Coisa de Maluco

Tiago Zarowny
Ninho de Escritores
4 min readJun 21, 2021
Imagem do autor

Depois de um mês preparando a poção, seu Juruna havia finalmente terminado. Arlindo o ajudou a buscar ingredientes pelas florestas e montes das redondezas, e ele fez o preparado de ervas e coisas esquisitas, que ele conhecia o poder, mas que não eram coisas normais por essas bandas.

Seu Juruna e Arlindo estavam em busca de um elemento de poder, indicado pelo próprio Destino. Seu Juruna viu. Mas seria seu ajudante Arlindo que teria de ir buscar. Seu Juruna também viu isso. Arlindo tinha 54 anos e seu Juruna 108. Ambos eram incrívelmente fortes para a idade. Seu Juruna poderia muito bem ir buscar o Poder no alto do prédio misterioso, mas não era o desígnio de seu destino. Ir contra o próprio destino poderia ser sua última ação nesse mundo. Ele precisava agir estrategicamente.

A princípio, Seu Juruna e Arlindo conversavam sobre os desígnios do Poder. Não havia muito mais a ser feito, para Juruna a morte era amiga. A vida dos dois estava encaminhada e sem propósito. Até que um dia Juruna começou a perceber presságios e investigar os sinais, e descobriu que ainda havia uma coisa a ser feita. O que era essa coisa nem Juruna sabia. O que sabia é que era algo de muito poder, capaz de mudar o destino de toda essa gente.

Para a tarefa, ele precisaria de seu antigo aprendiz Arlindo, e de um preparado de invisibilidade. Juruna alugou um quarto em um prédio na rua Ir, número 297, o número foi lhe dado pelo Poder. Durante mais de um mês, Juruna e Arlindo buscaram ingredientes para a poção de invisibilidade, comprando de amigos videntes ou de parceiros que cultivavam algumas ervas para uso próprio. Sem a ajuda dos amigos, demorariam anos até produzir a poção. O Poder também os ajudou nessa parte. Quem tem um amigo tem tudo.

Depois da poção feita. Juruna esperou até mais um presságio, o que haveria de ser feito com essa poção? Ele e Arlindo sonharam juntos, e no mundo dos sonhos foram juntos buscar informações. Lá, depois de muita procura, um dos mensageiros dos sonhos lhes informou que o destino estava oferecendo o número 333 a eles.

De volta ao quartinho da rua Ir. Ficou claro que o elemento indicado pelo Poder e que seria capaz de alterar o destino de toda essa gente ficava no grande prédio da rua Ir. O maior prédio da cidade, e ele ficava no número 333, na esquina com a rua Vir.

Juruna e Arlindo esperaram uma semana até haver um presságio de quando seria o dia propício a ir buscar o artefato. Juruna sabia que devia agir estrategicamente, qualquer passo em falso poderia ser seu último.

Na semana seguinte Arlindo sonhou com o último andar do prédio, uma cama e um objeto no criado-mudo. Quando relatou isso a Juruna, perguntando se esse era o presságio, Juruna imediatamente concordou, dizendo que ouviu mesmo o mundo concordar que esse seria o dia.

Arlindo bebeu a poção e ela duraria 30 minutos. O prédio ficava logo ao lado. Foi mais uma das ajudas dos desígnios do Poder.

Invisível, Arlindo desviava das pessoas na rua, que não podiam vê-lo, mas que em algum grau sentiam sua presença, já que repetidas vezes se viravam em sua direção. Ele olhava para suas mãos em resposta, checando a invisibilidade, e continuava invisível.

Arlindo chegou à frente do prédio e a porta automática se abriu para ele. O recepcionista do prédio achou esquisito a porta abrir sozinha.

Arlindo foi andando até o elevador. O recepcionista ouviu seus passos e imaginou estar ficando maluco. O recepcionista viu o botão do elevador se acender e ficou completamente confuso.

Enquanto o recepcionista ligava para o departamento de segurança e perguntava sobre a existência de um teste nas portas do edifício, as portas do elevadores se abriram, se fecharam, e o elevador começou a subir.

Não havia teste de segurança.

No elevador, Arlindo apertou o último andar, que não era o último, mas ele não sabia ainda. O último andar era marcado com um símbolo esquisito que ele não entendeu o que significava, mas era o mais distante de onde estava, confiou na sua intuição, ele tinha poder.

O elevador subia incrívelmente rápido, suas pernas não venciam a força do elevador em puxar para cima, se segurou no apoio que pôde, olhou no espelho e continuava invisível. Haviam se passado quase 10 minutos. O elevador subia, e ele olhando as letras esquisitas, às vezes sentia poder ler 1109. Será que ele ia até o andar 1109?

O elevador subia rápido mas tudo demorava. Suas pernas se cansavam de lutar contra a força do elevador. Até que as portas se abriram. Os seres nas salas, compenetrados em seus afazeres, olharam em sua direção, provavelmente estranhando o elevador se abrir sozinho. Arlindo checou e deu graças a Deus por ainda estar invisível. Haviam se passado mais de 15 minutos. Os seres voltaram a fazer o que estavam fazendo e ele rumou em direção às escadas, percebendo aquele não ser o último andar.

Subindo mais dois andares pelas escadas, sentia os olhares se voltarem em sua direção, talvez fosse o barulho dos passos. Depois do último lance de escadas, se deparou com uma cama enorme e um criado-mudo ao lado. Em cima do criado-mudo havia somente uma caneta bic. Sentiu que aquele era o artefato. Pegou a caneta e fez o caminho de volta. Flutuando no elevador, que descia mais rápido do que a gravidade o puxava para baixo e faltando poucos segundos para a poção acabar, chegou ao saguão.

Arlindo foi saindo, fazendo barulho de passos e portando a caneta bic capaz de mudar o destino da humanidade. O recepcionista ouviu os passos, viu a porta abrir sozinha outra vez. E de repente viu também um homem se materializar e sair do prédio.

Coisa de maluco, pensou.

--

--