Continuações de uma cena de ação
Propus na newsletter do Ninho de Escritores que assinantes escrevessem uma continuação para um texto que foi analisado.
O texto em questão foi escrito por Eros Junior:
Da sacada do seu apartamento o homem sentia o vento abafado daquele início de noite de verão acompanhado do cheiro dos primeiros pingos de chuva daquela noite. “Petricor”, pensou enquanto a fumaça do seu cigarro dançava sob ventos suaves.
Abraçada pela luz acobreada do poste da rua, uma garota de programa abanava os braços para o alto em desalento, imaginando que sua noite de trabalho seria arruinada pela chuva crescente.
As lojas da rua já começavam a apagar as luzes e baixar as portas, misturando o barulho das mesmas com o da chuva que avançava em passos firmes e molhados.
Meus comentários sobre este e outros textos podem ser encontrados na newsletter semanal do Ninho.
Aqui compartilho textos que foram escritos e compartilhados em resposta ao meu convite. Todos esses textos são sequência imediata ao trecho acima.
Ao vê-la gesticulando, o homem pensou que talvez fosse sua oportunidade. Fez-lhe um gesto, foi ignorado. Tentou mais uma vez até ser capturado pela atenção da garota, que com os cabelos encharcados, respondeu-lhe com um sorriso malicioso que somente uma prostituta de rua saberia fazer.
Ele a chamou com o dedo indicador e, em seguida, gesticulou o número do apartamento. Ela respondeu com o preço do programa em uma comunicação quase telepática.
“Hoje é minha noite de sorte.” concluiu a meretriz.
A portaria se destravou, a garota subiu apressadamente as escadas e, ao tocar a campainha, foi surpreendida pelo maníaco.
(Adriano Machado)
Engenheiro, Reginaldo calculava meticulosamente as próprias ações como variáveis de uma equação. Mas, nessa noite, decidiu perseguir a garota na rua. Traçou o plano: desceria as escadas e manteria uma distância segura, suficiente para matar a curiosidade e depois fugir sem ser visto. Ao chegar lá e notar que a mulher havia sumido, deu um soco no ar e já ia se virando para ir embora, quando tremeu com um roçar de pêlos no pescoço. Uma voz salgada sussurrava no seu ouvido: “Então, é você meu voyeur”. Ele, sem ousar se virar, limpou o suor da testa, soluçando um pedido: “Quer subir?”
(Suzane Morais)
Da sacada, o homem assistia as águas correrem ao bueiro. Seus pensamentos fluíram com ela, tocando as pedras da beira. Feria-se na areia incrustada, ao lembrar da pobre que o esperava na cama.
A essa altura o vento rompeu, erguendo as sombrinhas para o alto, derrubando as bolsas das mãos. A garota já não acenava mais. Resmungava agora a sina da noite perdida, buscando o celular na poça.
Ele riu, nã o pode evitar. A garota devolveu a graça apontando o dedo do meio. Eram mesmo iguais, pensou. Sortudos donos de si. Depois, apagou o cigarro, voltou ao lado da esposa.
(Tamires Borges)
Morava próximo a um pequeno oásis urbano, uma bela praça com árvores frondosas e chão de terra exposta. Conectado à sensação que aquele cheiro da infância lhe trazia se inebriou da sua história e tragou com satisfação por ter sido o homem a realizar a denúncia pública.
Seus olhos percebiam tudo porém estava desfocado. A moça na calçada começou a gritar e seus braços agora moviam-se frenéticos. Seus olhos se moveram para onde ela apontava. Então viu o homem armado na janela apontando na sua direção.
No céu rasgou um enorme clarão anunciando água torrencial e logo veio o som.
(Ana Letícia Prado)
Palavras de Aristóteles se remexeram na mente dele. Vieram na voz daquela que o recitou após uma noite de amor.
Fernando Amorim passou-se por Nando para conseguir um emprego que não precisava, untou terra no jeans para simular miséria. Não sabia o que procurava, até faxinar o Teatro Municipal e ver a moça de cachos ruivos e argolas nas orelhas se esbaldar no palco.
Agora Amélia se encolhia, tapava os cachos com as palmas das mãos. Fernando já havia se esquecido do grasnar da chuva contra a calha… “Não ser descoberto numa mentira é o mesmo que dizer a verdade.”
(Leah B Harper)
Agarrada à chuva, a ventania passa levando consigo o casaco que cobria a garota seminua. Um rapaz que fechava sua loja a olha faminto. Tonto do cigarro o homem grita da sacada para oferecer-lhe abrigo. Ela aceita tremendo pelo frio que envolvia o seu corpo. A porta do prédio abre, ele a recebe com uma toalha, ela prontamente abre sua calça, ele a impede, ela chora sua desgraça. Ele a abraça. A noite passa. A chuva cessa. Ela vai embora sem acordá-lo, nunca mais aparece temendo um amor não correspondido. Ele a espera na sacada o resto de sua vida.
(Mônica Machado)
Fumando despreocupadamente seu cachimbo e ouvindo seu jazz no regresso de um dia estafante em seu escritório, o arquiteto que projetou meu consultório, sentia a brisa noturna de verão e sorvia lentamente seu whisky com duas pedras de gelo, quando começou a ser molestado por um ligeiro chuviscar. Nem bem chuvisqueiro era, era metaforicamente só aquele cheiro dos primeiros pingos de chuva daquela noite. Petricor- pensou e a fumaça de seu cachimbo dando adeus subia vagarosamente perfumando e despedindo-se do dia.
Mal terminando a jornada, ao sabor do aroma do Half and Half, logo abaixo, na mesma calçada uma prostituta reclamava da presença da garoa que havia iniciado e que na certa iria atrapalhar seu programa. Quem ia procurar seus préstimos. Descontava sua raiva num cão largado, sem dono que vivia por alí. Pouco adiantava ter um bom ponto. Pouco adiantava vir com uma roupa provocante.
As últimas lojas, as que fecham mais tarde já vão se despedindo também deixando um rastro de volto amanhã, e que amanhã será melhor. Suas portas vão se fechando, sua luzes se apagando, cessam os barulhos. Chega a monotonia cortada pelo gotejar incessante da chuvinha que já se faz presente.
(José Olavo Crestana)
Obrigado a todas as pessoas que participaram e também às que leram os textos aqui compartilhados. É lindo perceber como novas histórias e escritas podem nascer quando dispomos o tempo para cultivá-las.
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