A consciência sobrevive
Casos extraordinários de crianças com lembranças de outras vidas desafiam a razão. Entenda como uma simples postagem de twitter revelou que estas experiências são mais comuns do que se pensa
Recentemente, um simples tweet repercutiu na internet gerando uma discussão sobre reencarnação. Uma postagem corriqueira do usuário @cesarotti revelou que crianças com supostas lembranças de vidas passadas são mais comuns do que se pensa. Entenda como céticos, religiosos e agnósticos se uniram para tratar de experiências particulares sobre esse tema controverso:
A postagem foi feita na manhã do dia 26 de janeiro de 2019 no twitter. Poucas horas depois outras pessoas começam a responder com várias histórias estranhamente parecidas. Poucos dias depois a postagem atinge mais de 31 mil curtidas e recebe centenas de respostas. Mesmo alguns céticos assumidos trazem relatos com explicações racionais. @Cesarotti impressionado com a viralização do assunto, comenta:
Gente, uma história boba ocorrida na hora do almoço tomou proporções inacreditáveis e rendeu ótimas replies, com histórias incríveis. A gente às vezes assusta, mas tô achando um barato pq geralmente essas histórias falam de amor, de vínculos e ligações.
Em tempo: sou católico, então, tendo a não crer em reencarnação. Porém acredito em coisas tão inverossímeis quanto, ao menos aos olhos da ciência.
Acima de tudo, aprendi a aceitar tudo o que é crença — e também a ausência dela. Cada um na sua. O que vale é o respeito e, no fim das contas, o amor.
Para ateístas e religiosos de dogma Cristão, a mera hipótese da reencarnação viola algumas noções fundamentadas. A bíblia diz:
“Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o juízo”. — Hebreus 9:27
Apesar disso cabe a todos a liberdade de conjecturar sobre uma idéia afim de considerar a hipótese: “e se…”. Muitas idéias interessantes se constroem dessa maneira:
“E se fosse possível viver em outros planetas?”
“E se fôssemos capazes de criar consciência em maquinas?”
“E se a consciência sobrevivesse a morte do cérebro?”
Há perguntas que merecem reflexão.
Se fosse apenas pela história de @cesarotti, a história de um menino a mesa de jantar, não passaria de um caso irrelevante, mas as histórias estavam se multiplicando através de experiências relatadas por outras pessoas na thread do twitter:
Quando criança, sempre disse que queria um irmão gêmeo e queria me chamar Samuel. Minha mãe mudava de assunto e ficava mal. Depois dos 15, descobri que minha mãe teve um aborto espontâneo de gêmeos e só tinha escolhido o nome de um… Adivinha…“Samuel”
@theusbp
Meu sobrinho tinha 4 anos e eu tava falando com a minha mãe que tava foda a vida. Aí ele: “essa vida é mto difícil mas que temos que passar por ela pra ir pra outra vida, a que importa.” Perguntei de onde ele tirou isso e ele disse que “meu coração me falou”.
@fesicuro
Minha afilhada qnd tinha 3 anos, sentou na mesa pra jantar e começou a chorar do nada sem parar, qnd fomos perguntar a ela o que tinha acontecido ela disse: lembrei do acidente de carro que estava eu e minha família indo viajar, matou eu meu marido e meus dois filhos naquela noite!
@JULIANA7LAKE
Minha filha de 5 anos fala com muitos detalhes da “outra família dela” e de quando ela morava na fazenda, explica todos os animais q ela tinha e cuidava, fala q dormiu e acordou com essa família nova.
@rcavalcant333
Meu filho com 2 anos, mal sabia falar. Do nada começou a contar pra minha esposa a história de “quando ele era antes”. Nessa história ele estava em um navio, veio uma onda enorme e o navio virou. Ele contava detalhes da roupa que ele estava usando.
@jorgitoquinze
O menininho disse que eu sempre cuidei dele na fazenda. Que eu era sua iaiá. Foi estranho demais ele me abraçava e, sorria. Disse que eu tinha mudado as roupas e meu cabelo eu usava um pano. Eu assustada e o menino entre minhas pernas.
Os pais disseram que nunca moraram em fazenda e sim na capital pertinho da praia. Me afeiçoei ao menino.
O engraçado é que o menino dizia você ainda canta Iaiá? Canta pra mim. Sempre tive o hábito de cantar no trabalho ou em casa mas como ele saberia disso?
Os pais tentaram me contactar mas não pude ir. Perdi totalmente o contato deles.
Ele passava a mão no meu rosto dizendo Iaiá tu não mudou nada. Uma vez chorei. Como alguém que nunca vi antes podia me amar tanto? Todos onde eu trabalhava achavam intrigante aquilo tudo.
Doido né, quando você procura resposta nas religiões a maioria te joga um balde de água fria. Muitos me disseram que era fantasia do garotinho. Mas eu não acredito que ele fantasiou aquilo. Tinha riqueza de detalhes no que ele falava.
Fui criada no catolicismo tenho amigos e alguns familiares evangélicos outros espíritas. Todos têm uma resposta diferente pra isso tudo.
