Chegou repentinamente, sorrateiramente
Era sua maneira habitual, há muito tempo.
Se entreolharam a menina e o desejo.
Havia um respeito entre ambos,
Não entendia sua chegada, simplesmente acontecia.
Devagar e com calma, silenciosamente, sem violência,
Ele, o desejo, ia se apoderando da alma, da menina.
Não sabia por quanto tempo iriam conviver,
Algumas horas, semanas ou até mesmo meses.
O convívio não era fácil, ia se tornando mais difícil,
Pela manhã sentia sua presença mais forte,
Demorava um pouco mais a sair da cama,
Com o corpo cansado assumia as atividades corriqueiras.
Depois o dia corria normalmente,
Uma normalidade estranha, arrastada, pesada.
Ninguém a sua volta percebia o convívio interior,
Não havia medo, a menina apenas observava,
Se acostumara a invasão, afinal já se tornara recorrente.
No início, na primeira vez, foi muito diferente.
Não se conheciam, a invasão foi avassaladora.
O desejo chegou e tomou conta,
Foi arrastando tudo para o lado com violência.
A alegria, o sorriso, os outros desejos,
De risonha que era se tornou séria.
Até a palavra não escapou a violência do desejo,
De tagarela que era se tornou calada.
E por fim começou a arrastar o calor,
O frio foi tomando conta de tudo,
Arrastou o sol, colocou a neve, depois foi fácil tirar as cores.
Caminhava a menina pelo mundo
Com a alma tingida de nuances de preto e branco,
Não entendia bem o que vivia
Se por fora havia calor e cor,
Na alma somente frio e preto e branco.
O poder do desejo era forte,
Conseguiu arrastar até o branco,
A escuridão do preto ia assumindo tudo.
Com tamanha força, com tamanha violência,
O desejo a trouxe até a menina.
Chegou de repente, tal qual o desejo.
Na calada da noite, a hemorragia e a correria.
Silencio na alma, a menina observava, sem medo.
Talvez aí tenha sido o seu aprendizado de observar.
Mas ela não a levou, veio e foi sozinha.
Deixou a menina, o desejo e o medo.
Medo não do desejo, medo não de ser levada,
Medo de viver, medo da vida, medo do mundo.
Caminhou a menina pelo mundo cheia de medo,
Desse dia em diante, se tornou seu companheiro.
A menina pensa nisso e não entende.
Ninguém viu, ninguém percebeu.
De lá para cá, o desejo, veio várias vezes,
A menina foi aprendendo a convivência.
Sentia a sua chegada silenciosa,
Se punha a observar, assim mantinha certo controle.
Ficava atenta ao que ia por dentro,
Tentava não perder o que ia por fora.
Segurava qualquer emoção, capaz de deter o desejo.
Um encontro inesperado,
O sorriso que vinha em sua direção,
A ternura que nascia em seu coração,
Qualquer sentimento era agarrado com força,
O desejo a observava,
Ela observava o desejo,
Se sentia cansada, às vezes,
Os braços ficavam pesados.
Mas não desistia, colecionava momentos,
Colecionava sentimentos, olhares, gestos.
Até que, de repente, como chegara,
O desejo se desalojava da alma da menina.
Leve ela ficava novamente,
Caminha pelo mundo cheio de cores.
Mas, sabia que ele voltaria,
Sentia a expectativa da chegada,
Bem que ela pensava,
Se não o esperasse, se pudesse esquecer,
Quem sabe, ele dessistia de voltar.
Mas como fazer tal coisa?
Isso, ela realmente não sabia.