O Novo Ludismo e os Nativos Sociais

Luiza Futuro
News From Futuro
Published in
4 min readJun 19, 2018

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Foto da Anita Boa Vida para o projeto “Todo Mundo Quem?”

Jamie Bartlett, um estudioso dos efeitos da tecnologia na organização da sociedade, em sua coluna no The Guardian se apropria da expressão “ludismo reformado” usada por Blake Snow autor de Log Of, para explicar a relação vigente entre a sociedade (e é claro, dos indivíduos) e a tecnologia. O termo “ludismo” intitulou o movimento dos trabalhadores do ramo da tecelagem contra os proprietários das máquinas, logo no começo da revolução industrial.

Com uma abordagem muito menos radical e também compatível ao século 21, Bartlett nos convida a atualizar a nossa percepção sobre o termo. O autor encontra uma correspondência na postura crítica dos ludistas em relação aos impactos sociais e políticos da tecnologia, e vale-se dessa analogia para traduzir o momento de amadurecimento que estamos vivendo relação aos usos da tecnologia. Mais significativamente, parece que estamos despertando para o fato de que há um custo em somente aceitar (sem desconsiderar os efeitos), incorporar e principalmente, não conseguir se desvincular de realidades tecnológicas.

Grandes agentes mostram-se envolvidos neste olhar mais cético em relação a tecnologia. Uma noção importante nesse sentido é “o tempo em frente às telas”, que além de ter se tornado um coeficiente, é hoje de fato uma preocupação. Anya Kamenetz é uma expert no assunto e pesquisando famílias ela escreveu “A Arte Das Telas”, e com argumentos bastante ponderados ela em nenhum momento se opõe ao uso das telas, mas de seu uso exacerbado e solitário. Indo no mesmo caminho que os ex-funcionários do Google e Samsung, a Apple, anunciou que o novo sistema do iPhone permitirá que os usuários vejam quanto tempo gastam em frente ao aparelho.

É importante destacar que estamos mais críticos e que isso não quer dizer mais pessimistas, pelo contrário. Refinar nossa forma de análise e compreensão sobre a tecnologia significa desenvolver a aptidão para se relacionar com ela. Para que se possa escolher os melhores caminhos e possibilidades que irão nortear as formas de uso e consequente a forma de disseminação (e dominação) das novas tecnologias. Independentemente da tecnologia que estamos tratando, é preciso vislumbrar que sua utilização e escala sejam capazes de potencializar a nossa sociedade individualmente, coletivamente, subjetivamente e democraticamente.

Traçando um paralelo, me pareceu interessante comentar que esse olhar crítico para os efeitos da tecnologia vai ao encontro com alguns aprendizados do estudo “Todo Mundo Quem?”. Uma pesquisa que tinha o objetivo de descobrir quem eram e o que pensam os brasileiros que não fazem parte de nenhuma rede social, número que atualmente soma mais de 100 milhões. Uma projeto de minha co-autoria ao lado de Filipe Techera.

Conversando com essas pessoas em todas as regiões do Brasil, conseguimos identificar motivos estruturais pelos quais elas não aderem às redes sociais, como falta de acesso financeiro e o analfabetismo digital. Porém, colateral a este momento de florescimento da opinião crítica em relação a tecnologia, encontramos os Nativos Sociais, nome que criamos para identificar o grupo que compreende pessoas que têm acesso (financeiro, educacional, social) e que mesmo assim optam por não fazer parte de nenhuma rede social.

Os Nativos Sociais estão conectados na internet, dando play no youtube, aprendendo inglês e violão online. Os Nativos Sociais, estão na internet, mas escolhem ficar de fora das redes sociais. Eles têm argumentos consistentes para falar principalmente dos impactos negativos das redes em nossas relações subjetivas, individuais e sociais. Mesmo conectados, a escolha de não migrar suas relações sociais para as redes sociais torna-se uma questão nem sempre bem interpretada, às vezes tida como uma decisão conservadora ou antiquada, uma compreensão oblíqua acaba interferindo diretamente na formação de seus laços sociais e profissionais.

Inteligência artificial no café, assistente inteligente no lanche da manhã, ciborgue de almoço e para jantar a materialização do transhumanismo. Sem dúvida nenhuma, a humanidade ruma para um projeto de amálgama tecnológica , por isso, é fundamental destacar o papel de questionar, analisar e criar espaços para a livre opinião e decisão de como incorporar e relacionar-se com a tecnologia.

Após algumas fraturas externas na democracia e nos direitos de privacidade individual em consequência de abusos tecnológicos, acredito que a revisão do movimento ludista é bastante pertinente. Não só porque identifica e nos situa nesse atual momento da nossa relação com a tecnologia, mas principalmente porque essa percepção alavanca a necessidade de um pensamento crítico e de vanguarda sobre os novos usos e formas de incorporar a tecnologia.

Colocando luz em novas possibilidades de relacionar-se, mais precisamente conversar, os Nativos Sociais, vão em direção contrária a uma interpretação conservadora ou anti-progressista. Ao fazer uma escolha pessoal de como usar uma tecnologia e gerir suas relações, estão questionando a aderência (e obediência) automática e endereçando esse novo pensamento que está pronto para desafiar a estandardização dos usos da tecnologia e oferecer mais possibilidades livre de escolha (de como usá-la).

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