@monadeneve
Casos ao redor do mundo
Ao redor do mundo há outros casos bem documentados de crianças com supostas lembranças de outra vida. Veja por exemplo o que aconteceu com a Indiana Shanti Devi, nascida em 1926 na cidade de Delhi, na Índia. Ela falava muito pouco na infância, e assim que começou a falar dizia coisas do tipo:
— Essa não é minha verdadeira casa. Eu tenho um marido e um filho em Matura.
A cidade de Matura ficava há mais de 150 quilômetros da cidade onde Shanti vivia. Ela contava que seu nome era na verdade Ludgi. Isso era a Índia dos anos 1930, então os pais não a levaram a um médico, apenas disseram para que parasse de falar essas coisas.
Na escola, Shanti contou aos professores detalhes sobre sua vida em Matura. Ela dizia o endereço onde viveu, lembrava que seu marido se chamava Kedar Nath, e que ela havia morrido dez dias depois de ter dado a luz.
Impressionado com a história, um dos professores enviou uma carta para o endereço dado por Shanti perguntando se naquele local houve uma mulher que morreu dez dias após o parto de um menino e que isso tinha acontecido há nove anos. Para a surpresa do professor, na carta a resposta era "sim", uma mulher chamada Ludgi havia morrido dez dias após o parto. A carta era assinada por Kedar Nath, o nome que Shanti dera para seu marido da vida passada.
O professor organizou um encontro entre o marido de Ludgi com a criança que alegava ter sido sua esposa em uma vida passada, mas não revelou a identidade de Kedar para a menina Shanti. Surpreendentemente, ela o reconheceu, assim como reconheceu o filho que ele também levou, que agora era mais velho que ela. Em uma sala separada, Kedar fez uma série de perguntas íntimas para ela, e Shanti respondeu com segurança e assertividade.
A popularidade do caso atraiu curiosos, pesquisadores e até figuras públicas e todos questionavam como aquela garotinha saberia tantos detalhes acerca da vida daquele homem que morava em outra cidade tão distante, com outro dialeto. O próprio Mahatma Ghandi se interessou pelo caso e formou uma comissão que avaliou cuidadosamente a veracidade da história. Esse grupo não conseguiu comprovar que a menina estivesse mentindo. Obviamente isso não comprova que ela estivesse falando a verdade, mas o caso tornou-se célebre entre os grandes mistérios sem resolução.
A vida de Shanti virou uma bagunça com tantos curiosos e investigadores. A história teve um fim triste. Shanti certamente não teria condições de assumir o papel de esposa ou mãe de uma família de uma suposta vida antecedente. Ela seguiu com sua vida com os pais e afastou-se daquelas pessoas de quem lembrava. Anos depois, quando Shanti já era uma adulta, levando a vida discretamente, repórteres tentaram reavivar o caso, mas ela não quis mais tocar no assunto.
Histórias como esta se repetem em diferentes culturas. Há outro caso célebre documentado no filme “Extraordinary People — The Boy Who Lived Before” ( pessoas extraordinárias — o garoto que viveu antes ). Cameron Macauley é um garoto vivendo com os pais na cidade de Glasgow, na Escócia. Desde que começou a falar, aos dois anos de idade, ele se lembra com precisão de sua outra família na Ilha de Barra, há 240 quilômetros de Glasgow, cidade em que ele nunca esteve. A semelhança com a história de Shanti começa aqui. Na narrativa do documentário, um grupo de pesquisadores e a família levam o garoto para a ilha na tentativa de encontrar o lugar das lembranças do garoto. Nesse percurso, algumas das lembranças do menino se revelam profundamente fiéis ao que eles encontram, outras nem tanto.
Do ponto de vista científico, nunca pode-se descartar uma possibilidade sem antes de averigua-la, mas o ceticismo é uma ferramenta para não se perder em crenças sem fundamento. Fatos como estes não podem ser completamente desvendados, mas um estudo científico foi capaz de traçar padrões interessantes entre mais de 2500 histórias de pessoas com lembranças de vidas passadas ao redor do mundo, como veremos a seguir.
O mundo é um sonho compartilhado
É claro que casos isolados de crianças lembrando de outras vidas não tem valor por si e soam lúdicos e fantasiosos demais para se levar a sério. Certamente são histórias que instigam a imaginação, mas não querem dizer nada.
Mas o que acontece quando um estudo compila milhares de histórias como estas e estabelece padrões entre elas? Nesse caso, por mais racionais e céticos que sejamos, somos levados a levar o assunto um pouco mais a sério.
Há de fato uma pesquisa de catalogação de casos de crianças com lembranças de outras vidas. Pesquisadores da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, registram sistematicamente lembranças desse tipo desde a década de 1960.
Foram registrados mais de 2500 casos em diversas regiões do mundo. Mais de 200 variáveis foram codificadas e inseridas em um banco de dados, de forma que é possível começar a analisar padrões coletivos que não poderiam ser percebidos observando apenas casos individuais.
