para evitar:

  • A entrada de assuntos que não estão no escopo dessa conversa em especial, comprometendo a produtividade (tempo e resultado) da conversa;
  • A perda de engajamento da outra pessoa no objetivo;
  • Os sentimentos ruins (raiva, frustração, etc) que podem vir de uma possível “exumação de cadáveres”.
  • Se precisar, marque outra conversa para outros assuntos.

3. Faça paráfrases

A paráfrase é uma maneira diferente de repetir algo já dito, sem mudar o sentido, para mostrar que você entendeu o que ela comunicou. É muito importante porque, se você tiver entendido errado, já se faz uma ajuste nesse momento, seja por meio de outra explicação ou (melhor ainda) por exemplos.

4. Dê clareza ao que sente e ao que você quer

Fazer esse processo pelo menos mentalmente (mínimo) ou escrito (idealmente) antes da conversa ajuda muito.

Quando (o que a pessoa fez), houve (consequências) e minha expectativa/nosso combinado era (alinhamento). Por que o combinado/alinhamento não foi cumprido?

  • Qual a sua percepção sobre isso?
  • (sugestões) faz sentido para você?
  • Então vamos (to-do), em (prazo) [se não enviar por escrito, anotar em algum lugar]
  • (Tal coisa) fez com que eu sentisse (emoção/sentimento) porque (minha expectativa/nosso combinado/nossos valores, propósito) e eu gostaria que (pedido).
  • Quando (o que a pessoa fez), sinto (emoção/sentimento) ou fez sentir-me (sentimento gerado pela ação da pessoa) porque (minha expectativa/nosso combinado/nossos valores, propósito).
  • (Tal coisa) fez com que eu sentisse (emoção/sentimento) porque (minha expectativa/nosso combinado/nossos valores, propósito) foram deixados de lado e eu gostaria que (pedido).

5. Aprecie

Elogios em geral são vazios, superficiais. Aprecie a ação/resultado deixe claro o que a pessoa fez e atendeu às necessidades.

(O que a pessoa fez) (como atendeu suas necessidades/expectativas [ou do grupo]) e fez sentir-me (sentimento gerado pela ação da pessoa). Parabéns.

6. Agradeça

Obrigada. Quando (o que a pessoa fez), (como atendeu suas necessidades/expectativas) e fez sentir-me (sentimento gerado pela ação da pessoa).

Agradeça a confiança
Compartilhar algo, mesmo um feedback negativo, pode evitar diversos problemas, mas é algo difícil de fazer e que requer um esforço de confiança.

Obrigada por compartilhar (assunto). É importante para mim que tenhamos um canal aberto e que as coisas fiquem claras entre nós.

7. Em situações mais difíceis

Raiva (geralmente vinda da frustração [por qualquer motivo])

  • Pare e respire;
  • Dê um pouco de empatia a si mesma(o);
  • Se não conseguir se acalmar, peça uma pausa, saia do ambiente e retome depois de X minutos ou remarque;
  • Identifique os julgamentos que você está fazendo;
  • Conecte-se com as suas necessidades e como elas não estão sendo atendidas;
  • Quando (o que a pessoa fez), senti-me (como se sentiu) porque eu precisava de (necessidade específica não atendida) e minha expectativa era () e eu gostaria que (pedido que atenda suas necessidades específicas) porque (porque é importante);
  • Expresse suas necessidades;
  • Ouça as necessidades da outra pessoa;
  • Faça seu pedido;
  • Dê os encaminhamentos.
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8. Em mediações

É essencial se preparar antes.

  • Vamos falar sobre (assunto) e temos alguns pontos para tratar (lista pontos). Vamos começar pelo ponto (1). Qual a sua percepção sobre isso?
  • Como você se sente quando Pessoa faz tal coisa?
  • Por quê?
  • Quais eram suas expectativas?
  • O que você gostaria que acontecesse?
  • PARÁFRASE. Exemplo: Você se sente (sentimento/emoção) porque gostaria que (necessidade não atendida)?
  • Recapitular encaminhamentos
  • Agradecer a confiança

9. Assuma suas escolhas e sua responsabilidade e seus méritos sobre elas

Você não é obrigada(o), você não “tem que”. Você escolhe determinada coisa e, com ela, assume responsabilidades.

(Tal coisa), ainda que difícil e indesejável, é minha responsabilidade porque escolho (minha escolha) porque (minha motivações para ter escolhido).

(Tal coisa) traz (sensação positiva) e fico feliz que aconteça como parte da escolha (minha escolha) que fiz.

10. Siga em frente

A conversa pode chegar a um ponto em que você não consiga o meio termo. Pode ser porque você não tenha conseguido entender o contexto da outra pessoa, nem ela o seu. Pode ser que a outra pessoa esteja em um ponto da jornada que você não pode ajudar (e vice-versa). A essa altura, você escolhe: ou insiste na mesma tecla e gera um desgaste, ou escolhe um outro caminho que, talvez não seja o ideal, mas atende o seu objetivo.

Lembre-se: você não é responsável pelas emoções do(a) outro(a), é pelas suas. À medida que você entende isso, vai ganhando mais paz de espírito e não se sente responsável pela jornada do(a) outro(a).

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(Bônus)

11. Comunicação é autoconhecimento

A lista acima vem sendo construída desde que terminei os estudos do livro de Rosenberg, que conheci por meio de uma consultora amiga chamada Anna Terra. Eu revisito a lista (e as observações abaixo) e vou ajustando o conteúdo de acordo com minhas experiências. Algumas coisas já deram muito certo, outras estão em teste e outras dependem da minha evolução como pessoa.

Quanto mais você avança em seu autoconhecimento, melhor sua comunicação interpessoal flui. Minha jornada está (bem) longe de acabar, mas posso dizer isso porque tive alguns avanços consideráveis. Considerando esse contexto, vale ressaltar que, em todos os pontos acima, há observações importantes que não podem deixar de ser feitas:

  • CNV é, basicamente, ouvir de verdade, identificar quais as suas necessidades, quais as necessidades da pessoa e ter um plano de ação claro e exequível.
  • Desarme-se. Tente focar na conversa e não se deixe “ofender” pelas críticas ou erros alheios. Se isso está acontecendo, certamente há questões suas que precisam ser tratadas via autoconhecimento.
  • Você pode causar uma percepção negativa no outro e se compadecer disso e desculpar-se, mas precisa esclarecer o que você precisa para achar um meio termo entre as suas necessidades e as do(a) outro(a).
  • Escutar ativamente, estar presente ali, compreendendo o que o outro está dizendo, por ser muito difícil, sobretudo em um mundo de tantas demandas e distrações ou pra gente como eu, que fala muito. Por isso geralmente tem que ser um esforço consciente, ir além do que você já acredita que está fazendo.
  • Comunicação interpessoal é um aspecto comportamental. Não vai mudar da noite para o dia. Leva treino e tempo, mas é um investimento muito recompensador.
  • Frustração pode ser inevitável nesses momentos, mas não pare o processo da CNV quando sentir-se frustrada(o).
  • Se, no meio da conversa você atropelou a fala de alguém, foi precipitada(o) ou agiu de forma indesejável para o momento, não se apegue à culpa ou à vergonha. Recomece. O erro não é o fim.
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Links e observações

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Emidia Felipe
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A meta é destravar potências e potenciais de quem pode mudar (o próprio) mundo. Mais em www.linkedin.com/in/emidia