Ana e os reis

Luciana Torreão
Ninho de Escritores
4 min readMay 14, 2021
Foto: freepik | Aqui

Era uma vez…uma garotinha chamada Ana, amante dos livros e da literatura. Desde pequena, ela ficava horas a fio deitada com as pernas pra cima, no sofá do terraço, ou por trás dele — no chão, em seu mundo particular. Ela se entregava à leitura de tal modo, ao ponto de deixar a lição da tabuada de lado e se jogar pelas páginas cheias de fantasia. Quando começava, era difícil largar. Só soltava quando acabava a história…ou o livro.

Era uma pequena leitora bastante voraz e consumia rapidamente tudo que ganhava. Gostava tanto de ler, que as páginas se conectavam com a sua alma. O frustrante era quando acabavam rápido demais. Muitas vezes, ela tornava a reviver algum conto que a tinha deixado mais empolgada. Nutria o prazer de reler, só pra continuar inserida naquele mundo fantástico. Sim, inserida, pois ela se colocava dentro das histórias. Em sua imaginação, era como se estivesse dentro do cenário com as personagens, assistindo a tudo em silêncio, como boa observadora.

Ao reviver as obras fazia de conta que ainda não sabia o fim. Coisa de criança. Um dia, ela descobriu a existência da coleção O Mundo da Criança — mas essa era intocável. Eram livros dos Anos 1950, que seu pai havia comprado para sua irmã, mais velha que ela 13 anos.

Apelidada como “a destrambelhada”, sua mãe só a deixava pegar nestes livros sob a supervisão de um adulto, para não estragar as obras. Apesar de ser espevitada, tinha muito cuidado com aquela coleção, uma relíquia, tal qual os baús das histórias. Traquina que era, quando não tinha ninguém por perto, apanhava escondida uma cadeira e escalava a estante, a fim de escarafunchar algum exemplar que ficava na prateleira mais alta. E ali mesmo, no chão do quarto, ela se perdia nas horas. Sempre que abria o livro, tinha um ritual, fechava os olhos e sentia aquele aroma tão familiar, era o cheirinho de contos, fábulas e poemas infantis.

O hábito de ler foi amadurecendo. E seu olhar sobre as narrativas também. Passou a questionar os enredos. Preferia os jovens príncipes que lutavam e salvavam as mocinhas dos perigos. Para ela, eles eram heróis e pessoas melhores que os monarcas. Afinal, onde tinha um soberano, quase sempre tinha castigo, privação e maldade. Se deu conta de que os reis eram feios, velhos, malvados, vaidosos ou facilmente ludibriados. Isso quando não mandavam matar pessoas, sem um motivo justificável. Seja como fosse, não gostava da figura do rei, pois esperava o pior deles. Nunca entendeu porque sempre havia um rei bobo, astuto, perverso ou arrogante nos contos.

O tempo passou, a menina cresceu, mas até hoje, sempre que relembra de sua infância, duas figuras se destacam em suas memórias: o rei de “A Roupa Nova do Rei” e o de “Tiquinho de Carvão”. Um era tão cheio de vaidade e preocupado em acumular roupas novas, que não teve bom senso para perceber que estava sendo trapaceado pela falsa roupa invisível e desfilou nu, na frente de todo o seu povo. E continuaria despido, se não fosse a astúcia e o olhar inocente e verdadeiro de uma criança, que bradou que o rei estava nu.

Já o outro rei, casou com a mocinha plebeia, deu-lhe tudo do bom e do melhor, por 11 meses. E no décimo segundo mês, ela deveria fiar cinco meadas de linha por dia, ou ele mandaria matá-la — para saber como é a história é só procurar na internet.

Ana se perguntava: como poderia depois de tanto tempo, um rei não amar sua rainha e querer puni-la? Enfim, ainda bem que deu tudo certo nessa história e eles foram felizes para sempre (será?). A coisa que a menina mais desejava era: nunca encontrar um rei pela frente. Sabe-se lá o que podia lhe acontecer…

O tempo passou e a menina cresceu. A modernidade e as tecnologias lhe trouxeram novas formas de ocupar seu tempo livre. Ela continua sendo uma desbravadora de livros e histórias da realeza. E seu interesse pela vida dos reis, rainhas, príncipes e princesas vai muito além dos contos da Carochinha.

Ela aprecia histórias narradas em vários episódios e temporadas, onde as intrigas da monarquia são bem mais complexas, os reis são mais humanos, as rainhas são mulheres fortes e seus reinados perduram até os dias de hoje. Os príncipes? Bom, estes perderam a importância, e deixaram de ser heróis. Outros, continuam beijando belas princesas, mas sem o tão esperado… felizes para sempre.

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Luciana Torreão
Ninho de Escritores

Jornalista recifense, aprendiz da escrita afetuosa. Me aventurando no mundo dos contos, poemas e crônicas. Integrante do coletivo Vozes da Escrita.