A mensagem final do programa: catártico

“É o fervilhar do fim de uma era”

O que o fim da MTV ofereceu à TV brasileira

Bruno Viterbo
5 min readSep 30, 2013

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No último dia de transmissão da MTV sob o comando da Abril, a Mídia NINJA e um de seus organizadores, Bruno Torturra, fez um programa de duas horas ininterruptas. Como que num epitáfio, o programa — gravado, é importante lembrar — feito aos moldes da cobertura NINJA, talvez tenha aberto o primeiro debate sobre a discussão das novas mídias na TV aberta que invadem, dia após dia, as telas. Todas as telas.

Além da câmera de TV, Torturra manteve em mãos uma câmera que transmitia “em tempo real”. Junto a ele, ex-diretores da emissora (Zico Goes e André Waisman), Marina Person e diretores técnicos da emissora percorreram os corredores e andares da emissora discutindo a história da emissora e os rumos da TV brasileira. Nenhum canal fez isso até agora. A conversa, por muitas vezes informal, falou sobre tudo que culminou nesse fim: a transformação da música, críticas a emissoras de TV, novos rumos da mídia, etc. Uma discussão muito melhor que numa bancada anacrônica. Mas uma discussão que poderia ser melhor aproveitada justamente pelos outros canais que ficarão aí. A mensagem de despedida (na foto que abre a matéria) tem muito mais a dizer do que apenas um agradecimento.

Bruno Torturra (NINJA) e diretores da MTV: uma discussão pertinente, mas na hora e local errados

A MTV sempre ostentou a aura de um lugar alternativo e moderno. A aura de que lá era tudo permitido. A aura de que lá era um mundo fantástico da TV. Uma lisergia. Um sonho pro jovem que queria trabalhar com TV. A emissora ditou os rumos de muitas atrações que temos hoje em vários canais. E o que dizer dos VJs que pipocam em outros canais hoje? No caminho do “fim”, todos os ex-VJs apresentaram, a cada dia, o “MyMTV”. Ali eles montaram a “programação dos sonhos” e apresentaram.

Os últimos anos da emissora foram marcados por uma aposta no humor. Com a invasão predadora do YouTube, a música saiu de cena para dar espaço à produções que, se tinham qualidade, não chegaram aos pés dos tempos de ouro do “Hermes e Renato”. No entanto, a aposta em series como “Overdose” e a excelente “A Menina sem Qualidades” e o deboche com o fim no “O Último Programa do Mundo” mostram que a MTV nunca esteve moribunda. Continuou produzindo com qualidade e ainda riu da própria desgraça.

“O Último Programa do Mundo”: MTV rindo da própria desgraça, em chamas.

É catártico assistir ao fim de uma emissora uma discussão sobre o novo. As duas horas do programa transcorreram sem intervalos. Presentes ali diretores de uma TV que fora revolucionária ao lado de um dos expoentes da transformação midiática que atingiu seu ápice nos protestos de junho. Mais catártico ainda: a MTV funcionou no prédio da TV Tupi, a primeira emissora do Brasil. A Tupi fechou e deixou um legado. A MTV sai de cena e também deixa uma história. Mas deixa um legado parcial: as fitas que tem a logo da MTV só poderão ser transmitidas pelo grupo Viacom, dono da marca. Nem é preciso dizer que esse vasto material será alvo de disputa judicial.

O tom de despedida foi constante. Mas a MTV não vai acabar. O canal a cabo virará, pelo menos por enquanto, um depósito de enlatados americanos e alguns poucos programas produzidos com Supla e Fiuk. A demanda para TV paga cresce cada vez mais. O canal de música perdeu a essência musical faz tempo. A música está no YouTube, inevitável. A aura revolucionária não terá mais, já que o cabo é tudo mais livre, mais possível. A TV aberta, velha e conservadora, perde um expoente de um novo tipo de fazer programas. A MTV da tv paga, arrisco dizer, será apenas mais um canal. Uma pena.

O título dessa matéria resume tudo isso: “É o fervilhar do fim de uma era”, disse um dos diretores.

A equipe subiu até a antena de transmissão da emissora

Uma opinião pessoal: já vi uma emissora nascer (RedeTV! em 1999, consequentemente a Manchete morrer) e sabia que um dia veria o fim de alguma outra. Só não esperava que fosse a MTV, mesmo com todos os problemas. Não vou dizer que era fã, se não estaria mentindo. Não tinha um programa preferido ou um VJ. Já fui assistir ao vivo alguns programas e ver a Daniella Cicarelli ao vivo no “Beija Sapo” foi, na época, um acontecimento. Já fui a um VMB, se não me engano em 2009. No tempo livre, o Rockgol foi a distração. Lembro-me que esperava ansioso ao clipe “Cleanin’ Out My Closet” do Eminem, no Disk MTV. Vi amigos que conheço há anos tocando com a banda, já com a emissora perto do fim. Mas o que mais me marcou nesses quase 23 anos de MTV foi a serie “A Menina sem Qualidades”. Como podem perceber, nada de música.

O histórico prédio da rua Afonso Bovero que já abrigou o início e o fim de duas revolucionárias da TV brasileira

Nos últimos meses, por conta do trabalho de conclusão de curso sobre o narrador Everaldo Marques, da ESPN, tenho passado sempre pelo prédio da MTV, já que as duas ficam lado a lado. Um prédio histórico, que não pode correr o risco de virar um depósito de entulho ou qualquer outro tipo de coisa. Existe um projeto que quer fazer do local um museu da TV brasileira.

Às vias de toda a TV virar um museu, nada mais justo.

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Bruno Viterbo

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.