Oscar 2017: Lion: Uma Jornada para Casa é um filme para ser visto com o coração

Vinicius Machado
SALA SETE
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3 min readFeb 21, 2017

Oitenta mil crianças se perdem na Índia todos os anos. Mais de 11 milhões de crianças vivem nas ruas da Índia a mercê de traficantes, pedófilos e ladrões. Entre elas, estava Saroo, um menino de 5 anos, indiano e de origem pobre, que foi acompanhar seu irmão na busca por um emprego para trazer mais dinheiro para casa. Porém, após adormecer em um vagão esperando ele voltar, acorda do outro lado da Índia, na caótica Calcutá. Sem ideia de onde fica sua casa e sem comunicação nenhuma com a família, ele é levado a um orfanato, onde é adotado por um casal de australianos. Vinte e cinco anos depois, ele, por meio da internet, conseguiu reencontrar sua mãe.

Essa história inspirou o filme Lion — Uma Jornada para Casa, que não só está disponível nas telonas, como estará presente na premiação do Oscar domingo (26), com seis indicações, incluindo melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor ator (Dev Patel) e melhor atriz coadjuvante (Nicole Kidman).

Dirigido pelo publicitário estreante em longas, Garth Davis e escrito por Luke Davies adaptado do livro de memórias A Long Way Home, o filme é uma reconstrução de um caso emocionante sem precisar apelar para o sentimentalismo. A preocupação em trazer a realidade é bem clara e tudo é feito na base disso.

A primeira parte, apesar de ter um ritmo mais lento, é onde somos introduzidos neste mundo de crianças em situação de rua na Índia. Ali é onde mora toda a comoção pelo garoto, que passa por diversas situações e chega a conhecer algumas em estado semelhante. Um dos grandes pontos é ver que pessoas que querem ajudar, podem ter interesses por trás, como lobos em peles de cordeiros. A emoção é potencializada pela atuação absurdamente profunda do mirim Sunny Pawar. O garotinho, além de um sotaque fofo, possui carisma e doses certas de drama. Uma pena ele não ter sido indicado ao Oscar. Depois de Jacob Tremblay, que não foi indicado ao Oscar em 2016 por O Quarto de Jack, a injustiça da vez está nele. A Academia deveria olhar melhor seus atores mirins.

No entanto, o problema maior acaba ficando na segunda parte, já com Saroo crescido. A edição peca muito em não criar uma evolução necessária pra fazer a narrativa crescer. A passagem de tempo é um tanto quanto confusa, já que em um momento tudo está bem, e logo em seguida o personagem está mergulhado na obsessão de descobrir seu passado. Um dos resultados disso está na atriz Rooney Mara, que basicamente não possui função alguma dentro do filme senão aumentar um pouco mais o drama. Mara é mal aproveitada e tanto seu elo, quanto sua química com Patel são nulas.

Ainda falando no elenco, Dev Patel faz um bom trabalho, mas é Nicole Kidman quem rouba a cena. A atriz traz toda a carga de ter dois filhos adotados em situações semelhantes (com ótimos contrapontos, nem tudo são flores) e comove muito em um monólogo sobre conscientização de adoção. Alguns podem até considerar algo pretensioso e, porque não, publicitário (assim como seus créditos), por conta de seu diretor, mas ele é tão sutil que precisar ter uma pedra no lugar do coração para considerar isso um revés no filme.

Lion — Uma Jornada para Casa é inconsistente e possui seus defeitos, mas em nenhum momento isso inibe a força e sua carga emocional. Há certos filmes que os aspectos técnicos precisam ser deixados de lado para dar espaço pro coração, o cinema pode ir muito além do que podemos imaginar.

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Vinicius Machado
SALA SETE

Jornalista, cinéfilo, fanático por Star Wars e editor do blog Sala Sete. Escreve sobre filmes e não dispensa uma boa conversa sobre o assunto.