Código escondido do silêncio eterno…

André Pinto
Ninho de Escritores
4 min readApr 26, 2021

Como se anda com aqueles pés? Eram atenção até dos mais insensíveis, mas logo se percebia que não eram os pés, era o encanto, a posse imensa da pose de ser algo… Que algo? Essa era a dúvida que valia um pedaço do infinito. Nem todos acompanhavam o que exalava daquela figura, mas era nítido, por mais misterioso que fosse. E onde começara? Nem ele sabia… Um dia, entre algumas pessoas rindo, trazendo seus olhos pelos outros olhos, e o grupo compartilhando a alegria que era possível, despertou um sentido e um êxtase misturados com um entendimento e desentendimento, era uma extrapolação do que nem sequer podia compreender, mas era tão imenso, tão vasto, tão único… Parecia um caminhante do deserto, que meio entre ilusão e meio única saída, via um oásis, e ainda sem saber se era miragem ou explosão do único momento. Seus olhos cresceram. Seus pés cresceram. Suas mãos cresceram. Mas só muito depois ele percebeu a verdade daquilo tudo, não foram os olhos, nem os pés, muito menos as mãos que cresceram, mas foi sua visão que derreteu tudo o que era frágil e inútil. O que sobrou? Sem pensar e ainda com a desconfiança de quem passou perto do oceano, porque no fundo é difícil mesmo confiar em sobe e desce de maré, que diabos é isso? É como depois de navegar, as bandeiras desertarem, o prumo alinhou com a onda de uma forma perfeita, quase como se desafiando a ideia de perfeição em tamanha beleza de movimento. Sobra vertigem e um riso diferente, aliás, muito diferente, porque o riso nasce de si mesmo, sem motivo, sem querer cumprir uma alegria, não era recompensa de uma piada, por exemplo, era um contentamento sem porquê. E agora? O que era existir? Não tinha um pensamento, e quando perguntaram ele respondeu: “Não sei, acho que se soubesse não estava nesse estado…” e acabou cumprindo a verdadeira sabedoria, aquela que não sabe, e nesse não saber, acaba paradoxalmente sabendo. Unia as horas com o desatino de não saber. E ria… Cresceu a vertigem, e os outros percebiam, quase como se fosse uma magia estranha. Começou a sentir a vida como um chamado a essa loucura que vivia sem saber explicar, e poucos entendiam, até porque nem ele entendia, apenas vivia. Andando rumo aos seus amigos, pessoas entortavam o pescoço, o que era aquela aura que pairava sobre aquele ser? Os amigos o chamavam de “presença”, e eles disseram: “Lá vem o presença”, mas não com enfado que parece, e sim com alegria, porque a presença do “presença” trazia para os amigos uma vontade de se estar por perto, e o que ele falava? Coisas não muito conexas, mas enchiam corações. Era um prêmio da vida estar perto do “presença”. Quando chegou no grupo os abraços eram profusos e perguntavam: “Como está?” e a resposta era peculiar: “Como nunca estive, só agora estou…”, todos ficavam intrigados, mas o apelido que o deram de “presença” não era à toa. O “presença” disse: “O que temos no coração?”, os amigos se entreolharam perdidos, um mais dado a graças disse: “Sangue?”, e o “presença” soltou algo enigmático: “Se teu porto for sem navios, pra que um oceano?”. Novamente se entreolharam, e só sobravam os olhos intrigados, um ficou ressabiado, mas parecia que estava entendendo aquela loucura sem rota, afinal para um Caminho não precisa de caminhante, é só o Caminho… E se isso está nascendo em frente dos amigos, era uma oportunidade única, e eles sabiam disso. Será que o mistério do qual somos parte, veio dar sua graça nessa loucura? Um olhou para o “presença” por vários minutos sem entender qual era o magnetismo que rondava a aura daquele ser. Todos pareciam sentir que ele tinha os olhos para o insondável. Nada restava em sua visão, tudo era um lapso que não merecia entendimento, mas sim amor incondicional, porque afinal, quem poderia explicar com alguma ponderação alguma coisa? Só o amor destrói as visões para restar uma velha sabedoria. O “presença” queria ficar em silêncio, queria estar junto das pessoas que tocavam sua alma e coração, porém quieto, e o que mais pediam era que explicasse aquilo que estava vivendo. Um dia disse: “Não sei o que querem… Meus olhos não atropelam mais os passos meus e dos outros, porque agora não sinto mais essa divisão. Sou tudo, e respiro minha própria alma ilimitada… Aconteceu uma dissolução e nem sequer posso ensinar quem quer que seja para seguir algum caminho, porque não tem caminho, são meus poros cedendo, são minhas entranhas que espelham o próprio caminho deste Uni-Verso… O que é isso? Não me perguntem, mas se quiserem se aproximar e sentir parte do gosto do eterno, parte do gosto do inexpugnável, parte do que não pode caber numa vidinha como a que vivia antes, agora, só resta uma trilha e eu não estou nela! Se eu pudesse esclarecer essa loucura, que por sinal é a maior das sanidades, talvez perderia todas as palavras… Não tenho mais palavras, elas se esqueceram de mim, e talvez por isso mesmo a vida se tornou uma exploração sem rumo. Ouvia muito para abraçar o desconhecido, agora sou um desconhecido de mim mesmo. Quem habita esse corpo que não tenho palavras? E no entanto se eu dissesse o êxtase e a profundidade grave desta caminhada, certamente destruiria seus corações, porque tem um fundo de esconderijo do eterno. Não sou diferente de vocês, mas não posso fazê-los tocar esse espaço infinito. A minha recomendação talvez seja bruta, mas esqueçam suas visões, vejam quem vê, e algo começa a transformar. É um caminho? Com certeza não! Não estamos indo para lugar nenhum… Se vocês acharem um lugar para ir, certamente estão fadados a andar até o fim da vida e não encontrar nada, porque não é um encontro, é uma aceitação do silêncio escondido. Escondam suas almas onde não há almas, eis o meu conselho…”. Neste dia todos sentaram, e por horas sequer falavam…

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