Grace and Frankie

Série para redefinir sua percepção de velhice com muito bom humor

Lígia Maciel Ferraz
News From Home
5 min readJun 5, 2018

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Foi em 2015 que a primeira temporada de Grace and Frankie começou, mas se você até agora vem ignorando essa preciosidade e ainda não assistiu a um episódio sequer, vamos mudar isso já já. Cola em mim que vou te mostrar vários motivos pelos quais vale muito a pena assistir a série.

A série original da Netflix criada por Howard J. Morris e Marta Kauffman (criadora também de Friends) tem os episódios de meia hora tão levinhos e gostosos que nem se sente passar. As talentosíssimas Jane Fonda e Lily Tomlin (também produtoras executivas) lideram a série passada em San Diego, Califórnia quando, logo no início do primeiro episódio, são deixadas pelos seus maridos que decidiram assumir o relacionamento que vinham mantendo em segredo pelos últimos 20 anos.

Grace e Frankie são as protagonistas de setenta anos e coração partido. Grace (Jane Fonda), já tinha se distanciado do marido Robert (Martin Sheen) há tempos e estava infeliz no casamento, o mantendo apenas como mais uma tradição a ser cumprida. Por outro lado, Frankie (Lily Tomlin) e seu marido Sol (Sam Waterston) viviam um relacionamento alegre e harmonioso, eram melhores amigos, compartilhavam os mesmos hábitos e filosofia de vida.

Grace é a típica mulher elegante, séria e poderosa; usa terninhos, maquiagem, cabelos bem escovados, pintados e com aplique. Objetiva e sarcástica, adora um Martini bem seco com duas azeitonas; bota a mão na massa, faz mil tarefas ao mesmo tempo todas com excelência. Porém não gosta de ser contrariada e frequentemente impõe sua posição de forma autoritária. Por trás dessa fachada, esconde uma imensa fragilidade emocional; não faz planos para seu futuro com medo de se frustrar, e não se permite viver pela ordem da paixão.

Em contrapartida, Frankie vive em paz consigo mesma. É super aberta à subjetividade das coisas; seus cabelos memoráveis são longos, bagunçados e grisalhos. É hippie, espiritualizada e fala de tabus tranquilamente. Tem soluções criativas, se expressa através da arte e age no ritmo da sua vontade. Porém tem dificuldade de manter o foco, tanto durante uma conversa quanto na rotina diária, é impulsiva e atrapalhada; facilmente ignora as responsabilidades da vida adulta, deixando os outros em constante estado de alerta.

Apesar de serem muito diferentes e pouco amigas, as duas acabam morando na mesma casa se permitindo aos poucos a aprenderem algo novo uma com a outra. Juntas constroem uma verdadeira amizade, se aventuram no empreendedorismo, redefinem relações afetivas e familiares, e descobrem como recomeçar a vida após quarenta anos casada com a mesma pessoa. A combinação entre o certinho demais com o largado demais é bastante harmoniosa.

Sol e Robert, que mesmo mantendo o relacionamento em segredo por vinte anos, não tiveram medo de se assumir e de viver a história em que acreditam. Eles se deliciam com a nova rotina juntos, com questões como que tipo de gays querem ser, ousados ou tradicionais, e aprendem a lidar com os velhos hábitos, amigos antigos e família. Tudo é descoberta, tudo é novo. Ao longo da temporada o casal vai ficando mais confiante com o fato de ser gay, Robert usa roupas coloridas e deixa os seus trejeitos soltos e Sol se dedica às causas gays se recusando a voltar para o armário.

Além de acompanharmos a superação e as aventuras das duas protagonistas e os desafios de seus ex-maridos, caminhamos pelo território da terceira idade com muito bom humor. Eles irão nos ensinar sobre ressecamento vaginal, sexo e masturbação feminina, homofobia e casamento homossexual na terceira idade. Também trarão à tona assuntos como culpa cristã, porte de armas, eutanásia, proteção ambiental, e a invisibilidade que os idosos sofrem.

Os filhos de Grace e Robert, Mallory (Brooklyn Decker) e Brianna (June Diane Raphael); e os de Frankie e Sol, Coyote (Ethan Embry) e Nwabudike (Baron Vaughn) não têm seus arcos narrativos tão desenvolvidos embora cada personagem evolua ao seu tempo. De forma leve e cômica, os quatro irão se preocupar com suas mães, eventualmente as retratando como incapazes e sozinhas (leia-se "sem a companhia de homens", já que elas irão afirmar constantemente terem uma à outra), preocupação essa que raramente acontecerá com seus pais. Embora, na maioria das vezes, o cuidado seja precoce e excessivo, parece ser um retrato verossímil em relação à maioria dos adultos com pais e mães idosos.

Uma das coisas que Grace and Frankie tem de mais especial é a representatividade. Com o protagonismo na mão de pessoas na faixa dos 70, a série traz uma conexão com esta figura geralmente ausente da ficção. Na maioria das vezes, os personagens idosos de filmes e séries são apresentados como um peso, estando à beira da morte, muito doentes ou bastante dependente dos filhos. Mas e se os espectadores passassem a ver com mais frequência personagens acima dos 70 anos, saudáveis, independentes, responsáveis e com suas próprias narrativas; mudariam sua perspectiva de velhice? Melhorariam a relação com as pessoas dessa faixa etária? Acreditariam que não é só de doença e desgraça que vivem os idosos?

Posso dizer por mim mesma. Há alguns anos aceitei que minha velhice seria pautada pela osteoporose, mas desde que comecei a assistir a série tenho redefinido essa projeção ingrata que eu mesma fiz. Inclusive, Frankie é definitivamente minha personagem favorita. É com ela que mais me identifico, já que dentro de mim também mora esta doidinha pautada pelas energia das coisas, que vive num universo particular, bem humorada, cem por cento de humanas e de leveza e autoconhecimento inspiradores.

Ao longo das quatro temporadas a série traz personagens cativantes, incluindo a participação de atores já conhecidos, como Lisa Kudrow (Friends), Ernie Hudson (Os Caça-Fantasmas) e Peter Gallagher (The OC). Para a próxima temporada já está confirmada a presença de RuPaul (RuPaul's Drag Race) e tudo indica também a participação da musa country Dolly Parton, que atuou ao lado de Jane Fonda e Lily Tomlin em Como Eliminar seu Chefe (1980).

Motivos não faltam para você se deliciar com Grace and Frankie. Faça esse bem a você mesmo e vá logo assistir a estas duas rainhas brilhando na TV. As quatro primeiras temporadas estão disponíveis para degustar na Netflix mais próxima, e a quinta chega em 2019.

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Lígia Maciel Ferraz
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Brasileira morando em Lisboa. Doutoranda em Media Artes