Lei de acesso à informação: da transparência ao controle

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6 min readApr 1, 2020

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Segundo o inciso XIV do artigo 5º da Constituição de 1988, é “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Isso significa que todos têm o direito às informações de caráter público, exceto em casos que esse tipo de informação comprometa a segurança da sociedade ou do Estado. Outro ponto importante diz respeito às fontes da informação, que podem ser legalmente mantidas em confidência quando for necessário para o pleno exercício profissional das próprias fontes.

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Artigo 5º, inciso XXXIII — “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

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Nesse contexto, nasceu a principal ferramenta na promoção destes incisos constitucionais: a Lei de Acesso à informação — também conhecida como LAI. Ela foi sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 08 de novembro de 2011, e entrou em vigor em 16 de maio de 2012. A lei obriga os órgãos públicos e os órgão não públicos ligados ao interesse comunitário à divulgar certas informações, considerando a publicidade como regra e sigilo como exceção.

A LAI representa um grande passo em direção ao combate à corrupção. Isso porque ela contribui para que a população tenha cada vez mais acesso à informações como números e documentos sobre obras públicas, políticas públicas e diversos outros dados referentes à destinação dos recursos públicos, promovendo, assim, o controle social sobre a gestão do público.

No ano em que foi aprovada, a lei foi alvo de grande repercussão, principalmente com a divulgação das remunerações de alguns servidores públicos, que consideraram-na como uma invasão de privacidade. No entanto, em abril de 2015, o Supremo Tribunal Federal definiu como legítima a publicação de informações envolvendo o nome de servidores e dos valores dos seus correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. A decisão ocorreu após a Justiça Estadual de São Paulo determinar a exclusão de informações de uma servidora pública de um dos sites da prefeitura de São Paulo, o que fez com que o município entrasse com um recurso contra essa determinação. Porém, a divulgação desse tipo de dado tem se tornado cada vez mais comum, principalmente nos dias de hoje.

Com a LAI, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Autarquias, Empresas públicas, Fundações públicas e entidades privadas sem fins lucrativos (mas que recebam recursos públicos), dentre outras organizações de caráter público, são obrigadas a divulgar informações de caráter público, o que pode ocorrer de duas formas: por transparência ativa ou passiva.

Na transparência ativa, os órgãos devem manter um sistema de divulgação de dados — que podem ir de cartazes disponíveis para consulta (mais comuns em cidades menores) à sites na internet — no qual devem estar disponibilizadas informações de interesse coletivo de maneira “voluntária”, ou seja, sem que ninguém tenha pedido para ter acesso a essas informações antes de acessá-las. Enquadram-se nessa classificação principalmente informações como movimentações financeiras e andamento de processos licitatórios.

Já em relação à transparência passiva, os órgãos devem disponibilizar uma plataforma online na qual qualquer pessoa possa solicitar qualquer informação pública que não esteja incluída na Transparência Ativa — como por exemplo, quantos casos de dengue Ribeirão Preto registrou em 2019. O pedido também pode ser feito presencialmente indo até a sede do órgão responsável pela informação requerida.

Qualquer pessoa — física ou jurídica — tem direito a fazer o pedido da informação, para qualquer fim, que não precisa ser justificado no requerimento; só é necessário se identificar e oferecer endereço físico ou de e-mail para o envio da resposta. A resposta, por sua vez, deve ser enviada pelo órgão responsável pela informação em até 20 dias, prorrogáveis por mais 10 sob apresentação de justificativa.

Caso a resposta seja considerada incompleta, ou até mesmo não seja enviada no prazo, é possível entrar com um recurso para que ela seja enviada adequadamente nos próximos 5 dias (o primeiro recurso é conhecido como recurso de 1ª instância). No entanto, a situação pode ocorrer novamente, e assim os pedidos vão sendo encaminhados para um grau maior de hierarquia dentro do órgão, até a terceira instância. Passada a terceira instância sem resposta ou sem resposta adequada ,é possível fazer uma reclamação e até mesmo fazer uma denúncia de improbidade administrativa por descumprimento da Lei de Acesso à informação. A reclamação, ao contrário dos recursos, não possuem prazo para serem respondidas.

Algumas informações podem não ser enviadas ou serem enviadas incompletas se parte delas encontram-se sobre sigilo. As informações sobre sigilo são aquelas que divulgadas, podem colocar em risco: a soberania nacional, a vida e segurança da população, atividades de investigação e inteligência, e causar outros grandes impactos negativos para a sociedade e o Estado.

