Antecipações de uma cena de ação

Tales Gubes
Ninho de Escritores
4 min readSep 19, 2020

Convidei assinantes da newsletter do Ninho para escreverem uma cena de ação em até 100 palavras.

Um dos exercícios que recebemos foi o seguinte:

Minhas pernas ardiam tanto que achei que fossem travar a qualquer momento, mas não era nada comparado ao esforço que meus pulmões faziam pra continuar me mandando ar. Se eu parasse um só segundo, meu corpo cederia e eu sabia que não ia conseguir me mexer. Cada passo era importante. Cada metro era indispensável. Cada segundo que eu ganhava era imperativo. Tudo que eu tinha que fazer era continuar me mexendo. Continuar correndo. (Fernanda Gonçalves)

Após comentá-lo na newsletter, convidei as pessoas a escrevem, também em até 100 palavras, o que aconteceu antes desse trecho.

Seguem as respostas que recebemos.

Eu tinha talento. Desde pequeno era o primeiro a ser escolhido no time do pique-pega. Minha mãe dizia que eu podia ser o próximo Usain Bolt. Pensava: “Só porque quem vive na favela já nasce correndo de bala perdida”. Até que um dia Jamal, o dono da boca, chegou em mim e falou: “Pô Betinho, tu corre bem. Quer um tênis novo?” Quando percebi, já era vigia do tráfico pra pagar minha dívida. Meu serviço era avisar, caso os policiais aparecessem. Apareceram. Lá estava eu no meio da operação, prestes a virar estatística. Mas não tinha tempo de lamentar. Tinha que correr. (Suzane Silveira)

Enlaçou-me pela cintura, como se me conhecesse e o meu corpo lhe fosse familiar. Um vómito interior ascendeu em mim e forçou-me ao gesto de repulsa com que acolhi o avanço indesejado. Esbracejei, tentando libertar-me do nojo e do bafo morno que me acariciava a nuca. Num impulso, dobrei-me para diante e os braços dele esmoreceram o abraço. Aproveitei a liberdade condicionada. Nem peguei na mala. Percorri o espaço até à porta, como se um incêndio me obrigasse. O corredor levou-me à porta. Desci, escada abaixo, enquanto a voz dele, entrecortada e irada gritava:

– Estás a fazer-te cara? (Laurinda Ferreira)

Eram 03:50, levantei ansiosa na esperança de completar minha primeira maratona. Lembrei todos sacrifícios, relacionamentos acabados, dores sentidas, unhas perdidas. Tomei café, suplementos, gel e nauseada saí. No caminho via pessoas no mesmo tom, eu acompanhava. Os primeiros raios de sol apareciam. Não podia voltar atrás. Entrei espremida no gargalo da largada. Começou a contagem, o tiro foi dado. Atravessei o pórtico, comecei a correr, eu era mais uma no mar de atletas. Um quilômetro de cada vez, pensei. As placas passavam: 1km, 2, … 10, … 21,1km… meu corpo reclamava…23km…27km e… o fatídico muro dos 30km. (Mônica Machado)

– O que você acha que é aquela fumaça toda? — perguntei à minha irmã que andava acelerada na minha frente, com certeza mais curiosa do que eu

– Nem imagino Fê, mas vamos lá ver!

– Não sei não. Lembra que o papai sempre disse “onde há fumaça há fogo”? — falei enquanto apertava o passo, tentando me aproximar dela.

A fumaça branca subia aos céus em um ritmo e uma altura que jamais havíamos visto. Pelo local, parecia que vinha do porto. Maldita hora que viemos seguir nosso pai numa viagem à negócios em Beirute.

A próxima explosão nos lançou para longe. (Eros Junior)

Ouvi os passos assim que virei a esquina. Ainda faltava muito para chegar em casa, e o caminho além de longo costumava ser deserto, eu fazia aquele exato percurso todos os dias, era difícil não perceber quando algo estava diferente, e eu tinha certeza que estava sendo seguida. Acelerei o passo e pude ouvir quem me acompanhava acelerar comigo. Eu não sabia quem me perseguia, mas sendo uma mulher eu sabia os vários perigos que corria, então sem pensar muito, inspirei vigorosamente e desatei a correr, como nunca havia corrido antes. (Ádilla Pereira)

Era isso. Aquele era meu destino, meu desafio. Tudo o que havia feito foi para chegar ali, naquele momento e agora faltava o último obstáculo.

Por isso, fiz a única coisa que podia e que todo meu corpo ansiava: corri.

Corri com raiva, com determinação, com espírito de luta. Queria vencer a todo custo. Joguei ali o peso de todas as frustrações, decepções e me obriguei a alcançar uma velocidade surpreendente. Meu coração disparava, meu cérebro já gritava para desistir e as pernas… (Soraia Almeida)

A Perseguição

A vizinhança era muito tranqüila; não havia de ser nada. Vai ver era um vizinho voltando pra casa também.

Eu só tinha que atravessar a rua, virar à direita e entrar na minha rua.

Mas, o vulto continuava atrás de mim. Conforme eu apertava os passos, ele também apertava. Eram passos firmes, como se fossem de um soldado.

Minhas pernas começaram a tremer e já me faltava o ar. Comecei a correr. Mas, o vulto atrás de mim também começou a correr. Meu corpo todo doía e eu não conseguia gritar. Só faltavam 100 metros,.50 metros..

Mas, o Vulto estava chegando cada vez mais perto… (Marilda Alvarez)

“Vai acontecer de novo.”

— O quê? Quem tá falando?!

O bip da linha desocupada zuniu. Jenny não admitiria nunca, mas o coração batia ligeiro como o bip.

Cortou o caule de uma orquídea que se recusava a caber na jarra. Pensou em como era estúpida a ideia de presentear alguém com algo morrendo.

É claro que era apenas um trote de mal gosto. Mas Jenny se lembrou imediatamente da notícia; a prostituta assassinada, a saia rasgada, os dedos que faltavam, rua H.

Agora lá estava Jenny. A tesoura que usara mais cedo, escondida na bolsa. Diante da placa, leu: Rua Hamilton. (Leah B Harper)

Estes foram os textos recebidos em resposta ao desafio. Uau, como é maravilhoso perceber a criatividade fluindo por meio da escrita!

Obrigado pela leitura! ❤

--

--

Tales Gubes
Ninho de Escritores

Um olhar não-violento para uma vida mais livre, honesta e conectada. Criador do Ninho de Escritores, da Oficina de Carinho e do Jogo pra Vida.