Os pesquisadores perceberam que essas lembranças costumam acontecer em crianças entre os 2 e 3 anos, e a média é de 38 meses. Em 70% dos casos as crianças relatam memórias de mortes não naturais em suas supostas vidas passadas ( assassinato, suicídio ou acidente ), então esse parece ser um fator distintivo nos casos. E mesmo em casos de mortes naturais, geralmente os relatos se referem a pessoas que morreram muito jovens, geralmente antes dos 15 anos. Então há algum fatos sobre mortes não-naturais relatadas que faz com que seja mais provável que estas lembranças apareçam. Outro fator curioso é de que as crianças tendem a falar sobre vidas que aconteceram há poucos anos atrás, com algumas excessões como o caso de James Leininger. Um garoto que lembrava em detalhes de uma vida passada que aconteceu cerca de 50 anos antes de seu nascimento. Este garoto, por exemplo, forneceu detalhes impressionantes que puderam ser verificados através de pesquisa. Ele relatava ter sido um piloto de avião durante a segunda guerra mundial. O pesquisador Jim Tucker explica: “Nós temos documentação que foi feita dos depoimentos dele, antes do piloto ter sido identificado, que mostram que o que a criança disse, incluindo números e detalhes muito específicos, todos correspondiam perfeitamente. Um caso como este provê evidências de que há uma conexão entre a vida de um piloto da segunda guerra mundial e aquele garoto, James Leininger, que parece ter memórias de alguém que viveu e morreu no antes.”.
Ian Stevenson, psiquiatra e pesquisador, iniciou esta pesquisa e passou o bastão há mais de dez anos para o colega também psiquiatra, Jim Tucker. Tucker deu continuidade a catalogação dos casos chegando a publicar dois livros. Em um dos livros, “Return to Life: Extraordinary Cases of Children Who Remember Past Lives”, a maioria dos casos foram registrados nos Estados Unidos, muitas vezes entre famílias batistas que sequer acreditam na hipótese da reencarnação. Mas grande parte dos casos também foram registrados em diversos outros locais do mundo, alguns com cultura de crença em reencarnação.
“Nós nunca nos aproximávamos dos casos de um ponto de vista dogmático” — conta o pesquisador Jim Tucker em uma entrevista dada para o site skeptiko.com. — “quando alguém acredita em reencarnação e se aproxima de cada caso com a premissa de que aquele será um caso verdadeiro. Não é assim que operamos. Nós abordamos o caso para descobrir possíveis evidências que ele possa fornecer e quais as conexões disso com a pretensa vida passada. Estou interessado em casos em que as crianças dêem detalhes suficientes para que haja a oportunidade de validar ou verificar os dados. Então nós recebemos muitas crianças que dizem coisas bem interessantes. Mas se elas não puderem nos dar nomes de pessoas ou localizações, não passa de mera curiosidade”.
A idéia de reencarnação por si, é difícil de aceitar e conceber. Segundo Jim Tucker, a ciência está muito focada no materialismo.
MATERIALISMO: doutrina que identifica, na matéria e em seu movimento, a realidade fundamental do universo, com a capacidade de explicação para todos os fenômenos naturais, sociais e mentais.
Por exemplo, na biologia, acredita-se que a consciência seja um subproduto do cérebro. Então, nesta lógica determinista tradicional a consciência é secundária, e a matéria é a base de tudo.
E se a consciência antecede o mundo material?
Enxergar a possibilidade de que haja algum tipo de consciência além do mundo material não é uma idéia bem aceita pela ciência tradicional. É preciso girar uma chave para que isso faça algum sentido, principalmente quando estamos falando de academia. Como validar um estudo de tamanha subjetividade em uma pesquisa universitária?
Esta é a hipótese colocada por Jim Tucker, utilizando-se de conceitos da física quântica que em palavras muito simples infere que: “seus pensamentos afetam a realidade”. Na física o "efeito do observador" demonstra que o comportamento das moléculas pode ser afetado pelo observador. Evidência da consciência afetando o mundo material.
“Toda matéria se origina e existe pela virtude da força. Podemos assumir que por trás dessa força existe uma consciência e uma mente inteligente. Essa mente é a matriz de toda a matéria”. — Max Planck
Existe todo um campo de pesquisa na física para mostrar, através de experimentos, que o observador afeta o comportamento da matéria. O que Jim Tucker quer explicar com isso é que talvez, trazendo conceitos da física quântica para seu campo de pesquisa, seja plausível a idéia de que a consciência sobrevive ao corpo físico.
Tucker faz uma analogia interessante:
A morte seria estar acordado e a vida o sonhar.
Quando você renasce (reencarna) em um novo corpo aqui no mundo material, você está tendo um novo sonho. E em alguns sonhos pode ser que você se lembre dos sonhos passados.
Dessa forma a consciência atravessa múltiplas existências físicas, mas ela antecede todas estas existências. Colocado de maneira simplista, é quando a ciência aproxima-se da metafísica. Não há provas, mas o trabalho de Jim Tucker colhe evidências para que essa hipótese seja ao menos plausível. “E se?”, é preciso estar aberto a hipótese, e nesta hipótese, o mundo físico que vivemos é um sonho que compartilhamos.
Referências:
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