A Ghost Story não é terror, mas assusta da mesma forma

Vinicius Machado
SALA SETE
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3 min readOct 12, 2017

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O ano de 2017 tem sido um tanto quanto esquisito para Hollywood. Se por um lado os grandes estúdios enfrentam uma queda significativa de bilheteria, por outro, há uma certa ascensão do cinema independente e autoral. Filmes como Moonlight, Corra!, mãe!, Ao Cair da Noite e O Lagosta brilharam os olhos do público e da crítica com roteiros interessantes, criativos e não tão convencionais, além de gerarem boas discussões a respeito de seus conteúdos, assim como o mais novo lançamento da A24: A Ghost Story.

Dirigido pelo americano David Lowery, filme conta a história de um casal comum, que certo dia tem seus planos interrompidos por conta de um acidente de carro, que tira a vida de C (Casey Affleck). No entanto, ele retorna em forma de fantasma para sua casa para tentar uma conexão com sua amada, M (Rooney Mara).

Antes de qualquer coisa, é muito importante ressaltar que este não é um filme de terror. Portanto, esqueça os aspectos sobrenaturais convencionais, sustos, sangue ou qualquer outra coisa que se remeta ao gênero. Aqui, há uma narrativa lenta, quase que estática sobre o comportamento de um espectro e todos os seus sentimentos e ligações com o mundo real.

O diretor faz com que o público se torne um mero espectador dentro do filme e acompanhe todos os movimentos do fantasma de C. Não por acaso, utiliza um tamanho de tela quadrangular com pontas arredondadas, como se estivéssemos vendo um vídeo ou uma fotografia antiga, o que não é uma tarefa fácil. Sem muito diálogo, o silêncio do filme é ensurdecedor, quase claustrofóbico, e a situação se intensifica quando a imersão na trama é completa. Há, por exemplo, uma cena de M. comendo uma torta que dura mais de cinco minutos, que parece mais uma vaidade do diretor, mas com o passar desse tempo, percebe-se que há a construção do luto, do desespero e da solidão. É uma cena linda e ao mesmo tempo desesperadora.

Uma das grandes sacadas do filme está em sua passagem de tempo, que se torna praticamente um personagem dentro da trama. Independente da crença, o tempo é uma das maiores discussões quando o assunto é a vida após a morte. Sua forma, como aqueles fantasmas infantis de lençol, é a maior representação de que o filme trata o espectro sem personalidade ou forma. Aqui, pouco importa o formato, o assunto em questão é o legado que se deixa na terra e todo esse ciclo que envolve a vida e a morte.

Dentro dessa mensagem há muito o que se compreender e cada um entenderá de acordo com suas convicções. No entanto, em determinado momento, o personagem de Will Oldham faz um monólogo um tanto quanto realista sobre legados que serve como uma direção, parece até a boa e velha exposição dos fatos, só para simplificar para o público. Não se engane, o discurso é assustador, realista e impressionante, o direcionamento é quase mínimo, além de gerar uma boa reflexão sobre o assunto.

Além de Oldham, não dá tempo dos outros atores realizarem um trabalho magnífico a não ser Casey Affleck, que mesmo sem muito o que fazer em cena, consegue transmitir todas as emoções e gerar uma empatia pelo personagem com apenas a expressão corporal. O público se identifica e toma suas dores, mesmo sem saber como deve ser a sensação de assistir o mundo girar como um mero espectador.

Um dos melhores do ano, A Ghost Story assusta por ser um filme contemplativo sobre vida, morte e tempo, que diz muito sobre existencialismo e nos faz pensar sobre como nossa vida é passageira e como a dos outros também é, além de nos fazer pensar sobre esse tal de legado e o que queremos deixar aqui na Terra depois de partirmos. Afinal, a única certeza que temos nessa vida é a morte. A questão é de como queremos ser lembrados aqui, mesmo que um dia todos nós sejamos esquecidos.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.