No entanto, essas informações confidenciais não permanecem assim indefinidamente. Isso porque o sigilo possui um prazo de validade, tornando, após esse prazo, as informações públicas. Com base nisso, as informações sigilosas são classificadas em três níveis: reservado, secreto e ultrassecreto. Seus prazos de validade são, respectivamente, de 5, 10 e 25 anos, sendo a informação ultrassecreta passível de renovação — única — por mais 25 anos.

A lei não determina os casos em que uma informação é confidencial de fato, mas determina as autoridades que podem declará-las de acordo com a gravidade do impacto dessa informação sobre o estado e a sociedade. No quadro abaixo, é possível ver que tipo de autoridades podem classificar que níveis de sigilo.

(Reprodução Guia Prático da Lei de Acesso à Informação — Article19).

No dia 24 de Janeiro de 2019, o vice-presidente (no período, presidente interino devido à viagem diplomática de Jair Bolsonaro à Suíça) Hamilton Mourão assinou um regulamento que alterava alguns princípios da Lei de Acesso à Informação. A mudança foi em relação às autoridades que poderiam declarar uma informação como ultrassecreta, que passou a incluir Titulares de autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades de economia mista, o que além de ter sido feito sem participação da população, poderia aumentar as chances de uma informação ser “omitida” no atual contexto de combate à corrupção. O vice-presidente declarou que a mudança foi feita para desburocratizar o processo de desclassificação de documentos sigilosos, e assim, não iria interferir no grau de transparência das informações. Todavia, em 19 de fevereiro do mesmo ano, por inconstitucionalidade, o decreto foi suspenso pela Câmara dos deputados, seguindo para o Senado, onde foi arquivado no dia 27.

Outra alteração relevante na Lei de Acesso à Informação aconteceu no dia 24 de março de 2020, no contexto da pandemia de Covid-19. O presidente Jair Bolsonaro alterou, nesta data, uma Medida Provisória que suspende os prazos de atendimento à pedidos de informações de todos os órgãos cujos servidores estejam em regime de quarentena e colocados para trabalhar em casa. Assim, os pedidos não respondidos não terão seus recursos reconhecidos até o fim do estado de calamidade pública, que valerá aproximadamente até o final do ano de 2020. A decisão tem como objetivo priorizar pedidos que dizem respeito às medidas de confronto de emergências em Saúde Pública , mas foi criticada por diminuir a transparência no Governo. Por se tratar de uma medida provisória, tem validade de 120 dias, e em breve será votada pelas casas do legislativo.

Diante do exposto, pode-se ver que a Lei de Acesso à Informação representa um direito fundamental para o exercício da cidadania, uma vez que além de estimular a participação popular na política, promove o controle social sobre o funcionamento da máquina pública através da transparência.

Texto escrito por Luma Cicília Ribeiro Pires, estudante de Economia Empresarial e Controladoria na FEA-RP USP.

Referências

https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_5_.asp

https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2016/10/Guia-Pr%C3%A1tico-da-Lei-de-Acesso-%C3%A0-Informa%C3%A7%C3%A3o.pdf

https://www.politize.com.br/artigo-5/livre-acesso-a-informacao/?gclid=EAIaIQobChMI7q300LPD6AIVgw6RCh15zwtNEAAYAiAAEgLgefD_BwE

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290103

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/05/15/entenda-a-lei-de-acesso-a-informacao

https://www2.camara.leg.br/transparencia/acesso-a-informacao

https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/assuntos/lai-nos-estados-municipios/graus-de-classificacao

https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/defesa-nacional/sociedade-armadas-debate-militares-defesa-nacional-seguranca/procedimentos-sigilo-na-lei-de-acesso-a-informacoes-publicas.aspx

https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/24/mourao-diz-que-informacoes-ultrassecretas-sao-rarissimas-e-que-decreto-diminui-a-burocracia.ghtml

https://www.camara.leg.br/noticias/552179-camara-aprova-suspensao-de-decreto-sobre-sigilo-de-documentos/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/02/27/com-revogacao-de-decreto-senadores-arquivam-o-texto-que-anularia-mudanca-na-lei-de-acesso-a-informacao

https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-edita-medida-que-suspende-atendimento-de-acesso-a-informacao/

https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/central-de-conteudo/infograficos/arquivos/entenda-a-lai/noticias

Imagens: Best Tec; Folha UOL; O cafezinho

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