Jogo Perigoso quer nos dizer muito mais do que parece

Vinicius Machado
SALA SETE
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4 min readOct 20, 2017

As obras de Stephen King nunca estiveram tão em alta quanto em 2017. Entre altos e baixos, ao todo já foram cinco lançamentos. As séries Mr. Mercedes e O Nevoeiro e os filmes IT : A Coisa, A Torre Negra e o mais recente, a produção da Netflix, lançada no fim de setembro, Jogo Perigoso.

Adaptado da obra homônima de 1992, a trama gira em torno de um casal que, para salvar seu casamento, resolve se isolar numa casa e apimentar a relação e realizar algumas fantasias sexuais. Durante algumas discussões sobre quais os fetiches eram permitidos, o marido sofre um ataque cardíaco e sua esposa fica sozinha, algemada na cama sem poder escapar ou até mesmo se alimentar, além de contar com a presença de um cão faminto, que aos poucos se alimenta do homem morto.

Dirigido por Mike Flanagan, dos ótimo Ouija 2 e O Espelho, o filme consegue construir uma atmosfera de tensão já no seu início. Sem enrolações, sua trama caminha com objetividade, tendo seu desenvolvimento central já na primeira meia hora. A partir dali tudo é muito bem orquestrado, onde a regularidade se mantém e a construção da tensão evolui.

Apesar de conter elementos de suspense, o diretor flerta também com o gore, mas de uma forma bem sutil, onde nada é tão exposto para não quebrar o clima de uma cena específica, essa sim, que causa aflição e tem todos os elementos de um filme B.

Durante o período em que Jessie fica presa na cama, ela começa a ter alguns delírios e passa a conversar com seu marido e uma versão mais independente de si. Nesse momento é que vemos todo o potencial do roteiro, com diálogos dinâmicos e ácidos, que fazem com que a narrativa se afunile até caminhar no seu objetivo. E acredite, ele quer dizer muito mais do que você imagina.

Os diálogos entre Jessie e sua outra versão expõe um problema muito maior do que a solidão e as algemas. Conforme a conversa se desenrola, aos poucos ela vai se desamarrando daquele conceito que ela mesmo tinha de si mesma. A algema não está ali por acaso e suas ações também não, tudo é um processo interno para que ela se desprenda e perceba o quão ela era submissa aos homens que rodearam sua vida. Toda a personalidade moldada por ela até então é fruto de um passado traumático.

É nesse momento em que todo o talento de Carla Gugino aparece. A atriz americana mostra toda sua experiência e consegue segurar o filme inteiro nas costas, claro, com o apoio de Bruce Greenwood, que entrega uma atuação competente e ácida. Mas o grande destaque é uma cena específica em que Henry Thomas conversa com Chiara Aurelia, a versão adolescente de Jessie. O ator consegue ser manipulador e repugnante ao mesmo tempo. Um diálogo consistente e um verdadeiro show de atuação dos dois.

No entanto, nem tudo são flores. Apesar de manter uma regularidade por quase todo o filme, Flanagan deixa escapar o final de suas mãos. Em menos de 15 minutos a trama toda é explicada e todo o misticismo em torno do sobrenatural que o filme construiu cai por terra numa conclusão acelerada. Em pouco tempo criaram um começo e um fim para aquele núcleo, que de tão fora da curva, quase põe a perder todo o conceito do filme. Por sorte, seu restante foi tão bem construído que não deixa isso acontecer.

Jogo Perigoso toma decisões erradas no final, mas é um verdadeiro grito silencioso a respeito de abuso sexual infantil, das relações abusivas e da violência conta a mulher, seja física ou psicológica. E é por isso que deve ser levado a sério. Num mundo em que mais de 35% das mulheres tenham sofrido qualquer violência físico e/ou sexual e no momento em Hollywood entra em ebulição por conta das acusações de assédio, a adaptação de Stephen King ganha mais relevância do que nunca.

Contra a violência conta a mulher, disque 180.
Contra abuso e exploração sexual infantil, disque 100.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.